Capítulo XI (Parte II) - Quinta

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Todos haviam tomado seus lugares na enorme mesa, esperando as ordens para se servirem com o prato de entrada. Minha mãe, que está à ponta direita, se levanta, todos os olhares se viraram em sua direção quando ela diz: 

— Boa noite, quero agradecer a presença e o apoio de todos nesta causa em benefício a estas pobres crianças carentes. — Ela aponta para a mesa das crianças e me contenho para não revirar os olhos. — Antes de iniciarmos o jantar, gostaria de convidar minha querida filha para dar as graças.

Automaticamente todos os olhares estão sobre mim e uma onda de desespero começa a subir pelo corpo.  Puta que pariu, eu não tinha pensado direito nessa parte. 

Sinto o toque quente e acolhedor sobre a mão em meu colo e não demoro a constatar que é Finn tentando me acalmar. Permito seus dedos se entrelaçarem aos meus e levo meu olhar ao seu rosto, em busca de alguma segurança para a loucura que eu estou prestes a cometer. O garoto sorri e algo no intenso tom de seus olhos me faz ter certeza de que independente do que eu disser ou fizer, ele estará ali ao meu lado. Sorrio de volta, respiro fundo e balanço a cabeça, levantando-me da mesa em seguida. Percorro o olhar rapidamente por todos à mesa até parar sobre a figura esguia da mulher que — infelizmente — me trouxe ao mundo.  

— Bem, eu gostaria de começar dizendo o quanto eu sou grata a você, mãe, por promover esse magnífico evento, me agredir e ameaçar de diversas formas a comparecer nesta merda — digo, vendo os olhos da mulher se arregalar. — Sou grata também por essa festa ser anual e eu só precisar ser obrigada a presenciar toda essa palhaçada de causa beneficente uma vez por ano, todavia, o fato pelo qual tenho maior gratidão é a certeza de que eu nunca serei como nenhum de vocês que estão sentados a essa mesa. — Sorrio para o restante das pessoas, que olham indignadas. — Não me levem a mal, não estou querendo dizer que sou superior ou algo do tipo, nesse caso eu me igualaria a vocês, apenas não nasci para essa vida. E eu tentei, juro que tentei. Por duas semanas, pedi para que Finn me ensinasse todas as regras possíveis de etiqueta, para que assim eu pudesse agir exatamente como uma pessoa da alta sociedade, porém, quanto mais eu tentava, mais eu percebia que esse não é o meu lugar. — Suspiro. — Eu não quero estar sentada aqui, tomando champanhe, sorrindo e fingindo que esse jantar é de alguma forma caridade. Não quero falar sobre como Noah está construindo sua carreira promissora de Medicina em Harvard, ou como Oliver vai se casar com uma garota podre de rica que conheceu há um mês, eu quero me sentar nessa mesa e discutir sobre o que podemos fazer que realmente traga benefício para essas crianças. Vocês acham que isso aqui é ser beneficente? — abro os braços, apontando para a mesa, e rio ironicamente. — Benefício para quem? Para os seus egos? Para as imagens sorridentes que aparecerão nos jornais amanhã, dizendo que são pessoas ricas que pensam nos pobres? Já tentaram pelo menos uma vez conversar com alguma dessas crianças e perguntar o que elas realmente precisam ao invés de tratarem elas como talões de cheque e darem apenas um prato de comida chique e um brinquedo, como se fossem bichinhos de estimação? — encaro cada rosto ao meu redor e, como eu esperava, não obtive respostas, apenas expressões atônitas. — Bem, eu já, e posso afirmar com toda certeza que dentre essas crianças que vocês julgam como miseráveis e dignas de pena, existem pessoas maravilhosas com mentes brilhantes e muito potencial para serem futuros cientistas, chefes de cozinha, esportistas ou até mesmo, quem sabe, o próximo presidente dos Estados Unidos. — Ergo os ombros. —, mas sabem o que essas crianças realmente precisam? Oportunidades! Pessoas que acreditem e invistam nelas, que lhes dê uma família, um lar, esperança, amor e carinho. Elas não são só crianças pobres e sem família, são o futuro do nosso país, o futuro da humanidade, e nós somos responsáveis por fazer delas pessoas boas que irão transformar o mundo. Já pensaram em adoção ou se acham superiores demais para ter uma criança não biológica de origem humilde dentro de suas casas? Essa é uma questão que todos nós, como sociedade, deveríamos pensar melhor sobre, porque ser beneficente é muito mais do que riscar números em um cheque e oferecer um prato de comida. 

The F Word (Concluída)Where stories live. Discover now