Dolfast

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O céu noturno estava salpicado de estrelas e as crianças haviam se reunido ao redor da fogueira. Meninos e meninas ansiavam por ouvir uma história antes que seus pais e mães os chamassem de volta. Quando Bellena se juntou a eles, os olhos infantis se iluminaram ante à possibilidade de finalmente poderem ouvir um relato fantástico sobre o passado de Ertha.

- Conte uma história para a gente, Bellena. Por favor! - pediu uma menina de cabelos muito escuros.

- Por favor! - as outras pediram em coro.

- Muito bem... Se é a vontade de todos, eu contarei. Sobre o que querem ouvir?

- Eu quero uma história sobre princesas! - disse uma pequena ruiva.

- Não! Eu quero uma história sobre monstros! - um garotinho de olhos azuis rebateu.

- Ora essa... Não briguem entre si, me entenderam? Se continuarem discutindo, eu não contarei história alguma.

- Nos desculpe, Bellena! Não foi por querer... Por favor, conte a história...

- Assim está melhor... Eu lhes contarei a história de Aziz, o primeiro navegante a desbravar a imensidão do mar de Dolfast.

- Ele realmente existiu, Bellena? - a menina ruiva indagou.

- Eu não o conheci, mas meu pai sim! E foi ele quem me contou sobre Aziz, quando eu ainda era uma criança como vocês... - Bellena sorriu ao ver que era o centro das atenções.

Ela estava dizendo a verdade. Há muito tempo, Bellena não era tão crescida quanto seus pequenos ouvintes. Ela era uma garota desesperada por conhecer a misteriosa nova terra onde vivia. Durante o dia, ela iria explorar a floresta e caminharia na areia da costa, onde as ondas lhe alcançavam os pés. À noite, ela sonharia com asas para voar e ver o imenso céu azul. E foi naquela época que seu velho pai contou a ela sobre as desventuras de um fascinante homem de nome Aziz.

Antes do exílio dos homens, Aziz era um capitão. Mas não um capitão de exércitos e tropas, e sim um capitão do mar. Navegando em seu barco, ele iria a qualquer lugar. De norte a sul, de oeste a leste. Sua tripulação seguia cada comando dele. E as pessoas o reconheciam por onde quer que fosse. Nenhum homem ou mulher, nem velho ou criança podia negar que Aziz fora o mais famoso marinheiro do mundo antigo.

No entanto, quando veio a tormenta e os homens fugiram para os ermos, Aziz perdeu sua fama. Pois não havia mar no deserto. Tampouco, um rio. Havia apenas areia e morte no deserto. Um por um, os membros de sua tripulação começaram a perecer. Até que ele foi o único que restou, determinado a velejar de novo algum dia. Aziz poderia ter perdido o mar, mas ele ainda mantinha sua esperança de voltar a ver as ondas azuis e as nuvens no céu.

Ele resistiu aos longos anos de peregrinação, até que os poucos restantes cruzaram as fronteiras do mundo antigo para chegar a Ertha. Àquela altura, seu corpo estava enfraquecido pela fome e pelo castigo pesado do sol. Suas roupas estavam rasgadas, sua pele fora queimada, e sua mente estava anuviada.O Aziz de outrora não passava de uma lembrança, condenada a ser esquecida.

- Nós não queremos uma história triste, Bellena! - as crianças choravam.

- Conte-nos uma com final feliz!

- Mas quem disse que a história de Aziz não tem um final feliz? - ela respondeu.

O marinheiro tinha visto muito e tinha sofrido muito. Mas a sua história ainda não havia terminado. A terra de Ertha reservara algo especial para ele. Algo que seu coração ansiava desde a queda do mundo a oeste. A verdade era que os homens sempre haviam caminhado na direção do nascer do sol, e Aziz sabia que algo mais aguardava junto aos primeiros raios solares da manhã. No extremo do mundo era onde o mar começa e onde a vida de todos os marinheiros deveria acabar.

E o mar de Ertha era tão grande quanto ele sempre sonhara. Azul, vasto e inominável. As ondas que quebravam infinitamente na costa o fizeram se lembrar de sua terra natal, um pequeno vilarejo à beira de uma praia de areia escuras. Os habitantes dali haviam batizado aquele lugar de Dolfast, o ponto onde o oceano tocava a terra. E, apesar de sua terra natal há muito ter sido destruída, e embora as areias de Ertha fossem claras como ouro, Aziz se sentiu em casa.

Seus olhos verteram lágrimas como não acontecia há muito tempo. Como um amigo que abraça outro, ele abraçou o mar de Dolfast, o mar dos seus sonhos. As ondas o levaram para longe, muito longe. Nenhuma alma viva tornou a vê-lo ou a ouvir falar dele. Aziz pertencia ao mar, e o mar o havia chamado.

- Ele seria lembrado não como um sobrevivente, mas como um herói. E sempre que os homens estivessem em perigo no mar, eles poderiam chamar por Aziz. As atribulações iriam passar, e os homens voltariam com segurança até a praia... - Bellena encerrou seu relato.

- Então é por isso que chamamos nosso mar de mar de Dolfast! - exclamou um garotinho.

- Quando eu crescer, quero ser um marinheiro como o Aziz! Será que eu posso, Bellena? - outro perguntou.

- Mas é claro que você pode... Se há algo a ser aprendido com Aziz, é que podemos ser aquilo que quisermos, desde que nunca nos deixemos ser derrotados. - ela explicou.

Com os corações cheios de alegria e encantados com a história de Bellena, as crianças deixaram a fogueira e voltaram para suas casas, ansiosas para contar a seus pais sobre suas aventuras e sobre a história do bravo Aziz. Bellena ainda permaneceu perto do fogo, com o olhar atento e a mente silenciosa, que desejava um dia ser tão valente como fora Aziz de Dolfast.

DolfastWhere stories live. Discover now