01 • Highway To Hell

251 10 0
                                    

"Sem sinais de pare ou limites de velocidade
Ninguém vai me fazer ir mais devagar
Como uma roda, vou girar
Ninguém vai se meter comigo"

(AC/DC)

Dortmund? — Lib quase gritou com o chefe. — São quase 300 quilômetros daqui! Você tá brincando que eu tenho que me mudar para o outro lado da Alemanha, não é? O que acontece com minha vida aqui?

— Libanesca... — Thomás respirou fundo, olhando para a ruiva, que estava se fingindo de apavorada na sua frente. — Deixa de exagero! Além do mais, refresque minha memória... Você tem marido?

— Não.

Filhos?

— Também não.

E gatos?

— Claro que não! Salazar e o gato iriam se matar em menos de uma semana.

— Ótimo, nada que te prenda aqui. — Thomás sorriu cínico e estalou o pescoço. Por mais teimosos que ambos fossem, ele ainda nutria certa preocupação pela situação que a mais nova estava enfiada. — Lib, você é a nossa melhor profissional. É esforçada e, sim, tem seus privilégios e regalias, mas tudo isso porque é uma das melhores biólogas que já conheci. Santo foi o dia que você entrou por aquela sala errada... — O homem suspirou, passando as mãos nos cabelos espessos. — Não podemos mais manter o serpentário aqui. Um polo é em Dortmund, o outro em Berlim. Os dois tem mais reconhecimento e estrutura, e Eva tem planos de expansão que não permitem que uma cidade como Mainz esteja no seu caminho. Se você aceita a opinião de um velho amigo, acho que Dortmund é sua melhor opção.

— E por que eu não posso ir para Berlim? — Lib quis ser chata, perguntando e argumentando. Havia algo que ela já não gostava na cidade mesmo só tendo ido até lá de passagem na maioria das vezes.

— Porque, com a arrogância do pessoal de lá, você seria demitida em uma semana. E, caso tenha esquecido, Eva é a chefe de Berlim.

— Okay, eu fico com Dortmund. — Ela se jogou de qualquer jeito na cadeira, já aceitando a condição de nova moradora de Dortmund. — Mas você sabe que vão ter que pagar todos os gastos, não é? Despesas em geral... Mudança, aluguel do meu novo apartamento, empacotamento de minhas coisas... e, se algo extraviar, quero novas. Além, é claro, da minha passagem e uma passagem confortável para Salazar.

— Se você fosse outra pessoa, eu te demitiria agora — o homem ameaçou, um sorriso pretensioso nos lábios. Libanesca era realmente a melhor herpetóloga que eles poderiam ter, então fariam tudo aquilo e mais um pouco para tê-la ainda trabalhando por perto.

O Serpentário Julian Hauptmann era uma obra dos irmãos Hauptmann, mesmo o artigo masculino sendo usado de forma injusta para dar os créditos a tal criação. Eva Hauptmann era a mais velha dos três irmãos; tinha começado a estudar biologia com intuito de seguir a área marinha, no entanto, acabou por despertar a paixão pelos répteis, especialmente pelas cobras. Anos mais tarde, o serpentário fora aberto e recebera o nome do pai dos três como homenagem. Todos queriam trabalhar com Eva, inclusive seus dois irmãos mais novos, Eric e Thomás. Ambos seguiram a mesma carreira e abriram filiais em suas cidades favoritas.

O problema maior era o impacto que aquilo causava. Eva Hauptmann era a Miranda Priestly da biologia serpentária. Como uma medusa literal, cada uma de suas cobras em forma de cabelo também representava como ela era... amada. E também sua fama de acabar com calouros ou estagiários em menos de sete dias.

Quem era Samara perto de Eva?

Libanesca Furtwängler odiava Eva como odiava que matassem animais para comer e vestir. Nenhuma das coisas fazia sentido em sua opinião. Mas Lib detestava Eva como Eva detestava Lib, talvez por ambas terem gênios muito parecidos e opiniões muito diferentes. Eram esquentadas e sempre estavam certas; vingativas e donas de uma teimosia tão grande que juntá-las no mesmo ambiente era pedir guerra. Ainda assim, por serem tão idênticas, uma piada sobre Lib ser a filha que Eva não quis sempre circulava por lá.

Como era esperado, Libanesca odiava a piada.

Lib não gostava de muitas coisas.

Nem mesmo Ingryd, sua irmã mais nova, não foi algo do qual ela gostou ao primeiro olhar. Quando Libanesca tinha seis anos, ela nasceu. O primeiro motivo pelo qual Lib não gostou da garota foram seus cabelos; claros demais, parecendo brancos.

Lib perdera a mãe, Analy, no dia de seu nascimento, mas passara toda sua vida ouvindo como era parecida com a progenitora. E, assim como as pessoas diziam que Harry Potter tinha os olhos de sua mãe, Libanesca tinha os cabelos. Cabelos como os de Lily Potter e Analy Furtwängler: ruivos.

Ingryd tinha os cabelos da mãe dela, alguém que nem ao menos fora apresentada a uma Lib criança. Um dia, seu pai simplesmente apareceu com um sorriso amarelo no rosto e disse que ela ganharia uma irmã mais nova.

O tiro fora bem rápido e prático.

E era por isso que Lib não gostava do pai. Ele não fora presente na vida dela como tinha sido na de Ingryd. Adrian levava Ingryd para as festinhas das amigas, comprava o que ela queria e sempre mostrava uma preocupação excessiva acima de muitas coisas. Mas isso apenas ajudou Libanesca a ser a pessoa que ela queria ser. Se livrou do pai logo cedo e tinha sua tão sonhada liberdade.

Liberdade essa que hoje havia sido roubada de um jeito um pouco inusitado. Não que ela não tivesse planos de se mudar nos próximos anos... talvez nos próximos dez ou quinze, mas não agora, aos vinte e seis anos e tendo o emprego e a vida dos seus sonhos.

Porém, muitas vezes a vida não era somente o que Lib gostava.

As Pernas da Cobra (degustação)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora