Prólogo

4 0 0
                                    

O sol não havia nascido ainda, os pássaros ainda dormiam e a floresta estava quente e úmida. Garion adorava caçar pela manhã, os animais estavam menos ariscos e sua concentração era melhor também. A trila sinuosa que só os habitantes daquela região conheciam levava para o centro da floresta e no caminho contrário bifurcava na estrada mais ao sul. Garion conhecia como ninguém, aquelas bandas, tanto a floresta quanto a estrada. Cresceu ali, correndo pela mata fechada com seu irmão Galohad. Mas isso era em outros tempos, ambos cresceram e seguiram seus caminhos, Galohad se tornou líder do círculo druídico cedo, suas responsabilidades cresceram demais para ficar correndo com o irmãozinho. Garion não tinha muitas responsabilidades, já que não gostava delas, apenas caçava coelhos e se tivesse sorte um alce não muito grande.

Enquanto andava pela densa mata com seu arco na mão, Garion sentiu algo estranho, parou e olhou para trás e observou por alguns segundos. A densa mata fechada, escondia perigos, mas o jovem rapaz se sentia em casa. Mas algo o incomodou. A rala luz do sol que penetrava a copa das árvores fornecia pouca luminosidade, era algo lindo. O arco do rapaz era de carvalho e possuía entalhes muito bonitos, feitos por Luna, uma elfa da floresta, esposa de seu irmão. A tênue luz solar fazia parecer que as runas curvadas na madeira, brilhavam. Sua roupa verde musgo o escondia muito bem na mata, as listras douradas também feitas por Luna, pareciam enaltecer o verde escuro da roupa. As calças apertadas com faixas de couro segurando uma adaga na perna esquerda eram bem-feitas também. Botas e luvas de couro fervido o ajudavam na fácil movimentação e no hábil manuseio da faca e do arco. O capuz, presente de seu irmão, era grande demais e Garion quase nunca o vestia. Tinha um rosto liso e magro, olhos escuros e penetrantes que passavam despercebidos pelo seu cabelo no rosto. O cabelo loiro de Garion descia longo, devido a sua trança única, feita por Luna. Sua aljava de couro de javali guardava quatro ou cinco flechas de metal.

Ali, parado por alguns instantes, Garion sentiu o vento, o cheiro, escutou alguns bichos rastejarem para longe. E sentiu um aperto no peito. Ouviu galhos secos quebrando, abriu os olhos e puxou uma flecha. Um alce imponente com grandes chifres curvados, saboreava uma fruta no chão, distraído. O sol estava terminando de nascer. Observou e puxou a corda do arco grande de madeira e fez uma prece, como seu irmão o ensinou, agradeceu a grande mãe pela caça e respirou fundo. Um assovio cortou o silencio e ouviu-se os grunhidos do alce, que correu e caiu alguns metros mais tarde. Havia amanhecido, os pássaros que voaram assustados anunciavam o alvorecer de um novo dia.

Após limpar a carcaça do alce e fazer um bolsão de couro para arrastar o pesado corpo do animal, Garion sentou-se em um tronco caído e buscou uma fruta do chão. Saboreando a doce fruta amarelada, se pegou pensando em um dia se casar e ter filhos, queria ensina-los a caçar e a pescar, subir em arvores e explorar as ruinas da floresta. Achava que isso nunca iria acontecer.

Após algumas horas caminhando de volta para a aldeia, já cansado de arrastar a caça, o rapaz parou na beira do riacho para se refrescar. A aldeia ficava riacho acima, duvidou se iria conseguir carregar o alce abatido. Decidiu seguir pela beira do riacho até a aldeia, já era tarde, perdeu tempo demais pensando em fantasias. Viu algo boiando rio abaixo.

- Ei? – Era uma pessoa boiando. Soltou o alce e olhou melhor. A água estava vermelha e o corpo não se movia. Adentrou o riacho e puxou o corpo para a margem, virou-o e sentiu um aperto no peito, era Selvin o cozinheiro da aldeia. Olhou em direção a aldeia e viu fumaça. Não conseguia se mover por um instante. Tomou coragem e pulou para fora do riacho e saiu em disparada para a aldeia. Cada segundo que passava só aumentava seu medo. Pensou em Galohad, Luna que esperava um bebê, Jim o mensageiro, senhora Lurdes que o ajudava a limpar a caça... Cada vez mais perto da aldeia, mais fumaça negra aparecia, os cercados de madeira da entrada sul que Garion havia construído com o senhor Melvin, estavam destruídos e pegando fogo. Pensou em apagar para não se espalhar para a floresta, mas apenas continuou correndo. Algumas cabanas pegavam fogo, outras estavam destruídas. Pensou ter visto corpos dilacerados mas passou rápido demais.

No centro da aldeia, alguns aldeões choravam machucados e algumas crianças estavam mortas. Alguns homens ainda pegavam fogo no chão da aldeia. As mulheres estavam em pânico, não sabiam se apagavam o fogo ou se choravam a morte dos maridos e filhos. Garion, parado no meio da aldeia, olhando ao redor e vendo o caos e destruição. "Quem fez isso... por que? " Pensou.

-Garion?! – Ouviu alguém gritar seu nome ao longe. Sua atenção era da senhora Lyn que segurava o filho com a garganta cortada nos braços. Sentiu uma raiva incontrolável e pegou seu arco e correu.

Na entrada leste, que também estava destruída, correu avidamente olhando algumas pegadas estranhas de três dedos ou eram três unhas, Garion não sabia. Adentrou a floresta fulminante de ódio, e correu mais ainda quando viu um grupo de criaturas correndo mais à frente. Correu, pulou troncos, cortou alguns cipós e subiu em um salto em uma arvore. Habilmente sacou o arco e em seguida uma flecha de sua aljava e mirou. Viu pequenos homens lagartos avermelhados vestidos com trapos. Corriam em seis, e mais à frente um ogro de mais ou menos três metros de altura carregando alguém nos ombros, Garion não conseguiu ver. Disparou e puxou outra flecha enquanto a primeira cravava nas costas de um dos pequenos lagartos. O ogro grunhiu algo em um tom ameaçador e três das criaturas reptilianas se dispersaram voltando. Garion mirou no ogro, respirou fundo e sentiu algo vindo em sua direção. Um raio vermelho explode o galho que Garion se apoia e a flecha voa para a copa das árvores. Zonzo no chão, o rapaz enraivecido puxou outra flecha e tentou mirar, mas sua vista estava turva. Um dos homenzinhos lagartos chega rastejando por entre o mato e derruba o jovem arqueiro em uma rasteira com o longo rabo reptiliano. De perto, Garion viu que não eram simples répteis, eram kobolds da montanha. Descendentes dos dragões, os kobolds eram criaturas pequenas e possuíam talento inato para magia arcana e possuíam duras escamas. Outro kobold tentou atacar pelas costas, mas Garion defendeu-se com o arco e passou uma rasteira no mesmo, que caiu sobre o rabo e silvou de dor. O soco no focinho da criatura doeu mais no jovem arqueiro do que na criatura. Garion estava esperto, havia uma terceira criatura traiçoeira por aqui. Esquivou das unhas do primeiro, e puxou uma flecha, era a última. Guardou. Jogou o arco no chão e rolando para trás do kobold em pé, sacou sua adaga e estocou o infeliz nas costas, o levou até o caído e jogou um contra o outro, rolou para trás pegando o arco do chão e levantando com um giro rápido atirou a última flecha. Os dois corpos caíram pesados no chão com a flecha encravada em ambas as cabeças. Garion respirou aliviado, e por um segundo se esqueceu do terceiro kobold, que de cima de uma árvore faz alguns gestos com as mãos e aponta o dedo indicador na direção do jovem arqueiro. Percebeu tarde demais. Quando olhou, um raio grosso e vermelho sai farto do dedo da criatura, Garion leva os braços até a altura da cabeça e faz uma prece.

Sentiu um vapor quente vindo de baixo e tirou os braços. Uma barreira transparente recebia a magia, que explodiu em fogo no escudo invisível. "Luna", pensou.

-Você está bem Garion? – Disse Luna, preocupada. Ela estava alguns metros atrás de Garion em uma pose de ataque. Vestia sua túnica purpura com detalhes em dourado, sujos de sangue. Sua barriga era sinuosa, e já mostrava sinais de gravidez. Seu cabelo negro estava sujo e sua pele branca manchada de sangue. E não era dela.

-Afaste-se Garion, essa criatura é perigosa. – Luna tomou a frente e assumiu posição de ataque. O kobold deu um riso maligno e começou a fazer alguns gestos. Luna era mais rápida e com passadas rápidas para frente e apenas alguns gestos, os cipós se enrolaram no homenzinho lagarto.

– Agora, Garion, sua chance, não vou conseguir segura-lo por muito tempo...- disse Luna com uma expressão de força. Garion voltou a si e arrancou a flecha da cabeça dos dois kobolds mortos e mirou. Num instante a flecha atravessou o crânio da criatura e cravou na árvore. Luna respirou e soltou os cipós do corpo morto. Garion procurou o ogro e os outros kobolds, mas já era tarde. Haviam escapado.

-Quem aquele ogro carregava Luna? – Perguntou Garion.

Luna olhou para baixo e colocou as mãos em sua barriga.

- ...Galohad... eles levaram seu irmão!

O ultimo deus - Parte umWhere stories live. Discover now