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Agora olhe. Olhe bem.

Aí está ela: a garotinha dos olhos verdes e do cabelo pretinho que acabou de engatinhar para fora da Toca do Coelho. Sophia no País dos Espelhos.

Ela fica de pé e olha para os lados, e incontáveis Sophias a encaram de volta. Centenas de pares de olhos felinos, verdes e brilhantes; centenas de faces pálidas, perplexas e sujas de poeira. Os espelhos refletem seu corpo em uma procissão infinita de silhuetas, algumas magras e esticadas, outras gordas e chapadas, altas, baixas e afinadas. É estranho e um tanto aterrorizante para Sophia, que passou a vida inteira fugindo de si mesma, estar em um lugar onde não há nada para se ver além de seu próprio rosto.

Nossa, quantas bonecas.

- Pois é – e, quando Sophia fala, as bocas das Sophias nos espelhos também abrem e fecham. – É um pouco desconcertante.

O corredor em que ela está é escuro – as lâmpadas que, em um dia normal, piscariam psicodélicas em explosões rosa, azuis e verdes, se encontram apagadas – e segue tanto para a esquerda quanto para a direita. Sophia hesita por um segundo, indecisa, embora haja um vozinha dentro dela cutucando seu cérebro e dizendo-lhe para ir para a esquerda. Ela pensa mais um pouco e decide dar ouvidos à voz – era seu instinto falando, e Chapman a ensinara a nunca ignorá-lo.

Empunhou a pistola com o máximo de firmeza que conseguiu e colocou-se em movimento. No silêncio absoluto, seus passos ecoavam e ecoavam, voltando a ela multiplicados por cem. Parecia que os pés de seus reflexos também produziam barulho – como se os espelhos que a cercavam refletissem sons e não apenas imagens. Sophia seguiu com a boca apertada até que os lábios quase desaparecessem, e chegou à outra bifurcação no labirinto. De novo, precisou escolher entre esquerda e direita.

Novamente, seu instinto disse-lhe para pegar a esquerda, e foi o que ela fez. As Sophias à sua volta a acompanharam em perfeita sincronia. Dependendo do espelho em questão, seus reflexos ora ficavam tão inchados que lembravam um balão inflado e prestes a explodir, ora tão finos que parecia que a garota se espremia por um funil. Seria engraçado – Sophia pensou na maneira como ela e Pietra tinham quase morrido de rir enquanto faziam caretas e mostravam a língua para um espelho que deixava suas orelhas do tamanho das de um mamute – não fosse a certeza de que, no final daquele labirinto, um monstro de olhos amarelos esperava por ela.

- Joanna? – ela chamou, o mais baixo possível. Nenhuma resposta além de sua própria voz ecoando. – Joanna, querida?

Nada. Sophia continuou a avançar, sem saber se seguia na direção correta, rezando para que Chapman estivesse certo acerca de todo aquele papo sobre o instinto ter sempre razão. Pensava em como seria ficar perdida naquele labirinto de espelhos quando escutou passos atrás de si. Primeiro, tomou-os como ecos de seus próprios passos. Então notou como eles soavam diferentes – mais pesados e robustos – e virou-se com a pistola apontada.

Mirava a si mesma e baixou a pistola. O reflexo à sua frente, uma versão dela mais magra que o comum e de cabeça inflada, fez o mesmo.

Mas os passos não haviam sido sua imaginação.

- Eu sei que você está aqui – disse Sophia. – E eu sei quem você é.

Sophia esperou. Seu coração parecia inchado no peito e o toco direito voltara a latejar por baixo das ataduras. A garota empunhou a pistola e voltou a andar, agora arrastando os pés, não por temer ser escutada – Sophia apostava que o assassino já a havia visto – mas sim porque queria escutar.

A Voz da Escuridão.Where stories live. Discover now