Capítulo 4 - A Delegada e a Investigadora

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— É um versículo bíblico, doutora. — Suzane falou. Conhecia muito bem a bíblia. Vinha de uma família fundamentalista e que seguia cegamente os dogmas evangélicos. Fora criada, praticamente, dentro da igreja. Porém, ao descobrir sua orientação sexual deixara a igreja e também fora forçada a deixar a casa de seus pais. Em tempos tão retrógrados e conservadores como aqueles ser mulher já era quase um ato de sobrevivência, e gostar de outra mulher era um crime capital. A sociedade precisaria evoluir muito ainda. Mas apesar dos pesares fora capaz de enfrentar sua família e, também, o mundo, para viver um grande amor. E vivera. Fora extremamente feliz sem seguir as leis da sociedade hipócrita. Vivera momentos lindos, únicos, que hoje se transformaram numa dolorosa saudade.

Amanda franziu as sobrancelhas em questionamento.

— O que diz? — Tinha as duas mãos na cintura e demonstrava certa impaciência.

Suzane a olhou de cima a baixo. Ela era um tanto mais alta do que si mesma e já percebera que ela ficava muito bem naqueles terninhos pretos com blusa social branca. Os cabelos loiro-mel caíam virtuosamente na altura dos ombros, em leves ondas.

Por um momento seus olhos encontram aquelas intensas íris verde-turquesa, mas logo se retraiu, meio desconsertada.

— Oséias 9:1: "Não se regozije, ó Israel; não se alegre como as outras nações. Pois você se prostituiu, abandonando o seu Deus; você ama o salário da prostituição em cada eira de trigo".

Amanda sacudiu a cabeça demonstrando sua impaciência, porque nos pensamentos dela aquele assassino ainda lhe daria muita dor de cabeça. Amanda era uma mulher objetiva, impulsiva, imediatista, gostava de resolver as coisas sem demasias.

— Ou o assassino é muito religioso ou as vítimas o são. — Supôs, imprecisa. — Preciso que procure saber mais sobre o passado da vítima, Suzane.

Amanda começou a sair da sala e a investigadora a seguiu.

— Não podemos esquecer que ele tem fetiche por pés. — Suzane lembrou e deu um sorriso de um jeito meigo e muito recatado.

Amanda balançou cabeça negativamente. Por que será que achava o jeito meigo daquela mulher tão detestável? Ainda tinha dúvidas a respeito da competência dela em seu departamento.

— Precisamos achar esse desgraçado. — Falou, muito séria e sem olhar para Suzane.

As duas andavam lado a lado. Sem dizer uma palavra. Suzane de vez em quando dava uma olhada de soslaio para sua chefe imediata.

— Acharemos. — Suzane disse olhando dentro de olhos de Amanda. — Tu não queres tomar um café com leite? Estás muito tensa, delegada, quem sabe assim consegues relaxar. — Sugeriu, muito sem jeito.

— Meu café é amargo, investigadora. — Respondeu, carrancuda.

— Temos algo em comum. O meu também é amargo. — Sorriu outra vez.

Amanda a encarou por um tempo. Fitava os olhos incrivelmente azuis e percebeu muita tristeza nas profundezas misteriosas deles.

— Eu não gosto de mulheres. — Amanda disse, de repente e surpreendeu Suzane.

A investigadora não entendia por que a grande maioria das mulheres heterossexuais achavam que toda lésbica era a fim delas. Muitas delas eram tão desinteressantes, vazias, fúteis, vulgares e sem conteúdo. Então, por que uma mulher lésbica se interessaria por uma mulher assim? Era difícil ser mulher gostando de mulher em um mundo exacerbado de preconceito, pensou.

— Certo. Vou tomar o meu café, doutora.

Suzane baixou a cabeça e deixou Amanda sozinha, plantada ali e refletindo sobre a idiotice que acabara de lhe dizer.


♤◇♤

POV (Serial Killer)

O sol está quase se pondo. Eu não sei se o destino sorriu para mim ou foi algum anjo maldito, penso, enquanto um sorriso diabólico se forma em meus lábios. Com aparência de uma boa pessoa, sei que minhas vítimas jamais suspeitarão o que planejo para cada uma delas.

Meu modus operandi, a polícia pode até se perguntar qual é, e talvez eu tenha algum, mas procuro não deixar pistas. Dizem que não existe "crime perfeito", mas talvez exista.

Paro o meu carro ao lado de um fusca azul 1960 que, possivelmente, teve uma falha mecânica e fez aquela prostituta descer dele nessa BR deserta para procurar ajuda. Nesta cidade pequena, com pouco mais de trinta mil habitantes todas as pecadoras da carne que vendem seu corpo a homens porcos são conhecidas. Essas vadias sujas precisam ir para o inferno pagar pelos seus pecados.

Paro o meu carro ao lado do fusca azul e abaixo o vidro. Ensaio um sorriso genuíno e, sádico e ironicamente, até afetivo, então pergunto:

— Boa tarde, moça. Precisa de ajuda?

Ela então me olha como se eu fosse algum tipo de anjo salvador e diz:

— Sim! Eu estava indo para o trabalho e meu carro deu falha mecânica.

Seu jeito desesperado é mais do que inegável.

— Se desejar posso ajudá-la. — Falo, numa falsa gentileza, e a vejo exibir um sorriso alvo, os olhos negros chegam a brilhar e me faz sentir uma sede de ver a vida se esvair gradativamente de dentro deles. Desço um olhar para seus pés delicados e calçados por uma alpercata vermelha, de salto alto. Faço um ar de riso.

"Belos pés."

— Eu agradeço, se puder me ajudar!

♤◇♤

Amanda entrou no refeitório do departamento policial e encontrou Suzane tomando café sozinha a uma das mesas. Foi até a cafeteira, encheu uma xícara de café e foi sentar perto de Suzane. Tirou o distintivo, a arma, o terno e os pôs sobre a mesa.

A investigadora sentiu um delicado e marcante cheiro de perfume fluído da sua chefe.

— Vai ser difícil para você trabalhar com uma mulher gay? Porque se for posso pedir transferência. - Falou, muito magoada e tentando ser indiferente à delegada.

— Você está sob meu comando imediato, investigadora, portanto, somente sairá deste departamento quando eu desejar. — Pontuou de maneira soberana.

— E você acha que pode tudo só porque é filha de um General? — Sentia a raiva lhe subir à cabeça. O coração retumbava em seu peito.

Amanda fez um ar de riso sarcástico com o canto da boca.

— Também. — Confessou. — Apenas faça o seu trabalho corretamente e não teremos problema algum. Amanhã às exatas 10:00 h viajaremos à cidade em que aconteceu um crime semelhante ao caso com o qual estamos lidando.

— Quem? — Franziu as sobrancelhas.

— Nós duas.

— Eu e tu?

— Exatamente! Quero manter esse caso o mais sigiloso possível. Dentro da polícia também temos espiões.

— Certo. — Disse e desviou um olhar indecifrável para a fumaça fumegante que fluía de seu amargo café.

Amanda fitou a mão de Suzane e viu a marca de uma aliança. Alguém do departamento já havia lhe contado que a investigadora gostava de mulheres e, de repente, não conseguia compreender por qual motivo isso mexia tanto consigo. Olhou-a, observando a pele sensível e quase translúcida do rosto dela. Os cabelos eram de um castanho muito claro, levemente ondulados, cortados pouco acima dos ombros eretos. Um vestido tubinho, preto, que ia até a altura dos joelhos e uma bota de camurça vermelha complementavam a indumentária elegante e sem vulgaridade, dela. Era uma mulher muito bonita e, podia-se dizer, atraente.

Amanda sacudiu a cabeça com toda força e tomou um gole do café.

"Mas o que diabos estou a pensar?"

"Era só que me faltava mesmo."

♤♡♤

Boa noite, meninas.
Segue o capítulo 4.
Demorou um pouco, mas saiu.
Bjs, cuidem-se!

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⏰ Last updated: Mar 04, 2022 ⏰

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