Como Deve Ser

474 33 24
                                    



Não tenho vergonha alguma de admitir que sou nerd. Dos fortes. Não vejo isso como um insulto nem nada do tipo. Quando me zoam dizendo que vou passar a sexta-feira trancado em casa assistindo Netflix, eu até rezo pra que isso aconteça – não que eu também seja religioso, mas é por força do hábito, acho. E não que eu queira fazer outra coisa numa sexta-feira depois de acabar a escola: Netflix, pipoca, edredom e um chocolate quente. Não preciso de coisa melhor.

Daí, quando o dia amanhece, eu largo um pouco os seriados e vou pro lado que eu mais gosto das nerdices: a leitura. Começo um livro novo todo sábado, sem exceção. Sempre tento me policiar para demorar no máximo uma semana entre uma leitura e outra; às vezes termino antes, mas vou preenchendo a semana com os seriados (que nunca acabam, vamos combinar) e espero o sábado chegar pra procurar um título novo na minha estante.

Eu reservo toda a minha mesada pra alimentar "meus vícios", como meu pai chama. Normalmente sempre sobra alguns trocados no fim do mês porque guardo para eventuais lançamentos inesperados e tal... Porque, apesar de ser nerd, eu sou o cara mais desligado das coisas que existe! Fico sabendo dos lançamentos ou de algum evento sempre em cima da hora, sempre, mesmo que tal evento seja de extremo interesse.

Como, por exemplo, uma palestra que meu escritor favorito daria numa escola da minha cidade.

A palestra seria na quinta-feira e eu só fiquei sabendo na segunda de tarde: meu nível de lerdeza. E só descobri porque estava fuçando no Facebook do meu pai (já que ele não me deixa deslogar do dele para logar no meu no seu laptop). Na timeline dele, vi uma postagem de uma das suas alunas falando do evento. E eu surtei.

Meu pai é desses professores descoladões que segue todos os alunos, que aceita todos os pedidos de amizade e até clica num "curtir" de vez em quando. Meio que ignorava tudo isso até aquela segunda-feira, porque se não fosse a tal menina, eu jamais saberia da palestra.

– Por que você não me contou que o Victor vai dar uma palestra na sua escola?!! – berrei.

Ele estava preparando nosso jantar e eu deveria estar escolhendo um filme pra ele indicar para a namorada nova ("porque ela gosta dessas coisinhas populares que nem você, filho"), mas a aba aberta do Facebook obviamente me chamava mais atenção.

– Quem? – ele ajeitou os óculos sobre o nariz e apertou as sobrancelhas pra mim, confuso e um pouco irritado pelo meu tom de voz.

– O autor, pai! – ele continuou confuso, então fiz questão de ir até meu quarto, arrancar um exemplar do livro dele da estante e trazer pra mostrar: – Esse aqui!! Você sabe qual é, eu sempre falo dele pra você.

Ele levantou uma das sobrancelhas e, na defensiva, mandou:

– Ah, não sabia que você gostava tanto assim ...

– Pai, como assim? Todo mundo gosta!

Victor Costa era o autor mais badalado da atualidade. Estava sempre no topo da lista dos best-sellers desde, sei lá, o meu nascimento! Ele escreve pra gente da minha idade faz uns anos e é simplesmente o melhor em tudo o que faz (sério).

É claro que meu pai sabia que eu gostava dele porque eu tinha todos os seus livros e sempre ia nos lançamentos, mas chegar perto dele era quase impossível. Nunca consegui uma senha pra essas sessões porque acabavam num piscar de olhos – e nunca conheci ninguém pra furar fila, então...

– Bem, ele vai na quinta fazer uma palestra... – meu pai disse e eu revirei os olhos, como se já não soubesse dessa informações inicial. Mas então acrescentou: – Se você quiser, pode ir também.

Como Deve Ser | 📚Onde as histórias ganham vida. Descobre agora