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Apesar de tudo, não era a minha decisão ou a carta enigmática que me preocupava por agora. Isso seria algo adiado até ao máximo, como, ademais, faço sempre com tudo. Tudo menos a Sam! Adiar seja o que for com aquela rapariga era como me preparar para uma sessão de auto tortura... ela tem uma ligação incomum comigo que... não sei... Só sei que a minha relação com ela precisa de voltar à normalidade o mais rápido possível, ou então eu viro pó porque já não aguento, de todo, vê-la a esquivar-se de mim e a ignorar-me por completo.

Tenho saudades do timbre de voz característico dela, que é a minha melodia favorita, assim como o seu riso, tenho saudades dos abraços que ela me dá, como se me fosse perder a qualquer momento e quisesse ter a certeza de que eu ainda estava viva, ali com ela. Tenho saudades das nossas conversas. Acreditando ou não, custa-me ficar, inclusive, um minuto sem falar com ela, mesmo que pareça insano ou demasiado possessivo da minha parte. Que querem que eu faça? Ela está me sempre a assaltar a mente.

Tenho saudades dela, fogo!

Tenho também de parar de divagar.

Desculpem-me este desabafo, mas é que a Sam é uma ótima rapariga, melhor dizendo, é a rapariga com quem me dou melhor, é a minha pessoa. Se eu pudesse escolher, sem ligar a consequências e ao meu receio de ser rejeitada por ela, eu escolhia-a, entre todas as pessoas do Mundo, para ser a minha companheira no futuro. Sem juízos ok? Mas eu acredito que também devíamos poder partilhar casa com a nossa melhor amiga sem que fossemos chamadas de isto ou daquilo. Aliás, eu se pudesse casava-me com ela para que ela nunca me abandonasse. Afinal, já nos conhecemos demasiado bem: ela é como um órgão meu sem o qual o funcionamento do meu corpo não se procede da mesma forma. É simplesmente fulcral.

No entanto, é, acima de tudo, a rapariga mais teimosa que conheço e, quando se trata de ciúmes, nem se fala! Ela não pode, por exemplo, ver uma foto de eu com uma amiga minha com uma legenda do género "adoro-te muito" sem desviar o olhar, nem disfarçar o desinteresse pela outra rapariga.

De qualquer das formas, como eu ia para dizer, na sexta interceptei-a quando ia em mais uma das suas fugas para a casa de banho. Ela, normalmente, ia comigo para lá, para me ouvir a estudar flauta, quando não haviam salas disponíveis, mas, ultimamente, quem lá ia estudar era ela e não eu. E não era só quando não haviam salas vagas, mas sempre, ela estava sempre lá  enfiada, com o seu violoncelo, utilizando a música como refúgio, em vez de ganhar tomates para consertar esta porra de vácuo existente, atualmente, na nossa relação.)

Como eu esperava, ela resistiu, alegando não ter tempo para conversas, mas, desta vez, eu fui firme e, elevando um pouco mais o meu tom de voz, pedi-lhe, mais agressiva do que o que eu realmente queria ter sido, para me acompanhar.

Os olhos dela olharam diretamente os meus, transparecendo a surpresa que ela sentia.

Arrependi-me de imediato de ter abusado no meu tom de voz, que era suposto ser apenas seguro e não agressivo.

"Desculpa. Apenas vem comigo, por favor." disse eu calmamente, contrariando a agitação que sentia, devido à hipótese de ter metido tudo a perder.

Ela baixou a cabeça. Estava com os olhos nos seus próprios pés, enquanto ponderava no meu pedido. Merda.

Senti dentro de mim uma vontade enorme de lhe roubar um beijo daqueles ternos e eternos, que ficam guardados para sempre no coração de um pessoa, mas ainda não era o momento e eu sabia-o, não sei como, mas sabia-o.

Eu queria-o para ser um momento especial e original. Eu sei isto não faz qualquer sentido: onde está o foder comer e dormir? Porquê fazer tanta merda apenas por causa de uma amiga? Até que ponto ela era realmente uma amiga? As coisas não faziam sentido para mim, confesso, no entanto, não me importava com isso, só tinha que fazer o que estava certo e acabar com o sofrimento de estar de costas voltadas com a pessoa que tem mais importância na minha vida. Eu não estava a pensar, eu só estava a ser e a sentir e acho que nada há de mais genuíno na vida do que isso.

Esperei atenta a qualquer pormenor que me pudesse indicar uma resposta. Mas ela tardou a chegar: precisamente quando eu estava a ficar sem esperança reparo que ela estendeu a mão sem dar nas vistas. Aleluia!

Dei-lhe a mão e, mal esse contacto se estabeleceu, soltei o ar que tinha sustentado na boca sem dar conta, tal a ansiedade com que estava.

Ela puxou-me para si e envolveu-me num abraço forte e carregado de emoções com um culminar de palavras que embora não ditas, foram sentidas e compreendidas ao pormenor. Era como que, somente com esse abraço, ela me pedisse desculpa pelos ciúmes e eu lhe dissesse que ela era a pessoa mais importante na minha vida. Porque é.

Fomos, então, para o dormitório em silêncio. E, no mesmo silêncio, adormecemos. Sabem que é no silêncio que as melhores coisas são ditas?

Nessa noite sonhei com ela. Não que me lembre do sonho, mas tenho a certeza de que foi com ela, porque acordei super bem disposta, super feliz.

Na segunda feira, passei as aulas todas a desenhar algemas e outras coisas obscenas que tinha visto nas minhas fontes de informação.

Não que já me tivesse decidido relativamente à proposta feita pelo homem, mas para quê ponderar tanto se todo o meu ser irracional já havia decidido sobre o assunto? Eu passei as horas a sonhar acordada com eventuais coisas que ele me poderia dizer e/ou fazer à noite. Nem sei como ninguém reparou no suor que me escorria pela cara só de pôr a mente a trabalhar...


22.20 e eu ainda a escolher a roupa. 'Mulheres', dirão.

Não sei o que se passava comigo, normalmente era-me fácil escolher a roupa, até porque era obrigatório o uso da porra do uniforme do colégio, mas, desta vez, nem parecia eu.

Tinha escolhido três tipos de roupa: umas calças de ganga e uma camisa com diversos tons de azul acompanhados de branco,  um vestido simples preto que, segundo a maioria daquelas pessoas que eu posso estar apenas a usar um saco de lixo como peça de roupa que para elas estou sempre linda (isto é, os meus pais e praticamente todos os que trabalham lá em casa), me assenta muito bem, pois enfatiza as curvas próprias de mulher e um top justo preto decotado, calças pretas e um casaco de cabedal preto, mas não achava nenhum adequado. Era, de facto, assim tão importante a roupa com que eu iria ter com o homem, quando sabia que ele faria com que essa mesma roupa acabasse no chão? Dramas.

Fechei os olhos e, quase fazendo pim-pam-pum, acabei escolhendo o vestido - tinha que ir vestida não é?  Calcei uns saltos altos, apenas para ver se conseguia ganhar um pouco de confiança para me debater contra aquela áurea estranha que se estava a apoderar de mim, fazendo me sentir alguém que não era eu, alguém insegura.


22.28 e estava eu a atravessar o corredor.

Sorte das sortes foi que não estava lá ninguém àquela hora que me pudesse fazer perder tempo. Nunca chegas a tempo para nada, pois não Alexa? Só mesmo com alguém puxando os cordelinhos algures lá para cima.

Com o passar do tempo e o encurtar da distância, a percussão aumenta no meu peito.

AlexaOnde histórias criam vida. Descubra agora