Abri os olhos com certa dificuldade. Corri o olhar pelo interior do local onde eu estava. Era uma sala de iluminação bem clara. Rodeando meu corpo, a uns cinco metros, tinham alguns cubículos cercados por grades que já estavam comidas pela ferrugem. Procurei entender que merda estava acontecendo ali.
Minhas mãos estavam esticadas em sentidos opostos na diagonal, presas por correntes grossas que se prendiam a algum tipo de dispositivo no teto. Eu estava com os joelhos acorrentados ao chão, mas meu corpo continuava ereto devido às correntes presas aos meus pulsos.
Era assim que as pessoas que acordavam naquele filme Jogos Mortais se sentiam?
Respirei fundo tentando saber se era dia ou noite e há quanto tempo estava naquela bosta de lugar.
No mesmo instante, Mônica e Lincoln passaram pela minha cabeça. Estariam eles em segurança? Lincoln estaria cuidando bem da vida de Mônica?
Pensei em como eles estariam sem eu não ter mandado nenhum sinal de vida. Provavelmente preocupados e confusos ou achando que eu já estava morto e boiando em algum rio lotado de merda.
Desviei o olhar para uma espécie de sala de observação que ficava no andar de cima da construção, era possível ver tudo dali. Haviam dois homens em pé e conversando em voz bem baixa, ainda não tinham notado que eu estava consciente.
"Boa madrugada, Cabeça." a voz de Morgana ecoou no interior da sala de uma maneira eletrônica. Olhei em volta à procura de alguma caixa de som, mas estavam omitidas em algum lugar "Eu espero que esteja amargamente arrependido de tudo o que você fez."
"E sou eu que tenho que me arrepender de algo? Cala essa merda de boca, Morgana." bufei.
Num movimento rápido, puxei uma das correntes em direção ao meu corpo. Elas não eram tão pesadas como eu tinha pensado.
"Se eu fosse você, não faria isso." Morgana interveio "Essas correntes estão diretamente ligadas aos pedaços de ferro que estão sendo usados para tampar o fundo desses cubículos a sua volta. Um movimento muito brusco, faria tanto o fundo quanto a grade abrir e você teria uma grande surpresa. Faça-me o favor de não apressar as coisas."
Olhei para os dispositivos que estavam presos ao telhado. Haviam duas correntes presas a dois cubículos e ao dispositivo na minha mão esquerda e três na direita.
Perguntei-me que diabos poderia haver por trás dos fundos tampados. Puxei a mão direita com o máximo de cuidado possível e pouco a pouco os três fundos dos cubículos mais próximos começaram a se abrir.
Do fundo dos pequenos cercados de tijolos, saíram três cães iguais a Heike. Latiam e rosnavam com ferocidade. Estiquei meu braço para cima em um movimento rápido, antes que os cachorros cruzassem a grade e saíssem para me devorar.
"Umas gracinhas esses irmãos filhos de uma puta daquele Heike!" gritei e deixei minha cabeça pender para trás, sentindo meu pescoço doer.
"Sei disso. E ainda tem surpresas nesse dispositivo, querido." disse Morgana em tom casual e aquilo me fez enfurecer "Se você se comportar, vou ativá-lo na velocidade mais alta, assim você sentirá menos dor quando seus músculos, nervos e ossos forem dilacerados. Do contrário, terei o imenso prazer de te fazer gritar e implorar pela vida."
"Vá se foder!" gritei sentindo o sangue borbulhar nas minhas veias.
Os dois homens que antes conversavam na sala de observação sumiram do meu campo de visão alguns instantes. Minutos depois entraram com uma caixa que se parecia uma bateria de carro gigante.
Um dos homens, afrodescendente e gordinho, esticou dois fios que se prendiam a pontas opostas na caixa. No final dos dois fios, haviam prendedores de ferro. Os dois homens caminharam até mim, soltando a caixa rente ao meu corpo.
O homem mais alto, branquelo e fortinho, pressionou um botão e afastou-se um pouco. A caixa fez alguns barulhos roucos e soltou algumas faíscas.
"Tudo bem, vamos brincar de abrir a boca e falar a verdade agora." falou Morgana e algo me dizia que ela estava assistindo a cena de algum lugar "Onde tá o Lincoln?
Soltei uma gargalhada ao ouvir a pergunta ridícula. Até parece que eu entregaria Mônica e Lincoln para aquela vagabunda. Nem que eu tivesse que morrer para manter isso a salvo.
"Se quiser mesmo saber sugiro que procure."
"Ah, é uma pena que você sempre foi tão irritantemente rebelde." Morgana lamentou sarcasticamente.
"Meninos!" gritou ela e um dos homens caminhou com as duas pinças de metais abertas "Hora de conhecer um verdadeiro tratamento de choque!" falou Morgana e eu fui capaz de ouvir uma gargalhada eletrônica no interior do ambiente.
O homem prendeu uma pinça a cada corrente e eu senti uma onda elétrica forte pra caralho percorreu o meu corpo. Cada músculo contraia, provocando uma dor tão forte que parecia que cada pedacinho do meu organismo estava sendo frito. Devido ao choque elétrico, meu corpo contorceu para trás, tentei gritar para expulsar aquela dor desgraçada, mas minhas cordas vocais pareciam ter perdido sua capacidade de manifestar-se. Parecia interminável, nada passava-se pela minha cabeça a não ser a sensação de que eu não sairia dali vivo.
A dor cessou e eu puxei uma quantidade significativa de ar, meu corpo pendeu para frente e eu parecia não ser mais capaz de controlá-lo. Levantei os olhos e vi os dois homens parados ao lado da caixa, com o semblante sério.
"Vamos tentar de novo... Onde está Lincoln?"
"Você devia ser um pouquinho menos covarde, sair da sua cápsula de segurança contra mim e vim perguntar essa merda na minha cara!" rosnei me recuperando aos poucos da onda de choque dolorosa pra cacete.
"Você torna tudo tão difícil." resmungou ela e os dispositivos presos ao teto estalaram.
Pouco a pouco senti meus braços serem puxados. A princípio não foi tão ruim, mas quando meus joelhos suspenderam até o limite das correntes que os prendiam, a dor se tornou tão forte que eu seria capaz de vomitar. Ouvi estalos em meus dois braços, como se algo estivesse me rasgando de dentro para fora, descolando meus ossos de suas cartilagens.
Gritei o mais forte que consegui. Não sei o que era pior. A onda de choque ou aquela merda que, se esticassem minha pele só mais alguns centímetros, faria meus membros superiores se separarem do meu corpo.
"Vai responder agora?"
"Nem se você for me libertar em troca disso!"
"Você parece bem corajoso, veremos até onde essa força de vontade aguenta." sussurrou ela e vi um dos homens pressionar um botão na caixa.
Mais uma vez meu corpo contorceu-se para trás. A dor se tornava cada vez maior, os meus músculos pareciam querer saltar para fora de minha pele. Mais alguns segundos e meus órgãos seriam cozidos.
A dor cessou, mas meu eu já tinha quase certeza que meu corpo não aguentaria mais uma.
"Não adianta, sua desgraçada de merda! Pode tentar o quanto quiser, mas eu não vou dizer onde eles estão!"
"Eles?" sussurrou Morgana de uma maneira extremamente bizarra. Perguntei-me porque motivo ela ficou com a voz aparentemente assustada no momento em que eu disse aquilo "Então a rainha do baile ainda tá viva..."
Merda merda merda merda!
Eu não teria como contornar aquela situação. Será que Lincoln tinha pedido para Júlio ou alguém da base confirmar com Morgana que Mônica estava mesmo morta? A demônia provavelmente ainda estava acreditando nisso.
MERDA! O jeito mesmo, era aguentar a tortura de bico fechado, mesmo que aquilo viesse a custar minha vida.
"Uma reviravolta adorável." começou Morgana "Perdoe-me, Cabeça, mas não vou ser tão gentil a ponto de acabar com a sua dor antes de te fazer sofrer de verdade. Você é o mocinho em perigo agora. Veremos o que eles farão por você." concluiu Morgana vitoriosa "Mas será mais interessante se eu te obrigar a dizer por onde começar."
"DESISTE!" gritei.
Ainda não estava crente que eu tinha entregado o jogo.
Mas por que caralhos Lincoln tinha me escondido um detalhe tão importante? Na minha cabeça, ela já sabia daquilo!
Independentemente do que Morgana fizesse, eu tinha que me manter calado, mesmo que para isso eu tivesse de enfrentar a morte.
"Meninos, peguem o balde." sussurrou Morgana e um dos homens se locomoveu até o final da sala com passos largos. Retornou em alguns segundos com um balde vermelho em mãos, aparentemente pesado.
"Cabeça, não ache que faço tudo isso por diversão." começou Morgana "Mas você sabe como funciona a S.R.S, não sabe? Se eu não eliminar você, Mônica e Lincoln, quem morre sou eu. É um jogo de quem caça não morre. Você sabe muito bem o que quero dizer." explicou ela com a voz estranhamente baixa "Uma coisa eu tenho que falar: foi muita burrice da sua parte vir até a minha base e tentar apontar uma arma para mim sozinho." comentou ela e aquilo fez meu sangue borbulhar nas veias.
Eu sabia que era tolice, mas que se foda, o resultado era para ser diferente! Não era para ela ir atrás de Mônica e Lincoln.
"Enfim, agora, se me permite..." continuou ela tomando força na voz "MENINOS!" gritou.
O homem chegou bem próximo a mim e virou o balde sobre a minhas cabeça. Senti um líquido tão frio que chegava a trincar os músculos escorrer pelo interior das minhas roupas. O cheiro era podre. Não sei se era merda ou mijo, mas era nojento e frio para caralho.
O outro homem, o branquelo, tirou as duas pinças de ferro da corrente e perfurou a pele do meu abdômen com seus dentes metálicos. O pânico começou a me invadir naquele instante.
Meu corpo estava praticamente congelado, as pinças fincadas diretamente na minha pele. Se a caixa fosse ativada naquele instante, não creio que me corpo aguentaria mais do que cinco segundos de um descontrole selvagem de energia percorrendo todo o interior dele.Os dois homens se afastaram. Pareciam dois soldados, inexpressivos e sanguinários. Não pareciam sentir pena e muito menos satisfação do estado humilhante e doloroso em que eu me encontrava.
"Como será saboroso." sussurrou Morgana deleitando-se no que estava prestes a acontecer.
Os dispositivos estalaram mais uma vez e pouco a pouco meus braços foram puxados um para cada lado novamente. A última coisa que eu fui capaz de ver, foi um dos homens caminhar até a caixa e bater com a mão no botão fortemente.