Não, Eleonor, eu não aceito

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Formar-se em medicina veterinária era de longe a maior ambição de Danilo Andrada.

Ele era simplório por natureza, gostava da vida simples e durante muito tempo se imaginou trabalhando com o pai - e seguindo os passos dele - assim que se formasse, queria apenas uma vida tranquila regada a trabalho, cavalos e séries, não tinha a menor pretensão de deixar Aliança ou mesmo a casa da família antes dos trinta, mas a vida era uma brevidade bastante finita e sinuosa, cheias de imprevistos, assim em um instante ele se viu de filho mais velho a homem responsável, tudo porque os pais foram azarados o bastante para sofrerem um acidente de avião na volta da comemoração das bodas de prata.

De um momento para outro ele deixou de ser o nerd esquecido para ser o irmão mais velho responsável, pois seria ele e Lila dali para frente, tinha os avós no interior do Paraná e os tios na Alemanha, mas sendo muito sincero, família para ele sempre foram os pais e a irmã. E inesperadamente passou a ser apenas Lila, que passou a ter um comportamento bastante irritante e imaturo após o falecimento dos pais, ele tentou não se fechar no seu casulo, mas se fechar era especialidade do loiro e Dalila parecia muito mais interessada em fingir que tudo continuava igual do que conversar com o irmão melancólico. Contudo, os pais como as boas pessoas e cidadãos exemplares que sempre foram, aceitaram receber de muito bom grado Eleonor Mary Cross, a filha de um primo da irmã de uma tia que não era tia, e queria fazer um intercâmbio para a cidade natal dos avós brasileiros radicados na Inglaterra há quarenta anos, e, que bom que receberam, pois Leo, com seu gosto peculiar para música e dietas levemente insanas, foi a única coisa que evitou que sua mente sempre prática pifasse nos dias que se seguiram ao enterro.

Ela também foi quem deixou Lila mais ou menos nos eixos.

Leo foi o norte dos seus dias, o que ele não esperava era que ela fosse ser o norte da sua vida, afinal, era de Eleonor que estava falando, admitia que havia se sentindo atraído por ela desde o primeiro momento, mas era Leo e ele sabia que era uma coisa idiota que logo passaria... Contudo, não passou, apenas o forçou a se fingir de cego, surdo e mudo nos meses cinzas e todos os outros até o dia que ela finalmente se libertou da bolha de perfeição que havia criado para si na noite mais inacreditável de todas, a da sua formatura do ensino médio e o beijou logo em seguida.

Diferente do que Lila gostava de falar eles não engataram em um relacionamento imediato, Leo estava machucada por causa do ex babaca que não merecia nem mesmo respirar o mesmo ar que ela e precisava de tempo para se curar, mas isso não queria dizer que não houve beijos furtivos e encontros secretos no quarto dele ou no apartamento dela quando ela mudou-se para São Paulo para cursar Moda em uma universidade importante e conceituada... Eles só começaram a namorar de verdade em junho, bem no dia dos namorados, quando ela o colocou contra a parede ao perguntar o que eles eram, porque obviamente não eram apenas amigos que transavam ocasionalmente, já que vinham se vendo há dois meses em praticamente todos os fins de semana. Eles eram alguma coisa.

Tudo o que ele pode fazer foi dizer que eram namorados.

Ela abriu um enorme sorriso e comemorou trancando-se no quarto com ele durante todo o fim de semana, o que claro, Danilo não reclamou nenhum pouco. E três anos depois ali estava ele com uma nova ambição na vida, pôr uma aliança dourada no dedo anelar esquerdo de Leo. Planejou cada mínimo detalhe do pedido e teria sido tudo perfeito se ele não tivesse sido estúpido o bastante para ser atropelado em plena avenida Paulista, como conseguiu tamanha façanha essa nem Dumbledore conseguiria explicar, muito menos Danilo quando a namorada chegou no hospital.

-- Eu quase infartei quando me avisaram que meu namorado estava a caminho do hospital depois de ser atropelado -- falou o abraçando. O gesso no braço esquerdo o impediu de abraçá-la decentemente. -- Pergunta estúpida, como você está?

-- Terrível, vou precisar dos cuidados zelosos de uma enfermeira bonita -- disse com a voz rouca.

-- Talvez eu conheça uma enfermeira, mas ela só aceita pacientes bonzinhos -- piscou.

-- Sou o melhor paciente do mundo -- rebateu sorrindo. -- Principalmente se o tratamento envolve cafuné e massagem.

-- Esse não parece um tratamento muito adequado, estava pensando em algo como beijos e quem sabe, te auxiliar no banho -- Leo se sentia aliviada por ele estar bem a ponto de fazer brincadeiras sobre.

-- Podemos fazer uma junção de ambos os tratamentos, o que acha? -- foi a vez dele de piscar maliciosamente, ela riu.

-- Só se você me disser sim.

-- Para quê? -- questionou se ajeitando na cama desconfortável.

-- Você tem passado mais tempo aqui comigo do que em Aliança, e não venha me dizer que é porque você finalmente se deu férias do consultório. E depois desse susto percebi que minha vida seria muita cinza se você não a alegrasse com cores e cafés, por tanto, você quer se casar comigo, Dan? -- perguntou apreensiva, afinal, ele sempre poderia dizer não. Danilo sentou-se na cama com o cenho franzido.

-- Não, Eleonor...

-- Não? -- o quarto subitamente pareceu pequeno demais. Leo sentiu o suor se acumular na sua nuca e o encarou sem saber se era ou não uma brincadeira.

-- Você não pode estragar todos os planos que fiz só porque fui atropelado. Nós vamos passar o fim de semana em Serra Negra e já combinei tudo com o Edilson, jantar a luz de velas, pétalas de rosas e Champanhe, tudo o mais clichê possível para garantir um sim. -- Só então Leo entendeu que ele contava a forma como a pediria em casamento. -- Então não, Eleonor, eu não aceito seu pedido xoxo de casamento, meu pedido vai ser bem mais legal -- sorriu. Leo demorou exatamente dez segundos para reagir e pular em cima do namorado-quase-noivo.

-- Eu te amo! -- falou beijando-o entre sorrisos e algumas lágrimas estúpidas.

-- Eu também, Eleonor, eu também -- afirmou a puxando para mais perto com o braço bom e ele teria ficado muito feliz de estar no quarto dela e não naquele quarto de hospital que poucos minutos depois foi invadido por uma loira completamente descabelada e com os olhos vermelhos.

-- Pelo amor de Deus, isso é um hospital, seus pervertidos -- ralhou sentindo o coração desacelerar ao ver o irmão bem.

-- Lila...

-- Você quase me mata do coração pra eu chegar aqui e ver vocês se pegando?! Eu realmente tenho coisas melhores para fazer, tipo treinar.

-- Lila, respira, eu tô bem.

-- Estou vendo...

-- Lila! DAN E EU VAMOS CASAR!! - Praticamente berrou Leo pouco se importando que estavam em um hospital. O mundo precisava saber da sua imensa felicidade, ela iria se casar com o amor da sua vida e aquilo era simplesmente fantástico.

-- Óbvio que isso aconteceria mais cedo ou mais tarde, mas ter apressado significa que vou ser tia? -- perguntou com um enorme sorriso.

-- Nós não estamos apressando o casamento, eu ainda nem disse sim...

-- Como assim você ainda não disse sim?

-- Seu irmão acabou de me dizer não, acho justo enrolar um pouco pra dizer sim quando ele fizer um pedido clichê no fim de semana -- informou a morena absolutamente sorridente.

-- Vocês são loucos -- ressaltou a patinadora. -- Vou pegar um café para mim e dar cinco minutos de privacidade para vocês, isso não significa uma rapidinha, apenas se arrumem.

-- Dalila! -- repreendeu Danilo, mas a irmã já tinha deixado o quarto. -- Juro que às vezes tenho vontade de enforcar ela.

-- Eu sei como é essa vontade, mas acho que me beijar é algo muito melhor que você pode fazer -- sorriu Leo o olhando inocentemente.

-- Concordo -- afirmou em um sussurro já colando seus lábios.

Danilo Andrada tinha uma nova ambição na vida, fazer Eleonor o mais feliz possível, e iria concretizar com êxito, ou pelo menos tentaria em todos os dias dali para frente.

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