O clima da tempestade deu um ar mais trágico a esse dia, bem como eu gosto, por acaso já viram chamas vivas em uma chuva? Talvez essa seja a primeira vez, não por estarmos rodeados de magia aqui em Nosória, mas porque isso é um evento mais do que especial. Foco na história, calem a boca e continuem, obrigado.
Giovanni havia decidido seguir o tal de Rock, junto a eles estavam uma tropa de mais ou menos 30 homens, todos dispostos a vasculhar, cavar, mergulhar, voar, ir até o fundo do inferno só para encontrar a tal criatura, como antes, Giovanni não via Rock com muito carisma, ele o achava um pouco... Frio demais, arrogante, e isso o fez levantar suspeitas sobre outros assuntos da Capital, mas agora a única coisa que importava era encontrar aquele Dant'io e elimina-lo. O objetivo primário dos guardas era justamente o vilarejo de Kojiro, onde eu e Charla estávamos, e mesmo lá sendo um dos lugares mais "frequentados" de Rock, ele não se importava com o que iria acontecer naquele lugar, nem um pouco. Giovanni o estava encarando diretamente e garanto que ele não demorou muito para notar.
– Qual o problema? Perdeu algo em minha cara? – Rock o olhou por cima do ombro fazendo um expressão de desprezo.
– Tch... Só estou curioso para saber quem é essa sua esposa de quem o seu Comandante falou, você não tem cara de gostar de companhia.
– E isso importa? Cale a boca e se concentre na missão, não suporto idiotas como você!
Giovanni rangeu os dentes apertando firmemente o cabo de sua espada, e para ser sincero, gostaria de ver qual dos dois venceria num mano a mano, mas infelizmente não aconteceu nenhuma disputa ou luta entre os dois, pelo menos não ainda. O céu havia ficado completamente negro, não só por causa das nuvens, mas porque o entardecer estava terminando, e a chuva apenas aumentava todo aquele breu, as lanternas de vela não eram muito eficazes nesses momentos, e muitas das vezes se apagavam com o movimento excessivo do ritmo dos cavalos. Mais trovões e relâmpagos cortavam os céus, os fortes estrondos intensificavam ainda mais a gravidade da situação, e tudo isso contribuía para a horrível sensação que eu sentia no peito naquela noite.
[...]
Já estávamos em casa a um bom tempo, minha mãe havia me dado banho e agora preparava o jantar, hora ou outra olhava para a janela com toda a calma do mundo, ela parecia contente com a chuva, ao contrário de mim que estava encolhido na cama debaixo dos cobertores, e bastou apenas outro relâmpago cortar os céus para me fazer dar um pulo e um berro.
– AAAHH!! M-mamãe... – Eu pulei da cama correndo até ela, abraçando suas pernas.
– Está tudo bem, está tudo bem, calminha Ukiro – Ela deixou a concha de lado e me pegou em seus braços, balançando levemente enquanto me dava um beijo na testa – Não precisa ter medo, porque eu vou te proteger. A chuva não pode te pegar aqui dentro, porque ela sabe que você é meu, só meu!
– Mas... Os trovões são muito altos... E se algum raio me atingir?...
– Hmm... Eu já sei! – Minha mãe me colocou sobre o sofá, enrolado na coberta e cercado das almofadas, e acabou rindo depois pois acho que fiquei com uma cara de confuso – Assim você vai ficar protegido, e... – Ela puxou debaixo da gola de seu vestido, um colar que antes eu nem tinha percebido, seu pingente era um pequeno coração negro que refletia o brilho das velas que iluminavam a casa – Com meu amuleto da sorte, você vai se tornar um menino muito corajoso e não vai ter medo dos trovões.
– Amuleto?... E-ele funciona?!... – Eu dei um pulo todo animado, com os olhos vidrados no suposto amuleto, era tão bonito e garanto que feito a partir de alguma jóia.
– Sim, funciona sim, foi por causa dele que eu te encontrei, meu pequeno Ukiro. – Charla se agachou a minha frente e colocou o colar em mim, meus olhos brilharam de emoção, eu realmente acreditei que ele tivesse esse "poder mágico". Minha mãe riu com a cena, e me deu outro beijo no mesmo lugar de antes, voltando a se levantar – Cuide bem dele e ele cuidará bem de você meu pequenino.
– S-sim! Eu vou cuidar!...
Foi um momento bom e um pouco fofo, mas cortado por outro som alto e forte, e dessa vez não era um trovão, a porta se abriu e bateu com o vento a empurrando, e tanto eu quanto minha mãe nos assustamos ao olhar para lá, uma mulher usando um manto negro passou pelo batente, e por um instante meu coração parou, Charla olhava abismada aquela silhueta, e eu podia jurar que sabia quem era aquela pessoa, mas acho que estava errado, pois a mamãe correu até ela e fechou a porta o mais rápido possível, segurando a mão da mulher a trazendo até o sofá também. Eu me escondi no cobertor porque não queria ser visto obviamente e também porque não sabia quem era, mas pelo que parecia era alguém bem próximo de Charla.
– Eu não o encontro... Não o vejo faz dias, Charla... O que pode ter acontecido? – A misteriosa mulher tirou o capuz revelando seu rosto, aparentava ser uma mulher mais velha, tinha alguns fios grisalhos e algumas rugas, mas tirando isso, estava até que bem conservada para a idade – Shun não voltou desde o dia em que foi para a capital... E se algo tiver acontecido!?
– O Doutor ainda não voltou? Isso é estranho... Mas por favor se acalme Senhora Mary... – Minha mãe se ajoelhou na frente da pobre mulher e segurou suas mãos tentando a acalmar. E antes que façam errado, se pronuncia "Mari" e não "Merry" – Garanto que está tudo bem com ele... Afinal ele esteve aqui antes de partir, nós o vimos muito bem.
– S-sim, eu sei, ele me disse que iria concluir uma pesquisa e... Espera, você disse nós, tem mais alguém com você Charla? – A mulher piscou os olhos um pouco confusa e minha mãe apenas sorriu sem graça.
– É... Sim, eu meu filho, Ukiro. Ele está bem aí Senhora Mary, não o viu quando entrou? – Minha mãe passou até minha frente, e me puxou para um abraça apertado, roçando a bochecha na minha – Era pra ser um segredo, mas, o Doutor já o conheceu. E-eu ia apresentá-lo depois, eu juro!
Eu ainda estava bem escondido debaixo do cobertor, deixando apenas uma parte do rosto a mostra, mas dúvido que dava pra ver alguma coisa devido o escuro. Lentamente eu abri a coberta para me "apresentar" e justo nesse momento outro relâmpago cortou os céus, iluminando minha imagem que deve ter ficado no mínimo assustadora, pois a reação de Mary não foi das melhores. Ela deu um pulo se levantando do sofá e se afastando alguns passos, seu rosto estava horrorizado e minha mãe tinha acabado de perceber que essa não tinha sido uma boa idéia.
– Essa não... S-senhora Mary, está tudo bem, Ukiro é um menin-...
– Charla!! Por que o demônio da vila está escondido na sua casa!? Não me diga que você... – Ela alternava seu olhar ora para mim, ora para minha mãe, até ter ligado completamente os pontos que sua mente criou – V-vendeu sua alma pra essa criatura!? Sabe as consequências disso?!? Você traiu a igreja Charla! Traiu a vila! Traiu ao nosso deus!!
– Se-senhora Mary por favor pare...
– Alguém como você cometendo um pecado desses... Foi tudo uma farsa... Uma encenação, agora sei que fim levou meu marido, morto por uma bruxa! – A Maluca saiu correndo para a porta, e minha mãe foi atrás na tentativa de impedí-la.
– Senhora Mary por favor me deixe explicar!!
Eu estava horrorizado com a cena ou confuso, mas acima de tudo assustado, eu sei que ela se referia a mim quando disse demônio, quem mais seria se minha mãe parecia mais com um anjo. Eu me encolhi na coberta e segurei o choro, mamãe conseguiu segurar Mary pelo braço, de uma forma não muito delicada, mas o que podia ser feito? A mulher sem pensar duas vezes se virou com um tapa rosto no de minha mãe, que caiu desconcertada de bunda no chão com a mão sobre a bochecha. Eu pensei em correr até ela, mas o que ela faria comigo também se eu me aproximasse daquele jeito?