Capítulo 9: Luke Bennett.

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Eu entrei na pequena casa na árvore e observei o interior. O tronco da árvore não era tão grande, mas o interior da casa era enorme. Era apenas uma falsa impressão que tínhamos do lado de fora. Havia mesmo uma lareira, assim como um sofá peculiar que parecia ser feito de musgos e uma porta que dava para a cozinha.

—Sente-se no sofá. Vou preparar uma sopa. —O duende gesticulou na direção do sofá de musgos, enquanto fechava a porta atrás de mim e então caminhava até a cozinha. —Bella, desça aqui. Temos visita.

Fiquei parada no meio da sala, mesmo que ele tivesse me mandado para o sofá. Meus dedos seguindo a língua irregular e rasgada da minha camisa. O duende desapareceu na cozinha, resmungando alguma coisa baixa que não entendi o que significava. Mas ele não parecia nem um pouco feliz. Ranzinza, como Raven bem tinha dito.

Abaixei a cabeça ao pensar em Raven. O nome dele soava estranho na minha cabeça. Lembrei de quando estava voando. O medo de cair do dragão me deixou tão dura que Raven precisou me segurar para que eu não escorregasse em vários momentos. É o corpo dele parecia fogo puro.

O barulho de passos no segundo andar me despertou dos meus pensamento e eu certamente não deveria estar pensando em alguém que eu nem conheço. Olhei para a escada e observei a mulher que descia os degraus irregulares feitos de galhos. A pele negra era da mesma cor dos cabelos cacheados, mas os olhos eram de um tom tão claro de violeta que praticamente fiquei sem fôlego, porque nunca tinha visto nada igual.

—Ah, olá. —Ela abriu um sorriso para mim, parecendo surpresa em me ver, como se esperasse que fosse algum conhecido. Abri um sorriso sem graça, porque sabia que estava em um estado horrível.

—Raven acabou de trazê-la aqui. —O duende apareceu na porta da cozinha, antes que eu pensasse em dizer qualquer coisa a mulher de belos olhos. —Ela está machucada, eu acho. Troque os curativos dela enquanto eu faço uma sopa.

—Você está com fome? —Questionou, e eu voltei a olhar pra ela, sentindo minha barriga roncar só de pensar em comida.

—Sim. —Consegui falar pela primeira vez, sentindo minhas bochechas muito quentes, porque a mulher me encarava como se pudesse ler minha mente. —Na verdade, estou morrendo de fome. Não como nada a dois dias.

—Qual o seu nome?

—Christina. —Sussurrei, e o sorriso dela ficou maior, como se gostasse do meu nome.

—Eu sou a Bella. Moro com o ranzinza do Kaer. —Comentou e eu ouvi um resmungo de Kaer na cozinha, o que me fez soltar uma risada baixa, porque pensei que ele pudesse não gostar se me visse rindo. —Venha, querida, vamos cuidar de você.

Segui ela pelos degraus, tomando cuidado para não cair, já que o espaço era estreito. Havia quatro portas no corredor e ela entrou logo na primeira. Juntei as sobrancelhas, olhando ao redor e me sentindo muito confusa naquele momento, porque aquela casa era realmente muito maior do que parecia. Só lado de fora não daria para ter ideia de que havia um segundo andar

—Imagino que vai querer se banhar. —Ela me lançou um olhar curioso quando entrei no cômodo onde ficava a banheira e eu assenti com a cabeça, vendo-a começar a encher de água uma pequena banheira feita de pedra. —Se incomoda de tirar as roupas na minha frente? Quero ver se você precisa de poção de cura ou se seus machucados são muito feios.

—Eu machuquei meu braço só. Mas não senti nada nele hoje. —Comecei a tirar as roupas. Estava tão cansada que realmente não me importava de fazer isso na frente dela.

Tirei a camisa com cuidado, antes de desenrolar o pedaço dela que eu havia arrumado no meu ombro. Fiquei incrédula quando percebi que não havia mais nada ali. Uma pequena cicatriz marcava minha pele, onde deveria haver um corte profundo. Mas agora só restava sangue seco misturado com terra e grama.

          

—Você bebeu uma poção de cura? —Questionou, e eu imaginei que deveria ter sido o que a mulher no trem tinha me dado. Confirmei com a cabeça, porque também não queria explicar aquilo. —Você ficou assim depois do dia do festival de outono?

—Sim. —Concordei, vendo-a exibir uma expressão de pesar, antes de parar a água da banheira quando ela já havia enchido o suficiente. —Todos os lugares foram atacados por eles?

—Infelizmente sim. —Ela me lançou um sorriso triste, antes de me deixar passar por ela para entrar na banheira. A água morna quase me fez soltar um gemido, porque eu estava mesmo precisando daquilo. —Leve o tempo que precisar. Deixarei algumas roupas minhas no quarto ao lado para usar. Acho que vão servir.

Assenti com a cabeça, sabendo que ia precisar agradecer muito a ela por tudo isso mais tarde. Afundei na água quando Bella saiu e me deixou sozinha. Fechei meus olhos com força, sentindo uma pressão insuportável nos meus ossos, antes de sair de dentro da água e encarar a parede. Sozinha e segura de fato, finalmente me permiti chorar.

[...]

Me arrumei e desci para encontrar os dois sentados na mesa já comendo sopa. Bella me chamou para sentar ao lado dela, me servindo uma porção generosa. Kaer ignorou minha presença, enquanto Bella pareceu perceber que eu estava com muita fome, porque esperou que eu terminasse antes de me servir uma segunda vez.

—Então o que quer com a Zaia? —Bella questionou, e eu enfiei uma colher de sopa na boca, precisando de um momento para pensar no que responder, porque nem eu mesma sabia disso.

—Eu não sei bem, foi a minha mãe que me mandou vir atrás dela. —Falei, umedecendo os lábios com a língua quando Bella ergueu uma das sobrancelhas.

—E onde está a sua mãe agora? —Indagou, e eu me encolhi no lugar, sentindo até mesmo a sopa esfriar na minha frente, como se alguém tivesse jogado gelo dentro dela. Bella apertou os lábios parecendo entender o que minha reação significava. —Ela morreu, eu acho, assim como o meu irmão. A gente tentou chegar até as docas do distrito V quando o ataque começou. Meu irmão desapareceu na floresta sendo arrastado por um lobo negro. E a minha mãe ficou para trás para me dar mais tempo, porque não íamos conseguir chegar lá com o tanto de criaturas atrás de nos.

Enfiei a mão no bolso e puxei aquele papel. Estava todo amaçado agora, mas eu ainda reconhecia as palavras da minha mãe e a letra dela ali. Estendi aquilo a Bella, sentindo meus lábios tremerem quando alguma coisa dentro de mim se partiu quando pensei que tinha perdido tudo em uma única noite que deveria ter sido para festejar.

—Ela me entregou isso antes de nos separarmos. —Sussurrei, umedecendo os lábios com a língua. Meu coração apertado dentro do peito, me deixando sem fôlego. —Eu só estava seguindo o último pedido que ela me fez, mas não sei o porquê.

—Eu sinto muito, querida. —Bella soltou, e eu agradeci com um sorriso pequeno, antes de voltar a comer. Já não estava mais com fome. Aquela conversa tinha me deixado enjoada. Mas me forcei a comer o resto para não fazer desfeita. E eu também não sabia o que iria acontecer quando Raven voltasse e me levasse até a Zaia.

—Se sua mãe a mandou atrás da Zaia, deve ter um bom motivo. —Kaer exclamou, e eu olhei pra ele por um momento, porque era surpreendente o quanto todo mundo falava dela como se ela fosse importante demais. Deveria ser mesmo. Uma arcadiana que se tornou elemental.

—Ela disse que Zaia era a única pessoa que podia me ajudar. —Falei, e dei de ombros, antes de fazer uma careta quando vi os dois trocarem um olhar demorado, como se estivessem tendo uma conversa silenciosa.

—Você disse que tinha um irmão. Como era o nome dele? —Bella questionou, e eu abaixei os olhos, sentindo gelo se arrastar pela minha pele. Pensar nele era difícil. Falar era mil vezes pior, porque eu só queria que ele estivesse ali comigo.

—Luke Bennett. —Sussurrei, empurrando o prato vazio pra frente, sentindo brasas na minha barriga, trazendo um gosto amargo e quente para minha língua. —Ele era meu irmão gêmeo.

Os dois não falaram nada e eu os vi trocar um olhar demorado mais uma vez. Kaer se levantou, juntando as coisas da mesa e levando para a cozinha. Bella se levantou para colocar mais lenha nas chamas da lareira. Segui ela com os olhos, prestando atenção no silêncio do lado de fora da casa. Parecia que as criaturas não haviam encontrado aquele lugar.

—Ouvi algumas poucas coisas sobre a Zaia desde que os falesianos chegaram ao meu vilarejo. Não sabia que ela era uma elemental. —Falei, passando a mão pelos meus cabelos úmidos, sentindo os frios embaraçados demais, mesmo depois de eu ter os penteado.

—Zaia é a única elemental da água que existe. Foi um milagre enorme ela ter aparecido, porque precisávamos muito dela. Ela é muito importante pro nosso mundo. —Bella afirmou, e eu prestei bastante atenção, vendo-a se virar para me olhar com muita confiança. —Sua mãe pode não ter tido tempo de explicar, mas aposto que a Zaia vai ajudar você. Talvez até mesmo ajude a encontrar seu irmão.

—Ele está morto. Você não precisa me dizer isso para fazer eu me sentir melhor, porque eu sei que ele morreu. —Rebati, e Bella se contraiu um pouco com a minha resposta. Mas eu não queria a pena dela e muito menos a esperança de algo que era impossível. —Antes do festival Luke me disse que tinha uma surpresa para mim. Disse que nossa vida ia mudar para melhor. Nunca vou saber o que ele pretendia me dizer, mas ele estava certo sobre uma coisa, nossa vida realmente mudou.

Apertei minhas mãos com força, mordendo o interior da bochecha quando senti minha garganta se fechar e meus olhos arderem com a súbita vontade de chorar. Tinha tido meu tempo chorando até soluçar na banheira. Até a água ficar super fria. Mas parecia que não era suficiente, porque eu queria ficar sozinha pra poder chorar de novo. Pra poder me odiar mais um pouco por não ter conseguido ajudá-lo. Ajudar os dois.

—Se sua mãe disse que Zaia é a única que pode te ajudar, confie nela. —Bella afirmou, desviando os olhos quando percebeu que eu estava quase chorando, parecendo não querer me deixar desconfortável. —Zaia já salvou nosso mundo uma vez. Ela vai saber o que fazer quanto te encontrar.

—É verdade que foi ela que derrubou a barreira mágica? —Questionei, e Bella me olhou por cima do ombro, abrindo um sorriso como se estivesse esperando que eu perguntasse isso. Ela voltou a se aproximar e se sentou ao meu lado.

—Todos os elementais ajudaram a derrubar a barreira mágica, mas a ideia partiu dela. Zaia queria que seu povo tivesse a oportunidade de crescer. —Bella passou a mão pelos cabelos escuros. Os olhos violetas parecendo ainda mais iluminados enquanto ela falava. —Mas acho que isso só foi possível por conta da grande profecia, e da presença de Percy e Raven nessa história.


Continua...

As Crônicas de Scott: A Maldição / Vol. 3Onde histórias criam vida. Descubra agora