A Violinista, a Ladra, e o Carvalho

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O palacete estava infestado de homens e mulheres, correndo de um lado para o outro, fazendo o máximo para obedecer à todas as ordens gritadas do salão principal, pela dona da casa. Teria uma festa naquela noite, um enorme banquete para todos os cidadãos de alta classe da cidade de Porto Austral, e ainda outros que chegariam em barcos de madeira entalhada, com pinturas das mais variadas, coloridas com tintas caras e ouro, representando seus clãs. O jantar era oferecido pelo generoso Al Mahir, dono de todos os portos da região, e, motivo pelo qual celebrava, de uma considerável frota de navios que acabara de ser ampliada, e oferecida aos serviços do Rei.

Em meio a loucura das preparações do evento, com pessoas entrando e saindo a todo momento da impressionante construção de pedra branca, as duas figuras paradas do outro lado da via não recebiam qualquer atenção. Naquela cidade dominada por humanos, ambas escondiam suas orelhas pontudas, na tentativa de se misturar aos cidadãos comuns de Porto Austral.

Dh'òrain, tinha apenas metade do seu sangue élfico, e havia puxado sua boina para baixo, cobrindo o único detalhe de sua fisionomia que denunciava sua raça. De resto, parecia uma mulher comum, sua pele era bastante morena para alguém com sua ascendência, os olhos castanhos de um formato arredondado, e tinha bochechas. Sua aparência tendia mais para humana do que elfa. Estava inquieta, não era nada de seu feitio entrar em uma cidade de forma sorrateira, andando pelos becos e sombras. Tinha dificuldade na tarefa de não chamar atenção para si, e, se dependesse dela, já estaria na praça pouco adiante, tocando seu violino e cantando sobre alguma conquista heroica. Com tanta gente curiosa pela festa, o lugar estava lotada, e Dh'òrain sabia que ganharia uma boa soma em moedas, mesmo com uma apresentação rápida. Mas, naquele dia, tinha prometido agir de acordo com os planos de sua companheira.

E Lórien estava absolutamente confortável nas sombras. A elfa, apesar de não ter muitos amigos entre seus iguais, era de raça pura, o que significava que seus traços poderiam delatá-la mesmo que escondesse as orelhas. Os olhos eram mais alongados do que os de seres humanos, o queixo fino demais, e o tom de pele de um branco acinzentado, de forma que um observador atento a acharia, no mínimo, bastante estranha. Para piorar, seu cabelo era naturalmente azul. Lórien, então, usava capuz para cobrir o rosto, seu cabelo estava preso por uma longa trança e nem um fio ficou a vista. Imóvel, recostava-se na parece de uma casa, parcialmente escondida na sombra criada pela tenda de um comerciante de temperos. A elfa estudava a movimentação do palacete, contando quantas mulheres e homens pareciam estar trabalhando por lá, e quantos permaneceriam durante a festa.

- Eu ainda não acredito que você perdeu o papel. – Lórien disse, baixo o suficiente para que apenas Dh'òrain, que estava ao seu lado, pudesse ouvir.

A violinista revirou os olhos, estava prestes a protestar, mas desistiu. Já havia explicado mais de uma vez que ser atacada por um bando de cinco homens enquanto comia sozinha em uma taverna, levar uma porrada na cabeça do pomo de uma espada gigantesca, ser amarrada em uma pilastra, e receber mais dois golpes até ficar inconsciente não consistia exatamente em perder o papel. Mas Lórien sabia disso tudo, estava apenas sendo implicante. Culpava Dh'òrain por que os homens souberam onde encontrá-la, já que não estava escondida. O que a meia-elfa não sabia dizer era como diabos os humanos descobriram daquele papel.

- Não faz diferença, faz? – Dh'òrain falou, em um tom não tão baixo assim. – A gente veio pelo pingente, a gente pega o papel. Deve estar tudo junto, de qualquer forma.

Lórien suspirou.

- Isso se eles não tiverem tacado no fogo.

Dh'òrain fez uma careta.

- Eu ainda digo que não. Eles não sabem o que está escrito, não exatamente. Vão tentar descobrir do que se trata antes de queimar. Al Mahir é curioso, se ele achar que tem chances de ser algum feitiço que o ajude, não vai jogar fora.

A Violinista, a Ladra e o CarvalhoWhere stories live. Discover now