A corrente elétrica zumbe como uma mosca.
A luz oscila devido ao chuveiro ligado.
A vontade é de desligar o interruptor, mas a luz me acalma, me deixa raciocinar friamente. Eu não gosto da escuridão, não que não a tenha usado a meu favor incontáveis vezes, já que condiz com o meu ramo de atividade.
Estou deitado na cama, as molas me incomodam, mas deixei de me importar. Havia coisas grandes com que se preocupar. Uma negociação a se fazer.
O vapor do chuveiro atravessa a fresta da porta e se arrasta pelo corredor como um tapete branco sendo desenrolado. Como alguém consegue tomar um banho tão quente assim? Quanto tempo ela está lá?
O relógio está pousado na cômoda ao lado de um vaso de flores e alcança o final daquela hora, o que significa quase quarenta minutos. Ela deve estar chorando, sentada no vaso sanitário, soluçando, esfregando o rosto ou mesmo procurando alguma forma de me ferir. Talvez estivesse esperando que eu cochilasse na cama, mas eu não fecharia os olhos em hipótese alguma.
O trabalho tem que ser feito.
Expertise.
É a palavra que me vem enquanto repasso o plano mentalmente. Eu sou bom no que faço, talvez o melhor, mas sempre que fecho uma porta, penso que aquela pode ser a última porta que vou fechar.
Ouço um ruído dentro do banheiro, o primeiro movimento real depois de tanto tempo. Mesmo com a janela aberta, não escuto sons vindo de fora. O chuveiro é desligado.
Kelly, enrolada numa toalha cor-de-rosa, caminha pelo corredor em minha direção. Olhos injetados e vermelhos. Na bochecha, uma marca roxa. Não mexa na maleta, eu dissera, mas ela, como sempre, não me ouvia.
— Não vá! — ela diz. — Fique comigo!
Estremeço novamente com o pedido.
— Tenho que cumprir com o combinado.
Volto a olhar para a maleta. Ela queria que aquele de couro não estivesse ali e que eu ficasse somente para ela.
O amor nos amolece. Se quiser amar, largue esse trabalho e fuja para bem longe. Foi o conselho de um velho amigo tempos atrás.
— Tenho um pressentimento ruim.
— Sempre você tem.
— Não, George! Desta vez é diferente.
— Você não vê o futuro, Kelly. Quantas vezes já te falei isso?
— Mas...
O rosto dela fica irado novamente.
— Se você previsse o futuro, estaríamos ricos de outro jeito... Como está o maxilar?
— Vou sobreviver.
Espero que eu também. Tudo isso não me cheira bem. Mas tenho certa vantagem. Escolhi o local. Posso seguir o plano.
Ela deita na cama do meu lado. Percebo o que ela pretende.
Expertise.
Seguro o pulso dela. A luz incide no fio da navalha e vejo o reflexo do meu rosto na lâmina.
— Seja uma boa menina e largue isso, senão quebrarei o seu pulso, sim?
— Eu não quero te perder. Eu sei com quem você vai negociar. Ele é astuto como uma raposa.
— Eu também, querida.
Ela me olha em dúvida.
— Jack tem muitos capangas.
ESTÁ A LER
A CASA DAS PORTAS
Short StoryGeorge é um profissional, um dos melhores do ramo, e tem um trabalho a cumprir. A tarefa parece simples na sua execução, mas quando há assuntos mal resolvidos por trás nada é tão fácil quanto aparenta. Mesmo com todo o planejamento prévio e sua expe...