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Vincent

Assim que abri a porta um sino balançou tocando leves acordes indicando que alguém havia entrado na floricultura.

Verde predominava o ambiente mas havia plantas de diversas cores, tamanhos e formatos, espalhadas pelas paredes, estantes, nichos, suportes e o chão, era o verdadeiro significado de bagunça organizada. Circulei com precaução pelo local para não esbarrar em nenhum vaso, a procura de algum funcionário com quem eu pudesse conversar brevemente. Mas não importava em qual direção eu olhasse, parecia uma espécie de labirinto de plantas.

Quais são as chances da Dona Eldira ter visto corretamente o que aconteceu? 

E se o mercado da fauna avançou o suficiente ao ponto de criar um spray milagroso? Um spray que deixa as plantas magníficas? Não me leve a mal, é mais fácil acreditar na tecnologia do que em bruxas.

Caminhei em direção ao balcão analisando por força do hábito se havia algo fora do comum, se havia algum vestígio que me levasse a suspeitar, mas tirando a pilha de pacotes de sementes de girassol formando uma pirâmide e um coração, tudo parecia normal, como qualquer outra floricultura da cidade.

Estava quase levantando a voz para chamar atenção quando uma mulher de cabelos avermelhados saiu por uma porta mais aos fundos, ao notar minha presença abriu um sorriso de orelha a orelha, marcando uma covinha em sua bochecha esquerda.

— Boa tarde! Flores para a namorada? Esposa? Pai de planta de primeira viagem? Ah! Que cabeça a minha, me chamo Bebel, em posso ajudar?

Seu sorriso era contagiante. Quase tão brilhante quanto o sol. Ter um funcionário assim é como ganhar na loteria, se eu não estivesse a trabalho, compraria todas as flores que ela me falasse para comprar.

— Boa tarde. Sou o policial Vincent Brass. Gostaria de fazer algumas perguntas, poderia me ceder um pouco do seu tempo?

— Claro. – ela me guiou para uma pequena área com mesas e cadeiras de madeira escura, uma área de chá, pinturas em aquarela decoravam o ambiente junto das plantas. — Nós que produzimos os sachês, gostaria de experimentar? Temos de maracujá, maçã com canela e hortelã.

— Não, obrigado. – suspirei, deixando transparecer uma expressão neutra. — Nome e sobrenome, por gentileza.

— Bebel Hubin.

— Idade?

— 22 anos.

— O que você estava fazendo entre 10:30 às 12:00 da manhã de hoje? – ela parou por um momento, tentando entender o motivo da pergunta.

— Estava faxinando, senhor.

— Certo. Não precisa me chamar de senhor. Fale mais detalhadamente. Por favor. – não queria deixa-la nervosa, mas a minha postura ou palavras que eu escolhesse usar, não a acalmaria, porque por mais que seja informal, não deixa de ser um interrogatório, e ter uma pessoa anotando cada palavra que sai da sua boca, querendo ou não, gera um frio na barriga a sensação de estar sendo monitorado.

— Limpei as folhas que eventualmente caíram durante a noite, ontem ventou bastante na hora da chuva, por descuido deixei uma janela entre aberta e o vento terminou de abri-la. Organizei o estoque de sementes também, começamos a vender online mês passado.

— Você é a única funcionaria daqui? É um local grande para administrar sozinha.

— No momento sim, outra funcionária trabalha comigo, Alex Smith, mas ela ficará ausente por alguns meses, ela estar perto de dar a luz. – ela entrelaçava os dedos e os soltava.

— Poderia me passar o contato de algum superior seu? Preciso verificar uma questão nas câmeras de segurança.

— Posso, mas ela dirá o mesmo que eu: as câmeras não estão funcionando. E... Minha chefe, Catarina Amond, está em outra cidade na tentativa de atrair mais clientes para a floricultura, ela elaborou uma mini feira ao ar livre.

Fiquei pensativo, me questionando se todo o processo formal se encaixaria nessa situação. Concluí que não.

— Senhorita Hubin, vou direto ao ponto.

— Pode me chamar só de Bebel.

— Certo, senhorita. Nós recebemos uma denuncia anônima de que haveria indícios de bruxaria nesse estabelecimento. Conforme o artigo II-3749-0 que diz: “De acordo com o imperador, Luís III, pelo bem da cidade de Brescia e todos os seus cidadãos, aquele que cometer ações não humanas, terá pena máxima tendo de viver na Ilha Sul até que seja feito um julgamento contrario.”

Ilha Sul é o próprio inferno na Terra. Ninguém nunca, em todos esses anos, recebeu o direito do segundo julgamento, isso porque quem entrava lá desaparecia em uma semana, ou até menos. Existem boatos de que algumas pessoas que se opõem ao sistema são falsamente acusadas para terem esse fim e as pessoas utilizam os boatos para criarem filhos perfeitos.

Bebel corrigiu a postura, seus olhos se arregalaram levemente, a boca abriu e com uma mão cobriu-a com certo espanto.

E essa é uma expressão falsa de surpresa.

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⏰ Última atualização: Sep 24, 2022 ⏰

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