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Um emaranhado de cravos, alstromélias e gipsófilas ou "véu de noiva", como você costumava chamar. Juro por Deus que era justamente na Dona Eunice que estava pensando quando fiz o arranjo. Aí o sino da porta tocou e quando levantei os olhos, , você estava bem diante de mim, como num passe de mágica.

— Felipe — esbocei atônita, derrubando o buquê num balde preto no balcão.

Você, é claro, não parecia menos surpreso.

Após um segundo chocado de hesitação, você caminhou até mim a passos largos e falou: 

— Oi, moça — Beijou-me as bochechas e ambos rimos, embora não houvesse motivo para graça. — Tudo bem?

— Tuuudo — respondi quase cantando e imediatamente senti meu rosto queimar de vergonha ante minha empolgação. — E você, como tá?

— Ah, estou bem. Na correria, sabe como é. 

Você sorriu com os lábios e com os olhos, como sempre faz, e eu desviei o olhar para as flores porque não sabia como deveria encará-lo. 

— Você está trabalhando aqui agora — você mais afirmou do que perguntou, apontando com o indicador para os arredores da loja.

— Sim— confirmei, ajeitando uma mecha de cabelo atrás da orelha e mordi o lábio incerta, tentando me lembrar desesperadamente do estado que as coisas estavam da última vez que nos vimos. Enxuguei a umidade das minhas mãos no avental e aproveitei o instante para tentar estabilizar o tremor que sacudia todo o meu corpo. 

— E o que aconteceu com o livro? Desistiu? — você perguntou casualmente. 

Engoli em seco e voltei a olhar para você, bem nos seus olhos, tentando sondar se havia nessa frase uma indireta ou tentativa deliberada de me machucar. Mas não. Eu bem sabia que a pergunta não passava de small talk, um ato de educação seu.

— O tempo passa e os sonhos mudam, não é mesmo? — soltei mesmo assim sentida, carregando minhas palavras de significado e acusação. 

E aí quem desviou o olhar foi você.

Seus dedos roçaram as gipsófilas com delicadeza e eu estremeci ainda mais. Você não merecia isso. Mais tarde fiquei formulando mil respostas malcriadas que eu daria se eu estivesse no seu lugar:

— É mesmo, um dia seu sonho já foi casar comigo e olha no que deu, não é?

Em vez disso, você paralisou por um instante, pensativo, e depois balançou a cabeça devagar concordando.

— Pois é — murmurou baixinho. Mas depois voltou a ensaiar de leve um sorriso, com os lábios e com os olhos junto, como sempre, os cachos cor-de-mel quicando sobre a testa conforme você sacudia o rosto. — E as flores, quanto ficam? — você perguntou finalmente, retirando uma carteira de couro marrom do bolso de trás do seu jeans.

— Ah, sim — falei num engasgo constrangido, relembrando de repente do motivo de você estar aqui, e indiquei com as palmas abertas as flores no balcão que nos separava. — Eu estava pensando justamente na dona Eunice quando preparei esse buquê e nem sabia que eram suas, não é engraçado? — Desatei a rir sozinha e você apenas ergueu uma sobrancelha.

— Engraçado — você disse, parecendo mais confuso do que entretido.

— Diga para ela feliz dia das mães por mim... — completei, me sentindo histérica. — Ou melhor, não. Ela sempre me odiou mesmo. — Interrompi a mim mesma, gargalhando.

— Oi? 

Você franziu os olhos e contraiu o rosto contra o pescoço, formando um queixo duplo logo acima do colarinho.

Agora que aprendi a amar (conto)Όπου ζουν οι ιστορίες. Ανακάλυψε τώρα