Começava um novo dia de feira em Baltar. Em ocasiões como essa, a cidade era tomada por flâmulas coloridas, desfraldadas das janelas dos casarões mais nobres. As ruelas se apinhavam de crianças acorridas de todos os cantos de Teres. A praça principal tornava-se um azafamado empório ao ar livre, onde se vendia e se comprava quase tudo, desde tecidos finos, queijos e bebidas vindas de diversas cidades, até armas, armaduras e animais. Nas ruas adjacentes, um verdadeiro exército de cantores, acróbatas, adivinhos, dançarinas de bambolê, vendedoras de beijos e outras ocupações mais controvertidas ganhava a vida. Ao longo de toda a manhã, de quando em quando, clarins ressoavam pelos céus, anunciando a chegada de novos mercadores e suas caravanas entupidas de especiarias, as quais saudavam multidões de meninos e meninas, acotovelados no abrir espaço para que elas passassem.
A feira excitava mesmo os que não tinham apreço pela arte da barganha, ou lábia para tal. Diversas eram as companhias de marionetes a apresentar, inúmeras e seguidas vezes, peças clássicas do folclore infantil, como O Menino e o Lobo, João e Maria e Os Contos da Carochinha. Num bairro mais afastado, concorridos recitais de canto e poesia, para crianças em aprendizado da fala, davam um toque a mais, ao mesmo tempo terno e engraçado, ao fim das tardes. Vinham fratrias até de outros reinos só para ver seus caçulas no palco. Tudo isso corria por conta da prefeitura, que queria atrair o máximo possível de visitantes.
Baltar era fortificada por enormes muralhas de pedra que a rodeavam totalmente. Dizia-se que possuía o melhor exército de meninos-arqueiros de Teres, sempre em prontidão para que nenhum pequeno malfeitor tentasse apoquentar seus prósperos habitantes. E de fato, desde que o príncipe Anrik a tornara centro de livre comércio, vinha firmando-se como um dos mercados mais populares e importantes de todo o mundo mirim. Uma das razões para esse crescimento econômico parecia ser sua localização: Baltar fora erigida nos confins das terras exploradas, a sudoeste dos Montes Baixos. A proximidade do Sul Ignoto, uma região misteriosa, cheia de monstros e riquezas, tornava a cidade um polo natural para onde se dirigiam aventureiros da mais variada espécie. Em alguns anos de atividade mercantil, Baltar cresceu tanto que chegou a fundar uma ordem de cavaleiros e um templo quase tão grande quanto o castelo de Anrik.
Quando não era dia de feira, Baltar exibia um monótono clima provinciano. Em dias tais, podia-se sair à rua sem ser importunado por vigaristas, mendigos ou mostradoras e conhecer um pouco mais a plácida beleza da cidade, os sobradões de madeira, com portas e janelas voltadas para a rua... Mas nossa história começa em um dia de feira, de modo que deixaremos de lado a arquitetura baltarana, pois, em todos os lados para que se olhe, as únicas coisas que se veem são barracas e crianças...
Se focalizássemos a atenção no meio de toda essa multidão consumidora, veríamos um menino de uns onze anos e meio a destacar-se dos demais, enquanto segue de barraca a barraca. Pergunta algo aos passantes, aos vendedores; agradece e continua a andar. Entra em outra tenda, pergunta, agradece, e assim por diante. Nessa praça, naquele mesmo instante, haveria dezenas, talvez centenas, de meninos de onze anos a ir de barraca a barraca. Este, porém, teria um aspecto peculiar: estaria de todo alheio à feira, enquanto os outros garotos levariam os olhos, a mente e os lábios às guloseimas que lhes ofereceriam os vendedores, como chamariz. Seu nome é Êisdur, e sua história é a que contaremos aqui.
Êisdur era um menino muito tímido. Tinha cabelos curtos, bem escuros, e olhos castanho-claros. Trajava-se com uma roupa simples de couro curtido e usava um alforje a tiracolo. Tinha uma aljava com meia dúzia de flechas e um arco composto, que, presentes de seu irmão Eisdras, levava por sobre o ombro. "Se eu não estivesse tão preocupado, bem que poderia estar caçando algum animal raro e apetitoso pra vender nesta feira", pensava ele. Levava a vida como caçador e, disto estou convicto, era um exímio caçador, possuindo uma destreza no arco que, lá de onde viera, poucos haviam conseguido igualar.
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O Rei Adulto (Volume 1)
Fantasy"O Rei Adulto" é uma fábula sobre as dificuldades que envolvem a passagem da criança à vida adulta. Ambientado dentro do mundo imaginário e fantasioso das próprias crianças, o livro narra a epopéia de Êisdur Árland, um menino que decide descobrir o...