1 - Revolta

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Romeu
Atualmente

Romeu encarou sua imagem no espelho minuciosamente. Analisou seus cachos castanhos embaraçados e desalinhados, que adquiriam um tom dourado quando o sol da janela mal fechada os atingia. Era demasiado grande para o padrão dos outros garotos de sua escola, que mantinham seu cabelo sempre bem aparado e de cortes elegantes, dignos de queridinhos da mamãe. Grandes imbecis mauricinhos que o faziam sentir-se inferior.

Desceu os olhos para a sua testa "de amolar facas", que em outra ocasião estaria escondida pela franja encaracolada. Algumas espinhas faziam seu ninho ali naquele santuário oleoso. Mais algumas nas laterais de seu nariz achatado, e outras abaixo das têmporas. Ironicamente, todas elas estavam em lugares afastados do centro do rosto, como se se escondessem nos limites do rosto de Romeu, corado de natureza.

Os olhos castanhos esverdeados, apelidado por muitas de "olhos-cor-de-mel", "tonalidade de mel e limão" e outros apelidos idiotas que envolviam nomes de comida romantizados, estavam vermelhos e pareciam extremamente cansados. Fora a raiva que sua expressão expressava; sobrancelhas franzidas, testa enrugada e olhos fulminantes focando no espelho. Um mariquinhas, mesmo.

Tudo nele dizia isso. Em plenos dezesseis anos, a rebeldia tomava conta de seu sangue e toda a tensão escolar estava deixando-o louco. Aqueles grupinhos irritantes dos mais inteligentes e elogiados, das garotas fofoqueiras que só queriam ibope, dos rapazes que se envolviam com coisas pesadas e sempre que abriam a boca para falar a merda diária soltavam uma piada com um humor negro altamente ofensivo e eram aplaudidos com risadas.

Era de se esperar que Romeu fosse alvo destas piadas malditas. Como se já não bastasse o nome ridículo que uma mãe clichê apaixonada por outro clichê de Shakespeare - nome que aprendera até a soletrar por diversos "Ah, que nem de Romeu e Julieta? Adoro aquele tal cara, o Xeikisper!" ao longo da vida - decidiu colocar em seu pobre filho, sem parar para pensar nas consequências que ele teria no futuro, ainda tinha os cabelos de grandes cachos em tom brilhante, que o faziam parecer uma bonequinha ou até mesmo uma garota. Os olhos claros que lhe adocicavam ainda mais a imagem e o queixo pontudo.

Tudo dele foi criado para parecer ridículo e ele se detestava por isso. Se detestava porque parecia a mãe, uma mulher, e se detestava ainda mais por amá-la tanto ao ponto de não fazer algo consigo mesmo, que sabia que iria magoá-la.

De suicídio a tentar raspar a cabeça, Romeu já havia pensado nisso tudo. Mas o devaneio sempre acabava com sua mãe chocada, como suas unhas sempre bem pintadas no peito, com o típico olhar dramático de surpresa. Maria Clara, sua mãe, havia se formado em literatura inglesa e, - talvez, só talvez - fosse por isso que era tão exagerada, enxergando dramas onde não tinha e sempre tentando criar outros. Ou fosse também as suas novelas que assistia dia e noite, por estar desempregada. Dona Maria tinha influências demais para chegar em uma só conclusão.

Estava um calor dos infernos, e o suor escorria de seus poros como uma nascente. Mesmo assim, ele não prendeu o cabelo ou parou de se encarar no espelho do quarto que mais parecia um forno, de janela e cortina fechadas apenas para que se sentisse confortável no próprio ambiente.

A pouca luz que entrava já era o suficiente para o que iria fazer.

Estava no seu limite. Iria livrar-se daquele maldito cabelo até que sua barba finalmente crescesse e lhe tirasse a face de moleque, colocando algum respeito entre os outros. Naquela manhã, alguns dos idiotas do Pedro Alvares Cabral, onde estudava, descobriu que Romeu estava a uma semana de fazer aniversário e decidiram preparar uma surpresinha para ele.

Com sua implicância já esperada com o cabelinho de anjo, os imbecis esperaram a última aula acabar, e para pegá-lo de surpresa, nem apareceram na mesma. Os ovos, mel e farinha já estavam nas mãos quando deram de cara com o rapaz. Geralmente, ele saía afobado da escola, correndo para ir embora antes que o vissem e começassem a irritá-lo ainda mais. Sua bicicleta ficava perto do prédio onde aconteciam as aulas, em vez de ficar no estacionamento, mas isso o fazia sair mais rápido e infelizmente gerava "multas" e advertências. Nesta manhã, não houve tempo para que chegasse à bicicleta.

Até agora não tinha ideia de como conseguira limpar o cabelo sozinho - recusando a ajuda da mãe e da irmã igualmente irritante, tentando manter sua dignidade e não se humilhar ainda mais - e sentiu suas unhas marcarem a palma de sua mão, que agora estava fechada em punho, de raiva por tais lembranças. Estava decidido. Independente dos olhares críticos e abismados de sua mãe, iria fazê-lo.

O cabelo ainda nem secara direito, mas Rom aproveitara para jogar água no rosto e molhá-lo mais um pouco. Abriu as gavetas do seu banheiro precário - em uma casa onde praticamente era o único homem, com a instabilidade de seu pai, era necessário que tivesse um canto só seu e não dividisse o banheiro com as outras mulheres e seus perfumes, desodorantes de flores, com pelos e cabelos por todo lado - buscando uma tesoura afiada que enfiara ali pouco tempo atrás.

Acendeu a luz e começou a cortar as madeixas encaracoladas que tanto o tiravam do sério. Cortou de maneira desigual, mas a raiva que o regia naquele momento, diante de toda humilhação, foi o suficiente para que ficasse satisfeito com o resultado. Deixou um pequeno topete e tentou, com a máquina de cortar, agora deixar os dois lados iguais. Não iria pedir para sua mãe leva-lo para uma de suas cabelereiras.

O jovem ofegava e os pedaços mortos de pelo capilar estavam fazendo uma bagunça por toda pia e chão. Pela terceira vez ao dia, Romeu tomou um banho para que aliviasse a agonia que pinicava em sua pele pelos fiapos. Não se permitiu chorar, mas a vontade também era mínima; agora estava bem mais aliviado pelo que fizera.

"Você precisa ser homem", murmurou para si mesmo. "Precisa encarar todo mundo." Já era quase hora do jantar e sabia que teria que descer, já que não dera as caras nem no almoço, nem para comer o pão da tarde com café. A verdade é que ignorara todos desde que chegara da escola, ouvindo sua mãe chama-lo mil vezes e sendo ignorada mil e uma. Mas era melhor descer, ou iriam invadir seu quarto.

Quando abriu a porta, desejou que seu pai lhe ajudasse a lidar com tudo. Mas sabia que era algo em vão; o velho o olharia repreensivo, ignorando-o logo em seguida. A verdade é que ninguém iria ajudar Romeu. Estava sozinho. E sempre estaria.

Romeu Decide MatarWhere stories live. Discover now