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AZRIEL

Há esse momento na vida, quando você tem em suas mãos tudo que sempre sonhou e contempla aquilo. Contempla como uma pintura viva, e abençoada seja a Mãe por ter feito-a, pois é a coisa mais linda do mundo.

Seria o momento mais especial da minha vida se ela não tivesse quase morrido nos meus braços.

Minhas mãos estavam manchadas de sangue e minha testa escorria de suor. Fiquei lá, em pé, ofegante e observando a respiração dela voltar ao normal, aguçando minha audição ao máximo para escutar seu coração e certificar-me de que estava batendo constantemente. Mor chorava com a testa apoiada no ombro exposto da garota, mas era um choro de alívio. Cass e Amren estavam respirando forte atrás de mim, e Rhys jogou-se no chão de frente para o braço do sofá, onde a cabeça de Helena repousava num travesseiro manchado do sangue da mesma que escorreu de sua boca, uma mão tatuada fazendo carinho no cabelo escuro dela. Até Madja se permitiu parar por um momento para compreender que tínhamos conseguido. Tínhamos a salvado.

Com um suspiro, a curandeira pareceu se recuperar. Arrumou a postura e disse firme:

__Ela precisa ser limpa. E precisa de repouso absoluto por pelo menos três dias. Ela vai cicatrizar sozinha, tem um poder muito forte, consegui sentir enquanto trabalhávamos nela... mas precisará de descanso para sarar cem por cento. — nos observou com severidade, uma ordem silenciosa. Rhys assentiu e ergueu-se do chão, passando a mão pelo rosto.

Quando Rhys chegou na Casa, o poder do Grão-Senhor infestou cada centímetro do cômodo. Ele estava com sangue nos olhos. Diferente da frieza calculista de sempre, aquilo parecia um vulcão prestes a entrar em erupção. Ele colocou as mãos em cada lado do rosto de Helena e foi estabilizando sua respiração, abrindo suas artérias e nos dando força para terminar de curá-la antes que fosse tarde demais. Nunca me senti tão grato.

E eu nem entendia direito esse sentimento. Como posso estar tão grato por meu irmão ter salvo uma mulher que eu nem conheço? Como posso ter pensado que não conseguiria sobreviver se ela tivesse partido? Eu... eu não entendia...

__Vamos arrumar um quarto ou... — Cassian começou assim que Madja deixou a Casa, sendo interrompido por Mor, com a voz rouca:

__Não. — a olhei confuso, e ela explicou: — Acho que quando Helena acordar ela não vai gostar de estar num quarto, sozinha. Vamos acomoda-lá aqui até que ela acorde, e depois a hospedamos num quarto. Aqui ou na Casa da Cidade... enfim... — ela olhou para a moça já em sono profundo, exausta e fraca, mas ainda tão bela... — Ela vai se sentir melhor aqui. — e beijou as costas da mão da amiga.

Sabia que Mor e Rhys tinham um vínculo forte com Helena. Ela passou a frequentar a Corte Noturna nas semanas que Feyre ia para o palácio cumprir sua parte do acordo com Rhys, e eles se tornaram muito amigos. Desde Sob a Montanha, Rhys tem um carinho de irmão com a morena, e quando Mor a conheceu, se encantou com a simplicidade e doçura que a garota exalava — palavras da loira.

Amren estalou os dedos e a garota estava limpa. Ela cheirava a rosas cor-de-chá e tinha os cabelos encaracolados caindo nos ombros. Cassian deu um risinho pelo comportamento de Amren, a mesma dando de ombros e saindo porta a fora. Provavelmente para seu apartamento. Olhei para Rhys e sua expressão não era das melhores.

__O que fazemos agora? — perguntei, cruzando os braços e sentindo o desejo das sombras de chegarem mais perto de Helena... de sentir mais dela. As controlei e repreendi. — Ele vai ficar impune? — consegui ouvir minha voz saindo de dentes cerrados, a raiva ecoando.

__Não posso, burocraticamente, fazer nada contra ele. — o Grão-Senhor franziu o cenho, encarando-me. — Pode apostar, Az, eu também quero explodir ele por isso.

Eu sabia que não era só pela Helena. Era Feyre o problema principal pra ele. Não sei se meus escudos estavam baixos, se meu rosto mostrou o que eu imaginava ou se nos próprios pensamentos de Rhys algo tenha passado, mas ele inclinou a cabeça.

Sentiu algo? Ouvi a voz dele na minha mente. Apenas o encarei. Ele percebeu a intensidade em meus olhos, pois sua postura mudou, algo como surpresa e alívio contornando seu rosto. Vi o quanto ele tentou esconder um sorriso. Mor e Cass, que assistiam nós dois, pareciam entender o que compartilhávamos. Não dei chance para que ninguém perguntasse mais nada.

__Ela ainda pode ter algum problema. Posso ficar de vigia pra ela. Pelo tempo que for preciso. — tentei parecer casual, mesmo sabendo que todo meu corpo estava rígido enquanto eu oferecia passar horas e mais horas observando aquela fêmea que eu nem conhecia. Foi Mor quem respondeu, com um sorrisinho.

__Podemos revisar, sabe, Az. Você não precisa ser tão controlador. — e piscou, olhando para a amiga e dando um beijo em sua testa.

__Vou até Feyre. Talvez ela queira ver Helena o quanto antes. Deixei ela sob os olhares de Nuala e Cerridwen... mas quero estar lá quando ela acordar. — ele disse simples.

__Vá. — foi Cassian quem respondeu. — Sua amiga está em ótimas mãos. — e me lançou um olhar malicioso. Fiquei com os nervos a flor da pele.

__Oooookay... — Mor finalmente levantou do chão, caminhando até Cassian e colocando uma mão em seu peito, ela sussurrou para ele: "Não provoque."

— Você — apontou para Cass — vai tomar um banho, você está fedendo. E você — a loira apontou para mim — vai ficar de olho na Lena até que eu volte com comida quente e gostosa. Quando eu voltar, você vai pro banho e eu cuido dela... — antes que pudesse interrompê-la, ela levantou um dedo em minha direção. — Não foi um pedido. — e dando uma olhadinha por cima do ombro para a garota dormindo no sofá, Mor suspirou e saiu da Casa.

Me voltei para Cassian, que me encarava sem disfarçar. Revirei os olhos e joguei uma almofada nele, que riu. "Você está mesmo fedendo" avisei, e ele respondeu com um dedo do meio na minha cara, deixando a sala.

Olhei ao redor. Sozinhos. Eu e...

Afastei esses pensamentos. Eu estava ficando louco, só podia ser. Balancei minha cabeça como se o gesto limpasse minha mente dessas ideias absurdas, e passei as mãos pelo meu rosto e cabelo, tentando tirar essa sensação de... pertence.

Encostei na parede perto do sofá, observando-a quase sem piscar. Eu sentia uma dor estranha no peito, uma raiva grotesca ao ver o estado da fêmea no sofá. Finalmente liberei minhas sombras e no segundo seguinte elas estavam carinhosamente ao redor dela. Elas acariciavam seu rosto, sentiam seu perfume — seu perfume natural, o cheiro floral vindo da sua pele branca iluminada. Não sei quanto tempo passou; só lembro de Mor gritando para me mandar pro chuveiro e de um banho muito rápido, com o coração apertado por estar... longe.

Voltei pra sala logo depois.

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