"Bom dia, consultório do Dr. Henrique Mesquita."

"Bom dia", Perla respondeu à secretária que, pela voz, não deveria ser muito mais velha que Jano. "Preciso falar com o Dr. Henrique."

"Para quando devo marcar a consulta. Ele tem disponibilidade em... "

"Não quero marcar, quero falar com ele diretamente."

"Não será possível, ele está atendendo agora, mas posso marcar... "

"Pode me passar o número dele?"

"O número privado, senhora?"

"Sim."

"Não poderei ajudá-la com isso, mas..."

"Já sei, você pode marcar uma consulta, certo?"

"Certo", ela respondeu depois de alguns segundos de julgamento silencioso.

A secretária informou o próximo horário vago e Perla o aceitou.

"No nome de quem devo marcar a consulta?"

"Perla Garcia."

Hora de encarar a fera, pensou Perla ao desligar, e enterrar o passado.

***

A sala ainda parecia familiar. Mas afinal todas as salas como essa se parecem...

Estava sentada próxima ao psiquiatra, ele numa poltrona e ela num sofá. Quando ele a viu, na antessala, Perla percebeu um sorriso perpassando seu rosto. Ela esperava hostilidade, mas encontrou malícia. Péssimo sinal.

― Senhora Garcia, é a sua vez. Entre.

Ela entrou sem encará-lo demais. Não queria que a secretária ― que conforme confirmara realmente tinha idade próxima à de Jano ― reparasse que algo não estava certo. O tom dele por si só já era denunciador demais ― ou será que era cisma dela?

Agora estavam de novo frente a frente, depois de tantos anos. Tudo o que ela menos queria.

― Ora, ora, quanto tempo! Juro que não associei o nome à pessoa até te ver.

― Entendo perfeitamente. Foram muitas, não é, Dr. Mesquita?

― Por que tão arredia? ― ele perguntou enquanto alisava a barba ― Costumava ser só Henrique pra você. Lembra? ― ele se levantou e sentou ao lado dela; antes que Perla tivesse qualquer reação, ele acariciou a região da perna acima dos joelhos.

― Dá pra parar com isso? ― Perla retirou a mão dele.

― Não é por isso que está aqui? Saudade? ― o tom era debochado, e ele riu.

― Não! Se não fosse importante, eu não teria vindo.

― E amor não é importante? Essas mulheres modernas...

― Amor? É aquela a sua definição de amor?

― E a sua, qual é? Meter com o psiquiatra do seu filho enquanto o seu marido viaja "a negócios"?

― Não seja cínico. Não haja como se eu fosse...

― O quê? Fácil? Mal comida? Safada?

Perla deu um tapa na cara dele. Só depois se deu conta de como aquilo podia sair do controle. Ele não revidou.

― Eu não sou... essa mulher que você diz. Você me usou e sabe disso ― Perla tremia, mas prometeu a si mesma não agredi-lo de novo ― Eu estava vulnerável e você se aproveitou... porque você é esse tipo de homem. E Elano, ele nunca mereceu aquilo.

Irmã Morta, Irmão MorteOnde histórias criam vida. Descubra agora