Saco preto, corda prateada

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A lua mal iluminava a face de Damien enquanto ele caminhava pela noite. Estava cansado, desejando somente chegar em casa e jogar-se em sua magnífica poltrona. Seu chefe não havia facilitado hoje, pedia tarefas impossíveis e ria das suas tentativas fúteis de realizá-las. Maldito Yuri. Mas em meio a tudo isso, o que mais povoava sua mente levemente perturbada eram os seus sonhos.

Há semanas sonhava com uma mulher que não conhecia. Ela tinha cabelos negros, pele branca, olhos profundos e tristes. Não sabia o seu nome, nem quem era, ou onde estava. Mas toda noite, lá estava ela, aparecendo assim que ele fechasse os olhos. Ela nunca falava, talvez porque nunca recebesse visitas. Estava sempre só em uma sala mal iluminada. Ele sentia pena. Pena que se tornou compaixão e aos poucos se transformou em amor. Ele a amava, sabia disso. Mesmo que nunca a tivesse encontrado pessoalmente ou mesmo interagido com ela. Havia sido cativado.

E quanto mais a olhava, mais desejava tirá-la do seu sofrimento, da sua solidão. Esses sentimentos se tornaram o cerne da sua vida, nada mais parecia importante. Trabalho, estudo, frio, calor, dinheiro. Tudo era trivial, sem valor. Ele precisava alcançá-la.

Com esses pensamentos em mente, andava pelas ruas vazias. Suas pernas indicavam o rumo, já que sua cabeça estava ocupada com assuntos mais importantes. Esquina após esquina, casa após casa, ele continuava caminhando. Como faria para encontrá-la? Caminharia até achar uma solução.

Sua concentração era quase monástica. Raramente algo lhe tirava do seu fluxo interior. Por sorte, não encontrara ninguém conhecido no caminho, pois não desejava falar. Falar era ruim, quebrava o seu estado de consciência. E ele gostava desse estado, parecia elevá-lo, direcioná-lo para aonde deveria ir. Seria isso o que os monges buscavam através da meditação? Se fosse, ele entenderia.

De repente, percebe um vulto alguns metros à sua frente. Um vulto estranhamente familiar. Era ela.

Ele corre na sua direção enquanto ela entra calmamente para dentro de um beco. Poucos segundos depois, ele faz o mesmo. Mas chegando lá…

Nada.

Olhava para todos os lados, tentando encontrar sua amada. Mas ela havia sumido. Evaporado, pelo jeito, pois não havia saída do beco. Confuso, ele nota a única fonte de luz do ambiente, que, fraca e inconstantemente, iluminava um entulho entreaberto. Algo o dizia para chegar mais perto, olhar o seu conteúdo. Ele obedece a esses impulsos.

Levantando a tampa do entulho, Damien sente um cheiro horrível de carniça. Logo depois, seus olhos confirmam o que seu nariz já havia sentido: um gato morto jazia jogado em cima dos sacos pretos. Vermes infestavam a sua barriga e um dos seus olhos permanecia aberto, encarando intensamente o vazio.

Mais à direita, perto da boca do animal moribundo, um pequeno saco preto, preso com uma corda prateada. Imediatamente ele soube que deveria abri-lo, o que ele faz sem escrúpulos. O pega lentamente, abre-o e derruba o conteúdo na sua mão esquerda.

Para sua surpresa, um dedo magro, longo e preto cai em sua palma da mão. Ele observa-o atentamente, e é com tremendo horror que percebe que o dedo está sendo absorvido pela sua mão. Não sabia o que fazer, aquilo não era possível. Olha para os lados em busca de auxilio, mas assim como antes, não havia ninguém. Uma dor imensurável toma conta de sua mão e aos poucos de seu braço.

Agora o dedo havia sumido, havia sido absorvido pela sua mão, sem nem mesmo deixar uma cicatriz. A dor cessa por um momento. Ele olha para a própria mão, ainda incrédulo. Não fazia ideia do que acontecera, mas não teve muito tempo para pensar no assunto.

A dor volta com toda força.

Um pequeno ponto preto começa a aparecer na base de seu dedo indicador e vai crescendo. Seu dedo é empurrado para trás, quebrando com um grave estalo. Agora ele podia ver claramente: o dedo que havia saído do saco estava nascendo no lugar do seu antigo. A dor continuava, enquanto seu pobre membro era destruído pelo novo.

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