“Se você pode fazer uma garota sorrir, você pode qualquer coisa.”
Marilyn Monroe*********
Família LuthorLena me olhou confusa, mas virei o rosto. Ela ficou desconfortável com a minha reação, mas eu não conseguia olhar para sua tristeza, vendo o filho de outro homem naquela tela.
Em primeiro lugar por seu afastamento já estar doendo em mim antes mesmo que acontecesse. Chorar e me ressentir por essa criança não ser dela não adiantaria nada agora. Foi bom enquanto durou, e infelizmente durou pouco tempo.
Em segundo lugar, nesses poucos minutos eu já tinha desenvolvido um sentimento tão forte de proteção pelo meu monstrinho, que não admitiria que nada nem ninguém se ressentisse dele, que não tinha culpa de nada, e muito menos tinha pedido para vir a esse mundo. Agora ele era minha
prioridade e teria máxima importância na minha vida, a despeito de quanto isso fosse me custar.
– Tenho que voltar para o meu paciente, você passa na minha sala antes de ir? – Lena pergunta apertando meu braço. Concordei com a cabeça, só que não, eu não passaria. – Mas antes, está tudo
bem com ela, doutor?
– Claro, Kara está ótima, pelo menos até aqui. Vou pedir ainda alguns exames laboratoriais, mas você não deve se preocupar.
– Isso é ótimo, mas eu quero saber se ela – disse apontando o dedo para a tela – está bem. Dr. Arthur riu.
– Ainda não sabemos se é ela, mas o bebê está bem, todas as medidas estão normais e o coração está batendo no ritmo certo. Lena sorriu, deu um último aperto no meu braço e saiu apressada da sala.
– A mamãe está ansiosa, não?
Não respondi, apenas me mexi desconfortavelmente na maca.Esse era o momento de eu dizer que ela não era a mãe, apenas uma amiga, mas que mal faria nesse primeiro momento me fingir de sonsa e sonhar que talvez Lena ficasse ao meu lado? Eu teria muito tempo para cair na real enquanto trocasse fraldas. Pensando no assunto, como era que se trocava uma fralda, mesmo?
Depois da consulta e com as guias de exame nas mãos, liguei para Nia, que me atendeu no primeiro toque.
– Oi, amiga – cumprimentou ela.
– Preciso te ver – informei, fazendo uma pausa. – Posso ir até sua casa?
– Claro, está tudo bem?
– Está sim, chego em vinte minutos. – Tão bem quanto uma explosão nuclear. Dirigi para a casa dos Luthor com o pensamento a mil.
Bati na porta e fui recebida por Lilian, como sempre, linda e com sorriso no rosto.
– Oi, meu bem, entre, entre – pediu, acenando para que eu entrasse. Depois fechou a porta e me empurrou para a cozinha. – Como você tem passado?
– Eu estou bem – menti. – E Lionel?
– Ainda no trabalho. – Ela se remexeu. – Sente-se. Você me acompanha num café? Nia está no banho, já, já ela desce.
– Claro.
Ela se levantou, pegou duas xícaras no armário e serviu o café de uma garrafa térmica.
– Eu bebo isso o dia inteiro se deixar – reclamou enquanto se sentava à minha frente e me empurrava uma xícara. – É um vício que não consigo abandonar.
– Acabei me acostumando por causa do escritório, tomar café é uma ótima maneira de passar o tempo.
Ela sorriu e eu me preparei para tomar a primeira golada, mas o aroma do café invadiu meus sentidos antes que eu provasse seu gosto e fui acometida por uma vontade alucinante de despejar tudo que tinha no meu estômago em cima da mesa. Vendo meu desconforto e minhas mãos voarem para minha boca, Lilian de assustou.
– Você está bem?
– Estou, eu… – saí correndo da cozinha e a deixei falando sozinha, voei para o banheiro mais próximo e me escorei na privada, despejando meu almoço. Droga, aquele frango estava uma delícia.
Lilian bateu na porta para se certificar de que eu não precisava de um médico, e não, eu não precisava, e precisava menos ainda me deparar com a médica que ela chamaria. Lavei o rosto e saí do banheiro.
– Me desculpa, eu não sei o que aconteceu – eu disse, sentando-me outra vez à mesa e afastando a xícara para longe sutilmente. Só de olhar para seu conteúdo minhas estranhas se reviravam. – Acho que o almoço não caiu bem.
Ela me olhou por um momento com os olhos atentos, colocou as mãos nas minhas e perguntou:
– Para quando é? – Não entendi sua pergunta e vendo minha cara de desentendida, ela continuou: – O bebê. É para quando?
– Eu, é…
Merda.
– Querida, você veio à minha casa há poucas semanas, tomou meu café – disse sorrindo – e não passou mal.
– Na verdade o frango que comi no almoço estava com uma cara esquisita e…
Ela balançou a cabeça me cortando.
– Eu também enjoei de café – disse suspirando, decerto se lembrando –, mas só na gravidez da Nia. Com Lena eu tive bem mais problemas além do café. Ela não deixava nada parar no meu estômago – riu.
Não adiantaria esconder, não é? Dali a alguns meses eu talvez nem conseguisse passar pela porta e todos descobririam de alguma maneira.
– O médico disse que é para abril, provavelmente – respondi, suspirando. – Só descobri no final de semana, eu não fazia ideia.
– Mas então você está com mais de três meses? – perguntou confusa.
– Aproximadamente treze semanas.
Tanto tempo vivendo com alguém dentro de mim, e eu sem fazer a mínima ideia.
– Então Lena, ela não… – Ela não terminou a pergunta e mesmo assim eu entendi.
– Não – confirmei. Infelizmente não. – Eu e sua filha somos somente amigas.
– Kara, minha filha nunca puxou uma cadeira para uma mulher se sentar à mesa – declarou, balançando a cabeça. – E eu ensinei isso a ela, não foi por falta e educação, mas ela estava esperando pela mulher que merecesse esse gesto. – Eu não soube o que lhe responder. – Ela já sabe?
– Sim, ela sabe. – Minha garganta estava se apertando. – Ela apareceu hoje no consultório do Dr. Arthur e assistiu ao exame.
– Ele é um ótimo médico – garantiu Lilian. – Como minha filha reagiu a tudo isso? – perguntou, apoiando a cabeça nas mãos.
– Ela é só…
– Uma amiga?
Confirmei com a cabeça.
– Eu sei que não é, minha querida. Mesmo se eu não tivesse um bom relacionamento com ela, saberia que vocês iniciaram alguma coisa, só um cego não veria a maneira como ela a olha. – Lilian se levantou e foi até a geladeira. – E não pense que não percebi como você também a olha – acrescentou, retirando uma garrafa de água mineral e depositando nas minhas mãos.
– Não vai durar – admiti. Como poderia?
– Se ela realmente ama você, vai durar sim – afirmou enquanto voltava a se sentar e pegava em minhas mãos. A essa altura, lágrimas escorriam pelos meus olhos. – Ela não é mais uma garota, querida, ela vai saber lidar com a situação.
– Até que ponto? Acabamos de começar a nos envolver, não temos nenhuma base para enfrentar isso juntas. – Limpei o rosto. – E eu também não desejo que isso aconteça.
– Por que não? – perguntou espantada.
– Porque ela não merece isso – respondi, limpando o rosto. – Sua filha é uma mulher incrível, tem uma carreira brilhante, é bonita e chama a atenção por onde passa, eu não vou prende-la ao meu lado.– Essa escolha ela que terá que fazer – sorriu.
– Como você pode estar tão calma com a possibilidade da sua filha querer ficar com uma mulher grávida de outro cara?
Lilian era um mistério para mim. Se fosse a mãe do Mike, eu já teria sido enxotada com uma vassoura.
– Porque meus pais nunca quiseram que eu me casasse com Lionel, eles o odiaram no momento em que nos conhecemos, eu ainda era uma garota. – Parou para respirar. Eu não tinha ideia do que aquilo tinha a ver com a minha pergunta. – Sabe por quê? – Neguei. – Porque ele era pobre. Como se
a falta de recurso mostrasse sua personalidade, mas eu não o via assim. Eu via um lindo garoto de olhos verdes que vivia sorrindo e sempre fazendo de tudo para que eu também sorrisse para vida. Realmente ele não tinha condições financeiras, mas sempre trabalhou muito e juntava todo dinheiro que ganhava. Ele me prometeu um futuro e eu aceitei, porque eu o amava com todas as minhas forças, e ainda amo.
– Seus pais o aceitaram depois?
Ela negou com a cabeça.
– Demorou muito para que isso acontecesse. Primeiro eles se negaram a falar comigo quando contei minha decisão e não foram ao meu casamento. Você sabe o que é isso? Ser levada ao altar pelo sogro ao invés do pai? Meu coração se partiu e eu concluí que eles não me amavam tanto quanto eu pensava, já que não estavam preocupados com a minha felicidade, o que, por sinal, o dinheiro não compra – explicou, apertando minha mão. – No começo a vida foi difícil, vendíamos o almoço para ter o que comer na janta, como dizem por aí, mas eu sempre acreditei em Lionel e ele nunca deixou que me faltasse nada. Ele começou a trabalhar em uma transportadora e a vida começou a melhorar, ele foi subindo de cargo e subindo até que decidiu criar sua própria empresa. Ele era seu único funcionário – riu – e eu continuei a apoia-lo. Hoje ele é dono da própria transportadora, mas eu ainda
seria feliz ao seu lado mesmo que ele não tivesse um tostão no bolso.
– A história de vocês é linda – suspirei.
– É sim, alguns meses depois que Lena nasceu, meus pais apareceram na minha porta. – Uma lágrima escapou de seus olhos. – Lionel tinha ido vê-los e lhes contado sobre o neto, o que eu me neguei a fazer. Foi um bonito reencontro e eles voltaram a fazer parte da minha vida, mas nunca mais foi a mesma coisa. Eu os perdoei por terem me virado as costas, mas nunca esqueci.
– Não tem como esquecer esse tipo de coisa – comentei, pensando em mim mesma correndo para fora daquela igreja. Parecia que tinha sido há muito tempo, mas a lembrança ainda fazia com que eu me encolhesse na cadeira.
– Não, não tem – concordou Lilian, olhando para mim. – Por isso eu decidi que jamais faria o mesmo com meus filhos. Eles são livres para amarem a quem escolherem e eu sempre, Kara, sempre vou apoia-los.– Isso é lindo da sua parte, mas sabemos como tudo vai terminar, não sabemos? – Suspirei frustrada.
– Sobre o que vocês estão conversando? – perguntou uma Nia curiosa, entrando na cozinha com os cabelos pingando. – Desculpe a demora, amiga, mas precisava lavar essa juba.
– Nada de mais, filha, estávamos conversando sobre as novas flores que eu vou plantar no jardim.
Eu me sentia grata pela proteção, mas queria acabar com isso logo.
– Eu tô grávida – confessei. Nia riu e se jogou em uma cadeira, depois parou e olhou bem para mim, notando que mais ninguém ria.
– É brincadeira, né? – perguntou. – Você me disse que vocês ainda não tinham transado. – Tinha como ficar pior? Olhei feio para ela e virei a cabeça indicando sua mãe. – Relaxa, ela sabe sobre você e Lena – contou Nia.
– Não é brincadeira, Nia– garanti, ainda vermelha de vergonha.
– Eu vou ser tia? – gritou, pulando da cadeira e correndo em volta da mesa. Em seguida, ela atirou seus braços ao redor do meu pescoço, fazendo eu me debulhar em lágrimas. Isso tudo seria muito mais difícil do que pensava. – Por que você está chorando, amiga? É uma ótima notícia, tirando o fato de que eu vou te matar por não ter me contado…
– O bebê é do Mike– soltei, e os braços dela caíram ao lado do corpo. Ela estreitou os olhos e me puxou da cadeira, enxugando minhas lágrimas antes de me abraçar. Eu me deixei envolver e retribuí o gesto.
– Dane-se, eu vou ser tia do mesmo jeito – falou no meu ouvido.
Ela ia sim, porque não importava o que aconteceria entre Lena e eu, Nia não entraria na partilha. Por mais que a situação ficasse difícil e ela tomasse partido de sua irmã, eu não abriria mão dela na minha vida.
– O que está acontecendo aqui? – perguntou Lionel, jogando o paletó em cima de uma cadeira e se sentando. – O que você está fazendo com a minha filha? Pensei que você gostasse da minha outra filha.
– Quem contou para ele? – perguntei, largando o corpo na cadeira e Lilian riu.
– Fui eu, eu não aguentei quando Lena me contou, e eu precisava dividir a fofoca.
– Fica calmo, pai, eu ainda sou a segunda opção – brincou Nia.
– Por que você tá chorando? O que foi que minha filha já aprontou? – perguntou Lionel, chutando os sapatos para longe e roubando minha água. Nia me olhou e eu assenti.Como eu tinha dito, melhor acabar com isso de vez, pois os piores dias ainda estavam por vir.
– Ela está grávida – anunciou Nia.
Sentei-me de novo na cadeira e esperei pela reação que eu já sabia qual era. Suas pupilas se dilataram, ele agarrou os cabelos com a mão e exclamou:
– Eu sou muito bonito para ser avô – disse, afundando a cabeça nas mãos. Um piadista. – Lilian, nossa filha foi rápida dessa vez. Eu a mato ou fico feliz?Antes que ela pudesse responder, me preparei para falar e acabar com a sua agonia, mas Nia foi mais rápida.
– O filho é do outro, pai.
Lionel levantou a cabeça e olhou dela para mim.
– Do otário que a deixou plantada na igreja? – Até onde a história corria… Era admirável. Nia confirmou. – Isso é uma grande merda! – exclamou, levantando as mãos para o alto. Ele tinha resumido bem! Era uma grande, grande merda. Fiquei sem ação. – O idiota já sabe?
– Ainda não, ninguém sabe além de vocês e da Lena – respondi. – Alex vai me matar.
– Calma, não vai ser tão ruim – Lilian tentou me tranquilizar. Por acaso ela conhecia Alex?
Eu não tinha mais certeza.
Lionel ficou visivelmente abalado; era óbvio que ele não teria a mesma reação de Lilian, ele era mais prático.
– Você vai ter a criança? – perguntou na lata.
– Lionel! Pai! – exclamaram Nia e Lilian ao mesmo tempo, mas não me importei. Era uma pergunta que mais de uma pessoa faria.
– Vou – afirmei decidida.
– Então que Deus nos ajude, porque isso vai acabar com a minha filha – declarou Lionel. Finalmente alguém estava entendo a minha visão da situação.
– Ela vai superar, estamos juntas há menos de duas semanas – tranquilizei.Lionel murmurou um “não sei, não” tão baixo, que pensei que não fosse para eu ter ouvido. Eu estava magoada e chateada com a situação e queria somente ir embora, me trancar no meu quarto e não sair de lá nunca mais.