As vezes que um livro salvou minha alma

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Foi só eu tirá-lo da bolsa. 

Um artefato grande e pesado, um hobby não terminado. Os olhares de curiosos sobre o livro entre minhas mãos. Me pergunto se é agradável ou um incômodo. Entre as pessoas que entram no vagão, de dez pessoas duas se interessam. Talvez seja um incômodo que não incomoda, pois as pessoas fingem que ele não está ali. Estão torpes com o rosto petrificado em suas telas móveis - o que deixo aqui uma observação, não uma crítica social. Não me sinto especial por ler.
Aliás, não me sinto especial de forma alguma, pois o rapaz do meu lado lê Dostoievski. Alguém pode estar lendo no seu celular.
Não é muito especial ler quando nos sentimos solitários. Eu leio porque sou solitária. O livro me preenche espaços que eu mesma não conhecia. Eu nem me lembro de estar dentro de um vagão. Eu não percebi que chegavamos à estação Barra Funda.
Eu sou mais ainda solitária na Paulista. Na Paulista ninguém liga pra você, pois você não é especial e isso é bom. Uma multidão se encaminha à livraria mais próxima. Essas pessoas conhecem mais livros estrangeiros do que eu. Por isso não sou especial.
Eu não sou especial porque eu leio um livro. Nem dois nem 15 por ano. Minha especialidade é ser especial dentro do livro. Todo mundo é uma outra pessoa dentro deles. Eu não conheço ninguém aqui com os livros abertos retirados das estantes e talvez nem mesmo eles se conheçam, pois eles roubam as personalidades desses personagens que possuem problemas piores que eles.
Mas todo mundo quer observar o título que você lê. Eu acho especial que a minha falta de ser especial faça as pessoas se interessaram em histórias que talvez as façam se sentir especial.
Eu preciso de um personagem que me faça me sentir assim, querer roubar sua personalidade para se sentir especial.

Contos da mente fluorescenteOnde histórias criam vida. Descubra agora