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2013

Lincoln, Inglaterra

O vento passava gelado através das ruelas de Lincoln. Algo previsível, se tratando de outubro. O nordeste do Reino Unido, assim como o norte, sempre recebia o inverno mais cedo, devido às frentes frias vindas da Escandinávia.

A cidade de cento e vinte mil habitantes seguia seu ritmo. Herança da segunda grande guerra, a expansão da região se deu graças ao quartel com pista de treinamento da RAF, força aérea britânica, que concentrou sua ofensiva no interior do país, enquanto os civis iam para o centro-oeste e os grandes centros eram bombardeados à destruição pelas forças do Eixo. Por muito tempo, pelo menos até a entrada dos Estados Unidos ao lado dos Aliados no início de 1942, o quartel de Lincolnshire era o único que permanecia intacto e ainda dava um pouco de fôlego à ofensiva inglesa no conflito.

- Margot?

Ela virou-se. Max, seu irmão mais velho, se aproximava depressa.

- Margot, o que está fazendo aqui? – ele olhou ao redor – Você veio porque parecia interessada em ajudar. O que está fazendo?

- E-eu... Estou cansada. – ela justificou, baixinho

- Cansada? Margot, todos estamos exaustos. Não está sendo fácil perder o vovô menos de um ano depois da vovó. Ninguém está inteiramente disposto.

Ela baixou a cabeça.

- Vamos, por favor. É sério. – ele a abraçou de lado, guiando-a pela rua na direção oposta – Precisamos deixar tudo em ordem para o inventário. Não vai dar para seguir em frente sem fazer isso.

- Não sei se vai dar, Max. Quero dizer, desde que me lembro, vovô estava sempre aqui. Ele me trazia ao parquinho.

- Eu sei como se sente, mas não pode passar o dia em pé no meio da praça sem fazer nada a respeito. Vovó já teria lhe dado uma porção de coisas para fazer.

- Como polir a prataria ou arrumar a cerâmica?

- Você era a melhor nisso – ele sorriu

- Minha especialidade – ela deu de ombros

Os dois seguiram abraçados por algumas ruas, até que finalmente chegaram à residência dos Evans. A construção era prepotente, considerando que resistia a vários anos de crescimento da cidade e surgimento de prédios e casas modernos pelo centro e interior da cidade.

Haviam algumas pessoas lá dentro, todas concentrados em algum tipo de faxina. Margot viu seus primos gêmeos tirando o pó e guardando porta retratos na sala, sua tia tirando as cortinas e tapetes para lavar. Na cozinha, sua mãe cuidava da louça enquanto seu pai estava com seu tio no escritório.

- Oh, finalmente! – Maureen exclamou – Querida, poderia ter a gentileza de avisar quando sair novamente? É certo que estamos envoltos ao caos, mas ainda me preocupo com meus filhos.

- Margot estava tendo uma crise na praça do parquinho – Max anunciou

- Querida – sua mãe a abraçou – Não fique assim. Seu avô só está descansando. – ela lhe deu um beijo na testa – Foi uma longa e produtiva vida. Ele não poderia deixar a vovó sozinha, não é?

- Tudo bem, mamãe – Margot respondeu, meio frustrada por sua mãe falar com ela como se fosse uma criança – O que posso fazer para ocupar a cabeça?

- Nada ajudará muito, uma vez que é como se eles estivessem nos vigiando aqui – Maureen olhou ao redor – Mas você pode começar pelo quarto dos dois, separando as roupas. Vamos doar todas para caridade, atendendo ao desejo de seu avô. Separe também as roupas de cama, mas algumas são do enxoval do casamento e talvez seu pai não queira se desfazer...

- Enfim, limpar os armários – Margot suspirou – Ótimo. Eu separo o que julgar importante.

Maureen assentiu e voltou a seus afazeres; Max foi ao escritório.

Margot subiu as escadas como se seus pés pesassem vários quilos. Lembrava-se da avó ordenando para que subisse a escada de degrau em degrau, enquanto chamava atenção de Max para ajudar a irmã. Também quase podia ver o avô sentado na sala, lendo seu jornal, preenchendo suas palavras cruzadas ou conversando com a avó com o gato no colo.

Caminhou pelo corredor e foi direto ao quarto principal, onde por anos repousaram seus avós.

A cama estava arrumada, mas ela sabia que assim que abrisse a porta dos armários, teria um imenso trabalho pela frente. Faria o possível para se concentrar, no entanto.

Começou separando peças de roupa que ela julgou normais, assim como os caçados, os quais ela ajeitou em uma caixa no canto. Depois de um bom tempo, ela finalmente chegou a uma parte crítica do guarda-roupas. Era uma porta que guardava os mais preciosos vestidos da sua avó. Quando criança, Margot implorava para que pudesse vesti-los, mas eles ficavam largos e compridos demais, causando risos nela e em seu avô. Depois, ela dizia que Margot nunca iria usa-los, pois quando tivesse idade suficiente, jamais o faria. Margot então discutia, e sua avó fingia que concordava, para então leva-la para a cozinha e lhe preparar um mingau.

- Não me importa o que vovô pediu, esses vestidos jamais irão para caridade – ela avisou, para si mesma.

Separou as peças em um canto da cama, as quais ela viu que precisavam de alguns reparos e de lavagens especiais, mas ainda em ótimo estado.

Havia uma porção de caixas, com documentos e fotos, tiradas ao longo das décadas. Margot certificou-se de cuidar para que aquelas fotos fossem bem guardadas, deixou junto aos vestidos.

Por fim, havia uma caixa menor, do tamanho de uma caixa de sapatos, com medalhas. Ela imaginou que fossem medalhas militares que pertenceram a seu avô, herói de guerra. Cartas e certificados dessas honrarias também estavam junto. Curiosa, viu que não eram só medalhas que pertenceram a seu avô. Guardou o nome para questionar o pai ou o tio, mais tarde.

Horas mais tarde, tinha quase concluído quando reparou, ao canto do guarda-roupa, um livro. Pensando que era mais um álbum de fotografias, pegou de maneira descuidada e viu diversas folhas caírem no caminho. Pasma, notou que era uma porção de folhas escritas. Seria um diário?

As folhas que caíram eram também envelopes e cartas. Haviam inúmeras delas, assim como flores secas – Margot se perguntava como elas haviam resistido por tanto tempo. As folhas estavam manchadas, em algumas, era quase impossível ver o que estava escrito sob a caligrafia delicada, que parecia ser da sua avó.

Determinada em descobrir o que se tratava, Margot organizou tudo, sentou-se na cama e começou a ler.

Corações PartidosWhere stories live. Discover now