Prólogo

45 6 8
                                    


"Quando homens britânicos quebram janelas, isso é tratado como uma expressão honesta de opinião política. Quando mulheres britânicas quebram janelas, é tratado como crime."

Emmeline Pankhurst

* * *

                                                             QUINTA-FEIRA, 28 DE AGOSTO DE 1898

Oops! This image does not follow our content guidelines. To continue publishing, please remove it or upload a different image.

                                                             QUINTA-FEIRA, 28 DE AGOSTO DE 1898

EXPLOSÃO EM WORTHING APAVORA MORADORES

Às 17h45 da tarde de 27 de Agosto, a explosão de uma casa próxima ao Beach House Park chocou os moradores do distrito de Worthing, West Sussex. O imóvel, pertencente ao banqueiro Ernest Lloyd, proprietário do Lloyd Bank Of London, veio abaixo poucos minutos depois. Acredita-se que Sr. Lloyd, sua esposa e filha estavam em casa no momento da explosão. As equipes de resgate locais ainda fazem buscas nos escombros.

Uma criada e a governanta da família também estavam no terreno, mas não foram atingidas. Contudo, seu estado de choque as impediu de dar qualquer declaração compreensível à polícia. Ambas foram atendidas e liberadas pelos médicos ainda ontem, e devem prestar depoimento nos próximos dias. Os demais serventes da casa haviam sido enviados às compras pouco antes do acontecido.

Ainda não se tem informações sobre o que causou a explosão.

* * *

Londres, 1904

A capital da Inglaterra era um misto de sol e nuvens naquela manhã. O dia havia amanhecido com garoa, mas ela cedera à luz solar algumas horas mais cedo, embora a luz permanecesse tímida, típica do outono londrino.

Saindo da movimentada estação King's Cross, a jovem Manuela Dawson carregou com cuidado o pacote embrulhado em papel de cor marrom que trazia consigo de Manchester. Pelas ruas do centro, as folhas de exemplares de jornais balançavam de forma despretensiosa nas bancas, como se convidassem os diversos cidadãos que por ali passavam a saborear as novas edições recém-saídas das prensas.

Manuela se lembrava da primeira vez que havia visto um jornal nas mãos de seu pai, um entregador em uma lavanderia de Londres. Ainda sem saber todo o alfabeto, ela se pusera a imaginar o que a junção daqueles símbolos queria dizer para deixar seu pai tão interessado neles. Estava tentando formar uma palavra quando o pai entregou o jornal a sua mãe. Ela também trabalhava na lavanderia, mas cuidava das roupas. E, para a surpresa da filha, usou o jornal para terminar de limpar a sujeira do fogão da casa humilde.

O contado com os produtos químicos e um acidente com um carro desgovernado já haviam levado os dois, porém, aquela memória permanecia clara na mente de Manuela. Talvez fosse ela que a houvesse deixado sempre curiosa quanto aos jornais, ao ponto de, pouco depois de aprender a ler, tomar a decisão de, um dia, se tornar uma jornalista.

Decisão inocente, pensou, sorrindo com o canto direito dos lábios. Prestes a completar vinte anos, ainda se lembrava do quanto havia sido difícil no começo. Não era como se fosse considerada competente para exercer tal função – ou pudesse algum dia se tornar –, mas ela se recusara a abrir mão da esperança. E mesmo entre os percalços do caminho, uma fita violeta, branca e verde jogada pela calçada, que talvez houvesse passado despercebida pela polícia desde a última manifestação, lhe lembrava que a causa não estava, nem de longe, perdida.

O sobrado da União Social e Política das Mulheres era de um tom castanho e ficava em uma esquina. Naquela manhã, a cor de uma parte da parede parecia mais escura, por causa da água e sabão despejados por uma mulher de cabelos quase grisalhos, em tentativa de apagar as letras pintadas com tinta que formavam as palavras "PANK SUJA".

—Bom dia, Manuela! – cumprimentou a senhora. Manuela retribuiu e se encaminhou para a porta de entrada, que lhe foi aberta pela secretária.

Sons de prensas e folhas dobrando invadiram os ouvidos da jovem por um momento, enquanto ela se lembrava do quanto havia sentido falta daquele lugar. Sua viagem para Manchester durara duas semanas inteiras, lhe fazendo ansiar pelas conversas do jornal. Bem, mas o pacote que carregava talvez gerasse algum assunto duradouro, do contrário, Josephine não teria lhe pedido para buscá-lo tão longe...

—Como foi sua viagem? – a secretária perguntou.

—Boa, obrigada. – disse Manuela – Demorou um pouco, mas consegui o pacote de Josephine.

A secretária assentiu em confirmação.

—Ela está à sua espera.

Cumprimentando com um sorriso, Manuela subiu uma escada próxima à entrada, o som de seus sapatos contra a madeira se tornando audível conforme o ambiente ficava mais silencioso, à medida que ela se aproximava da sala estreita onde uma mulher de vestido creme a aguardava sentada a sua mesa.

—Aí está você. – ela disse, e Manuela riu ao se sentar a sua frente – Cheguei a pensar que ficaria em Manchester para sempre.

—E deixar vocês sozinhas? Josephine, você sabe que eu não faria isso. – a jovem brincou, e, por fim, colocou o pacote marrom sobre a mesa.

A descontração no rosto da colega Josephine se apagou por um momento, no qual ela olhou de forma fixa e cálida para o embrulho, tirando lentamente os barbantes que o mantinham preso.

—Há mais de um ano que espero por isso... – confessou, de uma forma um tanto melancólica, mas misturada com alívio, algo que Manuela não pôde entender.

—O que é isso? – ela perguntou – Sra. Mariett não quis me dizer.

—Eu esperava que ela não dissesse. – respondeu Josephine, deixando Manuela confusa. A colega, então, tirou de dentro do papel marrom um velho caderno com capa de couro, que tinha um fecho que poderia ser trancado, mas não estava – Isso é um diário, Manuela. O diário de Delilah Mariett.

—Um diário? – Manuela questionou – O que pode haver de tão importante em um diário de uma governanta?

Josephine suspirou.

—Ele conta uma história. Em nosso jornal, relatamos histórias de mulheres, não é?

—Mas recebemos muitos diários e histórias, e mesmo assim, você me pediu para ir até Manchester atrás dessa. – Manuela insistiu. Josephine balançou a cabeça em concordância.

—Você está certa. – disse – Bem, você lê notícias desde que aprendeu o alfabeto, sei que sim. Vai perceber a importância dessa história.

Por um instante, Manuela não entendeu o que ouviu.

—Vai me deixar ler o diário? – perguntou.

—Leremos juntas. – explicou Josephine – Mas o relato para o jornal será escrito por você.

Manuela arregalou os olhos.

—Por mim? – surpresa, ela precisou pedir a confirmação da colega. Porém, antes mesmo que esta respondesse, um sorriso já se formava no rosto da jovem – Eu escreverei a história da Sra. Mariett?

—Já era tempo de ter sua chance. Tem estado conosco há mais de um ano. – disse Josephine. Manuela sorriu ainda mais – Mas, bem, a história que você escreverá não é exatamente da Sra. Mariett. Vamos, comece a ler.

Manuela pegou o diário de cima da mesa e acomodou-o em suas mãos abrindo na primeira página, curiosa quanto ao que Josephine havia acabado de dizer.

Ano: 1987. – ela leu – Distrito: Worthing, condado de West Sussex. Patroa: Gwendoline Lloyd.

GwendolineWhere stories live. Discover now