Das palavras e do universo

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Estende as mãos e pode tocar o universo.

Tudo a seu dispor: incontáveis histórias de passados imaginários e futuros brilhantes, encapsulados em microcosmos de letras, sílabas, palavras.

A ideia a fascina: a menina começa a construir mundos em sua própria mente, ávidos a transbordar em realidade. Castelos de areia de personagens, vidas e falas, mesclando-se umas às outras. São todos destruídos em seguida pelo bater incessante das ondas.

Histórias lá longe no oceano sem serem contadas; ainda assim, são parte do mundo que a circunda, para o deleite da menina que sonha um dia construir aquela história capaz de suportar as ondas. Um castelo que não se dissolva em pequenas partículas na vastidão do mar.

Assim ela cresce, se apaixonando pelo mundo mágico das histórias a serem contadas. Livros têm um cantinho especial dentro de seu coração, algo além do que podemos esperar da realidade. Visitar bibliotecas era para ela como assistir às histórias incríveis que outros construíram; seus castelos que podem ou não resistir às impiedosas ondas do tempo. E, ainda assim, elas aqui continuam: sólidas e reais, seguras em suas mãos.

Se apaixona por clichês e tropeça nos clássicos. Nos livros, ela encontra as emoções que faltam em sua realidade. Na imaginação, se esconde de verdade que reluta em contemplar. Dentre os romances clichês e detetives resolvendo casos de mistério, ela encontra resolução: a finitude. As palavras constroem e destroem. Elas fazem sentido do não-dito, seu ritmo e cadência cantando em um crescendo, até que finalmente cheguem ao clímax.

Ela cresce e as palavras lhe falam de experiências que apenas sonha um dia ter. Sussurram promessas de amor e afeição; soletram a expectativa de um final que faça sentido, um epílogo que garanta que tudo ficará bem. Elas prometem conforto e um destino aparente, o caminho idealizado de uma vida de fantasia. Uma experiência coesa, com um destino: a página final, que amarra todas as pontas soltas no laço perfeito de um final feliz, com uma lição valiosa ao final.

As palavras são traiçoeiras.

Ela ainda continua a crescer junto ao seu amor pelas criações alheias. Admira suas obras tanto; elas a inspiram. Conforme as histórias se desenrolam, ela as torna também dela: inalando as criações de outros, exalando suas próprias versões. Ela pega seus castelos emprestados e cria suas versões reduzidas, mais resistentes que os castelos de areia de outrora. Ela os dobra em pequenos aviões de papel e, pela primeira vez, começa a lançá-los ao mundo, sem saber se receberia algo de volta ou se teriam qualquer impacto.

Moldar histórias existentes em algo novo se tornou sua arte. Ela entendia como observar e aprender e saber. Os personagens eram também uma extensão dela, e parecia que, agora, tinha o poder de manipular seus mundos e transformá-los, deixando-os ainda completamente reconhecíveis. As histórias eram agora parte dela de uma maneira que sua simples leitura não conseguiria alcançar. Ela podia torcê-las e quebrá-las para então criar algo totalmente seu dentro dos moldes da criação de outros.

Essas histórias a constroem tanto quanto ela as constrói. Elas crescem com ela. Às vezes, elas ecoam em meio ao seu vazio.

Até que, um dia, elas pararam. Ouviu as palavras dos outros, enviadas de longe, dizendo que deveria continuar. Pessoas que liam suas histórias e deixam que elas criem morada dentro de si mesmas, assim como as histórias do passado fizeram com ela. Eles a encorajam, eles fazem com que ela sinta que tudo isso tenha ainda significado.

E significar é o que ela faz. Palavras na ponta de seus dedos, espalhando-se em ritmo alucinado, os sons do teclado seus únicos companheiros. Ela jogou imaginação no quadro vazio e ele lhe sorriu, criações irrompendo dos moldes emprestados, com seu toque pessoal. Eles se afastam mais e mais das obras que os inspiram, a cada passo que toma.

Das Palavras e do UniversoWhere stories live. Discover now