capítulo único

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Perfume.

Um pequeno frasco de vidro que guarda um líquido de cheiro peculiar, podendo ser doce como algodão-doce, suave como a baunilha ou forte como whisky. Como podem algumas borrifadas de perfume caracterizarem alguém? Qual a lógica por trás de nossas memórias afetivas? Por que uma simples fragrância consegue me envolver em sentimentos quentes de familiaridade e pertencimento? Como pode um simples aroma fazer com que eu me sinta em casa?

Tudo começou quando ele se aproximou de mim, apenas queria que lhe emprestasse o casaco, mas, como sou tolo, emprestei o casaco, meu olfato, minha audição, o tato, minha companhia e, por fim, meu coração. Emprestei-lhe todos os meus sentimentos e pensamentos mais profundos, dividi momentos, lágrimas e beijos... Tudo isso por um cheiro. Tudo isso por um casaco. Jamais me esquecerei do toque suave de sua mão em meu ombro, muito menos de sua voz sussurrando ao pé de meu ouvido se poderia pegar o casaco emprestado. Mas, acima de tudo, jamais esquecerei da proximidade de seu corpo ao meu, ou do aroma forte e aconchegante que me cercava.

O casaco ficou marcado com o cheiro do seu perfume e, por mais difícil que fosse admitir, eu não queria lavá-lo nunca. Queria usá-lo até nossos cheiros se misturarem, talvez até o fim de sua essência. É vergonhoso admitir quantas vezes me masturbei vestindo esse moletom, cercado por seu cheiro e imaginando suas mãos no lugar das minhas, passeando suavemente em meu corpo, como se ele fosse pequeno e frágil tal qual um frasco de amostra qualquer. Mas eu não quero ser apenas isso, nem quero que ele seja apenas isso pra mim, algo temporário... Quero ser para ele um grande vidro de perfume, pouco frágil, duradouro. Quero que nossa relação seja algo concreto, que dure tanto quanto um perfume francês.

Queria que ele agarrasse fortemente meu corpo, como se nunca pudesse me soltar.

Pela graça do tempo fomos nos encaixando como peças de um quebra-cabeça, conversávamos por bilhete durante as aulas, começamos a trocar nossos casacos nos intervalos, criamos um aroma unicamente nosso.

Lembro-me da primeira vez que nos vimos sem roupa, a primeira vez em que suas mãos deslizaram por meu corpo nu, enquanto eu sentia seu aroma forte sofregamente, você costumava aplicar no pescoço e nos pulsos, pontos estratégicos. Era tão bom estar preso nesse momento, apenas nós dois apertando um ao outro, nossos corpos cada vez mais próximos como lados opostos de um ímã, nossas respirações fortes, inalando cada vez de forma mais profunda a mistura de nossas essências. Lembro perfeitamente do calor que geramos naquela noite fria, da garganta seca, dos olhos marejados, beijos afoitos... Lembro-me perfeitamente...

Lembro-me de quantas vezes repetimos isso, não só naquela como em outras noites, era como se tivéssemos um ritual só nosso.

Entretanto, jamais vou esquecer do dia em que me perguntou o que eu queria, tínhamos acabado com nosso ritual e você abraçava minhas costas enquanto seu queixo estava apoiado em meu ombro.

Tudo que eu quero é te ter comigo para sempre, ter sua essência exclusivamente para mim como ninguém jamais teve, quero que nos tornemos um e que nada possa nos separar.

Ao falar isso, lembro de me virar em seu abraço e de ter meus lábios tomados pelos seus, lembro da disputa por dominância, da saliva escorrendo e de um grito de dor, do gosto de seu sangue adentrando minha boca, eu queria mais.

Lembro do sangue escorrendo pelo seu queixo, da sua incapacidade de falar, do terror em seus olhos, lembro-me de tudo isso. De como foi bom ouvir seus sons incoerentes enquanto eu deixava mordidas em sua pele, da mistura de sangue, suor e carne fresca sob minha língua, de seu corpo ficando cada vez mais leve, do grito estridente que soltou quando finquei meus dentes em seu pescoço... Em seus pulsos... Em seu falo... Estava tão perdido no momento que só notei o que havia feito quando você estava inconsciente e a luz do sol atravessava as cortinas.

Você tinha ido embora, mas seu aroma ainda estava lá, mesmo que de forma sútil e mascarado pelo sangue, era seu sangue, seu aroma. Quando me sentia sozinho eu abraçava seu corpo gelado com partes faltando pois, apesar de tudo, era impossível para mim não tirar mais e mais pedaços seus e consumí-los. Seu corpo, sua carne, seu sabor, todos me pertenciam.

Infelizmente isso durou pouco. Seu aroma foi mudando cada vez mais, não interessava quantas borrifadas de perfume eu derramasse sobre seu cadáver, se eu virasse um frasco inteiro em seus órgãos expostos, se eu fritasse sua carne, o cheiro putrefato de seu corpo começou a dominar a casa, mas só fui compreender a gravidade do que tinha feito quando te levaram embora e me levaram preso.

Foi quando meu coração partiu e descobri que nenhum perfume é tão duradouro e adocicado quanto o de sua morte.

Desculpa, Yoongi, espero poder te falar isso em breve.

Perfume // yoonkookOnde as histórias ganham vida. Descobre agora