9. A melodia de um triste violino

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O tempo não operava de forma convencional naquele mundo. O céu escurecia e clareava em horas alternadas, logo, eu não sabia dizer quando era noite e quando era dia. Mais cedo, pouco depois do jantar, eu perguntei a Montoya se partiríamos quando o amanhecer chegasse, mas ele me disse que só iríamos após o desvanecer das horas sombrias.

A sensação de estar sendo vigiada nunca sumia totalmente e, embora me sentisse segura na torre, também era angustiante não poder fazer nada além de aguardar o tempo passar. Precisava encontrar meu caminho de volta ao meu irmão o mais rápido possível, mesmo que isso significasse dar adeus ao príncipe.

Pensei muito no momento decorrido entre mim e Montoya e decidi que não precisava de resposta para aquelas perguntas. Joaquin era a prioridade e não deveria voltar a me esquecer ou hesitar por conta de qualquer outro alguém...

Não consegui dormir enquanto a luz não deixou o céu por completo, então escapuli mais cedo do quarto e rodei pelos limites da torre até me encontrar deslumbrada pela vista singular de uma das janelas. A torre de Montoya tinha alcances privilegiados do cume.

Sentei-me no parapeito exposto e voltei a admirar o horizonte escuro, embelezado por luzes roxas luxuriantes que planavam em sintonia nos arredores do reino de El Paso e seguiam paralelamente a uma montanha distante, o mesmo lugar onde um dia se chamou Colina de las Estrellas. Esse fenômeno que conferia um aspecto sinistro à cidade era o começo das tais horas sombrias.

Se sob a luz o reino se enfeitava com cores, flores e sabores dourados e místicos, durante aquelas horas o desfile dos perdidos apoderava-se da cidade. Montoya me avisou que os perdidos eram almas presas, que jamais conseguiram fazer a passagem, estagnados pelo sentimento de vingança, remorso e sofrimento. E também que, quando a Princesa da Morte vivia ali, ela costumava presenteá-los com a perspectiva de um novo começo e os guiava até a nova vida. No entanto, desde sua expulsão para o Mundo de Los Vivos, os perdidos acumularam-se. Estar na presença deles podia ser perigoso, por isso, até que a luz voltasse a cintilar, não era seguro deixar o interior da torre.

A vista do monte roxo não era assustadora — embora de noite fosse mais fácil ignorar a altitude que aquilo deveria ter —, apenas muito melancólica. Eu fiquei por ali não fazendo nada além de descansar o olhar sobre as margens de El Paso. A sensação era de que despertaria a qualquer momento de um sonho se fechasse bem os olhos, uma maneira fácil que minha covardia encontrava para encarar o problema. O vento do lado de fora gelava meus pés descalços e pouco me protegia a camisola branca e longa que decidi vestir, daquelas que apenas se via princesas usarem em ilustrações, com babados e renda costurada nas costas. Era tão surreal que até aquele detalhe me encorajava a fechar os olhos e despertar. Porém, no instante em que os abria novamente, ainda estava sentada no parapeito de uma torre no Mundo de Los Muertos.

Assim que tudo escureceu completamente, decidi voltar para o quarto, porém, antes que abandonasse meu lugar na janela, algo me chamou a atenção: um violino começou a tocar. O som vinha da colina e, mesmo com a distância, a melodia era distinta, clara e taciturna. Fechei os olhos para me concentrar nas notas que embalavam a triste canção. Seria um ótimo incentivo para adormecer, não fosse o aperto que causava no meu coração a cada nota soprada para mim. Tão solitária e perdida no vazio, parecia um...

— É um pedido de socorro. — A voz de Paco me assustou e, por consequência, dei um saltinho no lugar.

— Paco, seja menos discreto na próxima vez. — Instintivamente, coloquei a mão sobre o coração e senti os batimentos acelerados. Encontrei a silhueta de Paco ao que ele saiu das sombras.

— Desculpe, não foi minha intenção assustá-la, señorita Eva. —  Seu olhar também  acompanhava a paisagem ao longe, tão triste quanto a música que ecoava.

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