(Taehyung)
"Eu não entendo", Taehyung comentou enquanto as pessoas ao seu redor riam como se tivessem ouvido a piada mais engraçada da face da Terra. Era verdade que ele sabia como as pessoas pareciam achar inapropriado certas misturas de gostos – como um garoto sentir fascínio por determinados objetos que eram considerados apenas de uso feminino. O que ele não entendia, no entanto, era como aquelas pessoas podiam se comportar de tal forma quando eram amigos.
Afinal estavam todos passando pela mesma fase da vida, uma complicada, ainda por cima, em que o mundo parecia grande demais e perigoso demais, cheio de incertezas e de brechas para que seus piores medos pudessem amedrontá-los – não que Taehyung pensasse assim em seus quinze anos. No entanto, ele sabia o básico: amigos deviam permanecer juntos e cuidar uns dos outros.
"Você é tão inocente", uma das garotas havia dito na ocasião, cobrindo a mão com a boca enquanto tentava dar uma pausa nas risadas, somente para explodir em gargalhadas de novo tão logo concluiu sua declaração.
O pensamento de que ele estava sendo deixado de lado por um aspecto que nem era tão ruim assim e que sequer fazia parte de suas características, deixou-o irritado. Sem perceber, Taehyung formou um bico em seus lábios e cruzou os braços sobre o peito. Seu cérebro trabalhava a todo vapor em uma ideia.
"Qual o problema em ser inocente?", questionou, sem conseguir chamar a atenção de ninguém. Ser ignorado acabou por irritá-lo ainda mais. "E se ele gosta da Hello Kitty, qual o problema? Ela é fofa", adicionou a parte final a fim de tornar sua defesa ainda mais incrível, como ele sabia que deveria ser.
Aos poucos, as risadas foram morrendo, sendo substituídas por olhares confusos, de pessoas que estavam tentando entender que turno de eventos era aquele. Taehyung deveria estar rindo com eles, não defendendo o garoto franzino da sala que gostava de coisas de menina e sentava sozinho, sem amigos, durante o almoço.
"Não me diga que gosta da Hello Kitty também, Taehyung", um dos garotos perguntou, com um sorriso convencido no rosto, e Taehyung devia ter percebido nesse exato instante o quão inocente havia sido, bem como a resposta para a primeira pergunta que ousara pronunciar- "Qual o problema em ser inocente?"
O problema em ser inocente, Taehyung pensou, enquanto tentava afastar as memórias da adolescência para o fundo da sua mente, mas sabendo ser impossível quando havia recebido uma mensagem de sua mãe avisando que passaria para uma visita rápida dali alguns instantes. O problema em ser inocente é que as pessoas pensam que podem fazer gato e sapato de você.
Foi então que ele aprendeu a ser cauteloso com determinadas coisas – mais do que já era. Seus saltos estavam guardados convenientemente dentro de uma caixa no canto do quarto, embaixo de uma pilha de outras bugingangas, só para garantir que sua mãe não os encontraria. Mesmo assim, tinha certeza de que o nervosismo que sentia não estava apenas relacionado com a expectativa de encontrar a progenitora, de quem sentia tanta falta, ainda que não fosse a primeira vez que ela o visitava para garantir que ele estava se alimentando e vivendo confortavelmente.
Olhou para o relógio no pulso e bateu o calcanhar do pé contra o chão em um ritmo frenético. Precisaria sair em alguns minutos para trabalhar e nada de sua visita bater à porta, como combinado. Acabaria tendo que deixá-la em casa sozinha quando tudo o que ele queria era passar um tempo com ela, sendo mimado e paparicado, sem qualquer perigo de ter seu segredo descoberto uma vez que a atenção estaria inteiramente voltada para a sua pessoa, não para o local onde se encontravam.
Havia desistido de esperar e estava do lado de fora quando deu de cara com aquele rosto familiar de que ele sempre se lembrava em momentos de alegrias e de tristezas, ansiando por ouvir a voz doce a dizer as palavras que ele mais gostava de ouvir, embora soubesse que seu relacionamento com os pais não era perfeito, pois era tão cheio de falhas e de bordas afiadas quanto qualquer outro. Mas era inegável que ele a amava e sentia, naquele instante, como se houvesse um sol em seu peito, irradiando calor para todo seu corpo a um simples olhar materno.
"Sinto muito chegar tão tarde quando eu disse que chegaria rápido", ela pediu, certamente notando sua preocupação com a demora, e não havia uma só partícula de chateação pelo que deveria ter sido uma questão de simples eventualidade. "Você está de saída, não é?", questionou, e Taehyung sorriu, preparando uma resposta negativa que nada mais era que uma grande mentira esfarrapada através da qual era fácil ler a verdade. "Não minta pra mim", ela o advertiu e eles dois riram, com Taehyung deixando a saudade movê-lo até estar ao alcance dos braços dela, abraçando-a apertado até que lhe faltassem o ar nos pulmões.
"Eu disse a você que não precisava vir, que o desvio de caminho era grande demais", resmungou, mas não foi capaz de soltá-la, não tão cedo.
"E eu disse que não era incômodo nenhum", ela rebateu sem perder um só segundo. "Além disso, acho que vai me fazer bem sair um pouco da rotina de casa", adicionou com um tom distante, que à primeira vista parecia novo aos ouvidos de Taehyung, que se perguntou se por acaso algo havia acontecido – pensamento que foi dissipado com uma negativa veemente e um tapa em sua bunda.
"Espero que esteja se alimentando direito, mocinho", ouviu sua mãe dizer, com um bom-humor renovado, divertindo Taehyung no processo, enquanto este fingia sentir dor na área atingida.
"Eu estou, eu estou, juro", prometeu, rápido, antes que fosse alvo de novas palmadas.
"Você sempre me orgulhando", ouviu-a dizer, notando que ela mudou mais uma vez para um tom estranho, novo, que era difícil de definir mesmo que Taehyung buscasse em todo seu vocabulário, o qual não era insignificante. "Mas você deve estar atrasado, não se prenda por mim e siga seu caminho, filho", ordenou, carinho transbordando em sua voz.
"Mas—"
"Sem mas, não precisa se preocupar mais comigo, eu vou só deixar algumas coisas na geladeira e voltar pra casa", explicou sua mãe, e Taehyung compreendeu o papel da sacola de supermercado enorme que ela carregava consigo. "Vá logo de uma vez!"
Uma olhada rápida para o relógio no pulso indicou que ele estava atrasado em pelo menos vinte minutos – isso considerando o trânsito normal de vinte minutos antes. Com um pouco de sorte, seu atraso seria inferior a quarenta minutos, mas só se se apressasse.
Suspirou, derrotado, relaxando os ombros ao mesmo tempo em que deixava a cabeça pender para o lado, sabendo que não havia outra escolha.
Despediu-se com um sorriso travesso depois de fazê-la dizer que ele estava parecendo um ídolo pop, com seu blazer jogado sobre a camisa social e o cabelo penteado para o lado, mas, tão logo deu as costas, o sorriso entristecido substituiu toda a alegria. O dia ia ser bem longo.
Foi um dia particularmente difícil para a concentração de Taehyung, que andava de um lado a outro com frequência, mais que o normal. Ele sequer precisou de café para se manter acordado após o almoço, mas não significava que seu dia estava sendo produtivo. Seu corpo poderia estar na escola em que trabalhava, mas sua mente estava em casa, juntamente com seu coração, que era todo saudade e ansiedade.
De toda forma, independentemente do que acontecesse, sabia que não havia jeito de impedir a cadeia de acontecimentos que fora iniciada ainda pela manhã. O pensamento, embora o deixasse em uma posição de impotência, tornou-se responsável por trazer de volta sua atenção para as tarefas cotidianas, as quais precisavam ser realizadas sem falhas.