Bem-vindas ao século XX - I

26 7 0
                                    

No momento em que o último corpo caiu aos meus pés, o frenesi acabou.

Congelei quando senti o cheiro de sangue espalhado por todos os lugares da casa onde me encontrava. Cinco corpos estavam em volta da mesa: duas garotinhas, duas criadas e o pai, acima de todos. O último corpo, aos meus pés, era o da mãe. Todos mortos, com os olhos opacos que pareciam absorver toda luz.

Saí pela porta da frente, cambaleando. Um silêncio mortal recaía sobre toda Cianne. O cheiro de sangue estava em todos os lugares, inclusive em mim, me distraindo, mexendo com todos os meus sentidos, fervendo minha cabeça, deixando minha língua dormente. Gritei tentando me focar para me lembrar do que eu tinha feito, mas cada respiração trazia o cheiro de sangue que me distraía.

Com outro grito comecei a arrancar minhas roupas e quando vi que o sangue estava preso na minha pele comecei a arranhar meu braço.

- Sangue maldito! – Gritei ainda mais alto, arranhando meus braços.

Em lágrimas, me sentei e encostei a cabeça no chão. Permiti que o cheiro de terra invadisse meu nariz, mas mesmo ela estava impregnada de sangue.

Aos poucos, lembrei de tudo. Meu velório. A procissão. Os gritos quando me levantei. As primeiras gotas de sangue que desencadearam todo resto da noite. Lentamente me dei conta de que tinha matado todas aquelas pessoas.

Cada habitante de Cianne.

As lágrimas caiam pelo meu rosto, pingando na terra seca e criando lama. Em alguns minutos começou a chover, como se eu tivesse invocado a tormenta.

Comecei a me lembrar de antes, antes dos assassinatos, antes da procissão. Lembrei de outras noites chuvosas. De conversas antigas. De visitas de amigos, uma amiga em especial. Me lembrei da febre, da dor, do incomodo intenso, de permanecer constantemente no limbo entre consciência e inconsciência. Um buraco então, como uma memória tirada de mim. E então tudo outra vez.

Eu havia morrido.

Mas também conquistara minha vingança.

Aquilo era o inferno?

Um som abrupto me colocou de pé. Pequenos passos vinham em minha direção, despreocupados. Não consegui ver quem era até ela parar em minha frente.

Olhos verdes e brilhantes se fixaram nos meus. Mesmo antes que abrisse a boca eu a reconheci, reconheceria em qualquer lugar.

- Não se preocupe, Kaylee. Vai ficar tudo bem.

Kat.

As Crônicas de Kat - A História CompletaWhere stories live. Discover now