CAPÍTULO 3

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Eu ainda achava que tinha algo errado naquela cena.

Quer dizer, eu e Professor Alexandre, juntos, em uma sorveteria colorida perto do campus, conversando sobre a minha monografia... não parecia certo. Mas sequer era primeiro de Abril e eu precisava aceitar que Apolo estava ocupado do outro lado da cidade mendigando que retirassem os pontos de sua carteira de direção, então não podia ser obra de alguma pegadinha dele também.

Ele pediu para que eu o chamasse de "Ale". Sorriu com aqueles dentes estupidamente brancos, fazendo algumas linhas charmosas de idade formarem-se ao redor dos olhos. Me incentivou a pegar cobertura extra na minha bola de sorvete de chocolate com cookies. Falou o nome de alguns autores psicanalistas famosos que poderiam me servir de referência no TCC e eu...

Eu nem sei.

Acho que eu estava apaixonada. Pelo cérebro dele. Pela energia. Pelo bom humor. E pela aparência de um deus grego incubado, porque eu sou dessas.

Na verdade, eu só queria virar o kirby naquele jogo de videogame que Apolo me fazia jogar, Smash, e engolir ele inteiro até tê-lo bem armazenado dentro da minha imensa barriga rosa e absorver as suas melhores qualidades.

Não? Viajei demais?

— Alexia? — ele chamou a minha atenção de volta para o mundo real. — Estava pensando sobre algo que eu disse?

— Ah... claro! — Alexandre deu um sorriso satisfeito e eu devo ter corado de tão sem graça.

— Desculpa te interromper então.

— Não, imagina! — abanei o ar de forma atrapalhada. — O que você ia falar? — ele molhou os lábios, ajeitando-se no pufe do estabelecimento.

— Agora que você tem bastante chocolate no sangue, acho que pode ser um bom momento para perguntar... o que te levou a escolher realmente esse tema? Eu queria entender melhor as suas motivações, onde eu posso apertar para te deixar mais inspirada.

Suspirei, porque sabia que nunca era fácil falar sobre aquilo. Nem com Apolo , que falava alguma merda de cinco em cinco minutos, e muito menos com o meu professor favorito. Mas ele era um homem curioso e não desistiria até saber cada detalhe.

— A minha família é muito conservadora. Na ditadura, o meu pai e o meu avô sofreram bastante por terem se recusado a criar uma base militar na nossa fazenda no interior, e isso fez com que todos se unissem muito, se fechassem em seu próprio casulo. Eles não votam, não assistem jornal, não estão nas redes sociais e nem leem qualquer livro da modernidade. Acham que todos esses meios querem dissuadi-los do que sabem, ensinar mentiras, doutriná-los para alguma ceita maligna.

— A comunicação deve ser difícil — ele acenou, compreendendo.

— Para dizer o mínimo — eu concordei. — Para ajudar ainda mais, as mulheres da família, abandonadas e impotentes enquanto os seus maridos eram torturados pelo governo vigente, acabaram procurando apoio na igreja.

— Catolicismo?

— Sinceramente, professor, eu não sei qual é a vertente. Sei que fui sempre inflamada por discursos protetores de "me dar ao valor" e "queimar no mar do inferno" a cada tropeço de minha adolescência.

— Não pode ter sido fácil.

— Continua não sendo. Vim para cá estudar contra a vontade deles. Eles acham que o meu papel na sociedade deveria ser o de cuidar da casa e casar com alguém pré-selecionado, que tivesse muitos dotes para manter todos os nossos 50 filhos. Eu sequer quero ser mãe!

— Não me leve a mal pela pergunta, Alexia... mas então estudar sexo é um ato de rebeldia? Quer provocar os seus pais e se desvincular dessa mentalidade retrógrada?

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