Capítulo 1

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Se eu dissesse que me lembro da maioria das coisas antes de meu irmão mais novo, Nicanor, nascesse, estaria mentindo. Por opção minha, decidi ignorar tudo o que eu vivi antes de completar quinze anos, devido a imensa desproporção de responsabilidades e sofrimentos comparados a minha idade e maturidade.

Com toda a minha sinceridade, não houve momentos em que o que me era pedido, exigido ou ordenado tivesse alinhamento com minha mentalidade, mas, como citei anteriormente, o nascimento de meu irmão fez com que eu não pudesse mais esquecer, já que, se eu não estivesse atenta a todo momento, poderia perdê-lo.

Mas para que se possa entender minha história, é preciso relembrar certos pontos, por mais doloroso que seja. Dedico os primeiros capítulos de minha vida com pequenas recordações de infância, com muito esforço, buscarei as mais profundas memórias. Mesmo sendo lúgubres e melancólicas, farei com imenso prazer.



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Nesse dia, eu estava na minha antiga casa, no Rio Grande do Sul. Meu irmão mais velho, Luiz, que na época teria treze anos, não parava de chorar por um minuto.

Nós acabávamos de nos mudar e enquanto eu tentava contar quantas janelas e quantas portas a nossa simples casa tinha, fui puxada pelo pulso e colocada dentro de um quarto.

Quando, finalmente, pude olhar nos olhos de quem havia feito tal brutalidade, vi os olhos furiosos da minha mãe, Amélia.

-Está vendo o que fez!? - começou a falar, antes mesmo que eu me recuperasse do susto que havia tomado - por que foi dizer á Dona Diana que não é filha do mesmo pai que seu irmão?

Fiquei em silêncio. Não sabia o que responder. Não tinha respostas: eu era apenas muito criança,  sincera, e quando Diana, uma amiga de minha mãe, perguntou a mim e ao meu irmão se estávamos com saudade do nosso pai, respondi que éramos filhos de pais diferentes.

Meu silêncio a enfureceu ainda mais:

-Sabe o porquê seu irmão está aprontando esse escândalo? - disse, apertando o meu pulso com mais força.

-Não senhora.

-Tivemos que nos mudar. Sabe como uma mulher, com filhos de pais diferentes, fora de um casamento, é vista?

-Não senhora - respondi de novo, procurando ser obediente.

-Pois eu te digo. Acham que eu sou um incômodo, uma nojenta. Assim como você é. Tivemos que nos mudar porque minha vida virou um escândalo. Seu irmão perdeu todos os amigos que tinha, por culpa sua! - finalizou a frase, jogando o maior peso que eu poderia receber e finalmente soltando meu braço.

Foi quando percebi que tinha perdido todos os sentidos enquanto ouvia meu fardo. Sua mão segurando meu pulso era a única força que me manteve em pé nesses segundos. Então, caí no chão.

-Mamãe! - rapidamente me grudei aos seus pés, convencida de que isso a prenderia junto a mim, impedindo de que me abandonasse sozinha com meus sentimentos sôfregos - eu não fiz de propósito, eu juro! Eu não sabia, eu quis ser sincera com a Dona Diana porque... porque... mentir é errado.

-Preste atenção - começou com um tom rude - quantas vezes terei que repetir? O Luiz é filho de um político, e agora que estou viúva recebo uma boa quantia que é gasta com você também. E o seu pai era um pé rapado que não teve nem mesmo a capacidade de se casar comigo. Nunca enviou dinheiro algum.

-Nunca enviou porque eu nem o conheço! - interrompi, e apenas depois que concluí a frase pude ver que fui imprudente.

-Ele nem ao menos quis te ver! Você é um peso a carregar, Maria. Deveria ser mais grata por eu sustentar você, mesmo que sempre atrapalhe meus planos!

Apenas MariaWhere stories live. Discover now