CAPÍTULO DOIS

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Algo se mexeu lá fora. A pequena criatura que dormia sobre uma folha macia abriu os olhos preguiçosamente. Pedira várias vezes que Jubinha não fizesse barulho durante a manhã, mas era o mesmo que nada. O garoto, sem dúvidas, era um dos mais bagunceiros que Aurora conhecia.

A pequena criatura se sentou enquanto se espreguiçava. Uma vez acordada não conseguiria mais dormir, isso era fato. O interior de sua casa não era diferente de todas as outras da pequena aldeia. Seu tom alaranjado incomodava às vezes e, como era de se esperar, o ambiente era úmido. Os móveis estavam perfeitamente organizados. Ao lado da porta ficava uma poltrona feita de palha e forrada com folhas. Seu tamanho era proporcional à calahyna, mas era extremamente pequeno para um ser humano, caberia na palma da mão de um. À esquerda ficava a estreita cozinha. Sobre a pia de barro estavam empilhadas panelas também de barro. E, sobre a estreita mesa de madeira, um jarro de flores exalava um perfume inconfundível. Aurora havia colhido no dia anterior e para isso foi necessário usar um pouco de pó mágico para diminuí-las o suficiente.

A jovem passou as mãos pelo cabelo curtinho sabendo que estava todo bagunçado, mas não ligou. Sem pensar duas vezes empurrou a minúscula porta que tampava o buraco feito no jerimum e saiu.

O dia estava lindo. Se soubesse que veria tamanha beleza teria acordado bem mais cedo e, por um breve momento, agradeceu por Jubinha ser tão traquino. Aurora desceu pelo estreito batente de barro e precisou se abaixar repentinamente quando uma imensa borboleta sobrevoou a aldeia. A calahyna, já acostumada, tentou manter o equilíbrio quando o vento repentino chicoteou seu corpo estreito.

— Pensei que não fosse acordar nunca — ele disse num tom amistoso quando viu a amiga saindo de sua casa.

— Esta noite eu vou te amarrar no caule de uma flor — Aurora respondeu com a testa franzida. — Onde já se viu? Acordar a vizinhança uma hora dessas! Não sabe trabalhar em silêncio?

Jubinha estava com as mãos erguidas acima de sua cabeça. Os dedos finos faziam movimentos aleatórios enquanto ele se concentrava ao máximo. Aos poucos, um halo verde saiu das suas mãos e, com uma ação rápida, ele a dirigiu ao solo. Dali a alguns dias, uma flor nasceria naquele local. Esse era o trabalho do pequeno calahyno.

— Deixe de muído, Aurora! Meu cântico é o mais belo de toda a aldeia, pode ter certeza!

A jovem levou a mão até a boca e tentou abafar a risada que deu. A inteligência e o dom com a natureza eram inatos da espécie. Seu amigo, em especial, tinha a cabeça redonda como uma bola, seus olhos grandes pareciam querer engoli-la, as orelhas — modelo típico dos calahynos — eram grandes e pontudas. Os dentes deles também eram afiados.

— Onde estão os outros? — perguntou, olhando para os lados.

— Trabalhando, minha querida, trabalhando. Inclusive, acho que deveria fazer o mesmo — implicou enquanto fazia um biquinho.

A garota relaxou os ombros impaciente, decidindo seguir o seu trajeto diário.

Eles viviam perto de um riacho e, na beira dele, nasciam os jerimuns, suas casas. Aurora, de pés descalços, começou a caminhar. Apesar de ter asas e amá-las, adorava sentir a terra em seus pés. O cheiro de vida tomava conta de tudo e, mesmo longe, conseguia ouvir o suave cântico dos pássaros.

Seguiu por uma trilha de pedras miúdas, vez ou outra afastando os imensos capins que bloqueavam seu caminho. A única parte ruim de ir a pé era que poderia se perder facilmente no bocado de mato que se estendia por todo o lugar, mas ela fizera aquele trajeto tantas vezes que, de certa forma, tinha se tornado mais fácil. Perto dali, Tito conversava com um de seus besouros. Ele amava criá-los.

Riacho do Jerimum (degustação)Where stories live. Discover now