VINTE

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Já faz quase uma semana que não ouço falar do Eugênio. Minha mãe continua com meu computador trancado no quarto dela e não está indo ao trabalho para me vigiar. Eu disse que ela não precisava se preocupar; não tinha a menor intenção de ir atrás dele. Era mentira, é claro. O que eu mais queria era saber o que tinha acontecido, mas ao mesmo tempo, estava magoada. Porque ele tinha desaparecido? Talvez tivesse me procurado por mensagens, mas eu estava incomunicável. Mesmo assim, ele não tinha vindo mais a minha casa como costumava fazer às vezes. Eu olhava todos os dias a rua pela janela, esperando ver alguém familiar... Não tinha como ele saber que mamãe estava aqui, não é?

Gosto dele, gosto muito! Ainda não tinha esquecido o beijo que ele me deu no show ou dos beijos que compartilhamos na casa do Rafa depois de termos chegado. Só não sabia se ele sentia a mesma coisa que eu, pois me lembrei de que quando estávamos na estrada, Eugênio parecia relutante. Tinha imaginado que toda essa viagem seria maravilhosa, mas o final dela tinha sido como a letra de Blank Space. Um pesadelo vestido de sonho. 

Enquanto terminava outra aquarela, meus ouvidos captaram algo e levantei a cabeça. Alguém estava esmurrando o portão de casa repetidamente. Olhei da janela do meu quarto e enxerguei a rua. 

Era uma viatura da polícia. 

Desci as escadas correndo atrás da minha mãe, que já estava indo até o portão.

- Que diabos está acontecendo? – Ela disse e se calou assim que abriu o portão e avistou o policial na entrada da casa. Sua mão apertou o metal.

- Bom dia. – Ele disse. – É a senhora Gorete Azevedo?

O corpo da minha mãe estava rígido, mas ela assumiu uma expressão de atendente que havia acabado de receber um cliente em sua loja.

- Sim, o que o senhor deseja? - Disse, sorrindo.

- Sou o PM Alves. Nós recebemos uma denúncia há alguns dias, que ao ser confirmada, colocou a senhora sob investigação. Preciso que venha conosco.

Mamãe pareceu desconcertada, mas tentou manter a pose.

- Me desculpe, mas deve ter sigo algum engano. - Ela respondeu. - Tenho certeza de não cometi nenhuma infração! Sei que dirigi o carro de uma colega nos últimos dias, mas garanto que sou ótima motorista, tenho carteira...

- Não é por conta de uma multa de trânsito que estou aqui. - O policial a interrompeu. - Acho que a madame sabe o real motivo.

Senti que havia algo esquisito quando ele falou aquelas palavras, como se tudo tivesse ficado mais pesado. Minha mãe desistiu da expressão despreocupada e mudou, encarando o chão.

- Mamãe? – Olhei para ela assustada do quintal. – O que está acontecendo?

Ela me olhou de volta e tentou voltar para dentro de casa. O policial acenou para outros dois PMs que vinham atrás dele e eles a seguraram pelos braços, impedindo-a.

- Por favor, tente cooperar. – O PM Alves, disse, sem perder a calma. – A senhora está detida por subtração de incapaz e deve comparecer a delegacia imediatamente para prestar depoimento...

Não ouvi o resto. Meu ouvido estava zumbindo e eu estava começando a ficar tonta. Saí para a rua e vi minha mãe falar nervosa, sendo algemada e colocada dentro de uma viatura. Uma moça estava ao lado dos policiais e tentou se aproximar de mim, dizendo ser da assistência social, mas percebi que havia outra viatura sendo estacionada no outro lado da rua. Algumas pessoas começaram a se amontoar na entrada da padaria e outras paravam no meio do caminho, curiosas com a comoção e a sirene ligada. De dentro do carro, saiu um casal e uma pessoa que achei que nunca mais fosse ver.

- EUGÊNIO! – Gritei. Nossos olhos se encontraram e atravessei a rua correndo para ir de encontro à ele. Meu rosto se encheu de lágrimas e quando percebi já estava soluçando nos braços dele. – Você sumiu...

- Não queria deixar você, juro! – Ele disse, com o rosto escondido nos meu pescoço, enquanto me abraçava forte. O coração dele estava batendo acelerado, assim como o meu.  – Aconteceram tantas coisas, estava com tanto medo por você! Mas não estávamos autorizados a entrar em contato até agora. 

Eugênio parecia aliviado e ansioso quando procurou meus olhos e percebi que ele falava a verdade. Mas ainda não estava entendendo porque estava junto com a polícia e estavam levando a minha mãe...

A mulher que tinha saído do carro junto dele se aproximou e entrou no abraço. Ela segurou meu rosto, chorando. 

– É você! Não acredito, minha menina....

Olhei para ela assustada.

Me afastei das mãos dela e olhei para Eugênio em busca de respostas. O homem se aproximou, colocando as mãos no ombro da esposa. A assistente social vinha em nossa direção também. Estavam acontecendo muitas coisas ao mesmo tempo, todas aquelas pessoas tentavam chamar a minha atenção e eu queria sair dali, mesmo que estivessem falando calmamente.

- Sei que está tudo confuso, mas vou te contar tudo, prometo. – Eugênio disse, afastando cabelo grudado no rosto por conta das lágrimas. O som da voz dele fez com que eu fechasse meus olhos e respirasse devagar, tentando me acalmar.

Tinha sentido tanto a falta dele!

O casal parecia preocupado e ansioso. A mulher ainda estava chorando, enquanto o homem a abraçava e me olhava com expectativa.

- O que vai ouvir agora vai ser um choque, mas não vou sair do seu lado para o que precisar, está bem? – Eugênio falou, segurando a minha mão e plantando um beijo nela.

- Tudo bem. – Eu disse. De todas as pessoas que estavam ali naquele momento, era nele em quem eu mais confiava.

Eugênio suspirou e me virou em direção ao casal que nos observava.

- Marisol, esses dois... São seus pais biológicos.

EnroscaWhere stories live. Discover now