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Doutor, eu crio doenças para fugir do tédio. Vou ao médico só para poder andar em paz numa manhã de segunda-feira, sem o mau humor de quem corre para bater o ponto. Eu gosto de vir também às quartas — não terças ou quintas, que eu tenho yoga — porque é meio da semana e dou uma relaxada do trânsito.

Eu moro no Méier. Eu marco aqui na Tijuca para poder pegar o metrô e dar uma volta na Saens Pena. É porque eu gosto desse bairro. Eu saio daqui e vou lá no Café Palheta e peço um folhado de frango para viagem. Pego metrô tomando Todinho e faço uma transferência na Central para o Nova América. Compro um pedaço de bolo de cenoura na passarela e vou comendo no ônibus para Alvorada.

Eu traí a Tijuca numa quarta em que marquei um exame dos pulmões no Humaitá, em frente à Cobal. Eu estava com uma puta preguiça de ir porque precisava fazer muita baldeação. Fui porque aqui não tem laboratório que faça. Cheguei no balcão da recepção e vi que não tinha levado o pedido do pneumo. Descontariam de mim se não apresentasse atestado, mas o árabe foi gente-fina e me deixou fazer o exame sem o papel. Passei na Cobal e tomei um mate com pão de queijo. Na volta para o trabalho peguei o Alvorada em frente ao laboratório. Não vi o itinerário e ele deu uma agradável volta pela orla da Barra da Tijuca.

O senhor acredita que eu levei duas horas do Humaitá para Jacarepaguá? Tem vezes que eu chego com atraso e levo atestado. Não é de propósito. O trânsito é péssimo a qualquer hora. Encaro como uma oportunidade de colocar minha leitura em dia, isso quando a paisagem não captura minha atenção mais que um bom livro que sempre carrego comigo.

Será que é vício? Comecei aos poucos, marcando médicos pelo menos duas vezes ao mês. Mas vocês pedem exames, às vezes mais de um, então eu agendo com o laboratório. Agora, pelo menos uma vez por semana eu passo a manhã numa sala de espera, e então, ganho a rua.

Doutor, não há nada pior que o tédio das 8/17. Nada.

Caderno de variedadesOnde as histórias ganham vida. Descobre agora