Um ano depois do apagão...
Estávamos no pátio e olhei em volta.
Tínhamos ampliado o terreno de cultivo, como meu pai queria. Produziamos energia, como Murphy falara. Tinhamos achado mais sobreviventes, vindos de uma cidade vizinha. Agora éramos 50, sem contar com nosso grupo inicial. Não tinhamos crianças, só adultos, jovens adultos e um adolescente.
Todo mundo ali tinha uma tarefa, ou ocupava o tempo de alguma forma benéfica para todos.
Murphy estava sentado na minha frente, em um banco, enquanto eu ia andando em seu redor, com uma tesoura na mão, mas quando parei na sua frente, vi que ele estava de olhos fechados.
- Eu não vou cortar uma orelha sua. - Sorri.
Ele riu. - Eu sei.
- Então abre os olhos.
- Não. Você lembrou de usar uma blusa com um decote enorme. Você está bem na minha frente.
Eu ri. - Murphy.
Ele ergueu o dedo na direção que meu pai estava. - Se ele vê, ele me mata.
Revirei os olhos. - Não é um decote enorme.
- Seu peito está na altura dos meus olhos, daqui é enorme. - Bati na sua cabeça. - Au!
- Terminei.
Me afastei para trás e ele abriu os olhos, esticando a mão e pedindo o espelho.
Escutei o som de motos e olhei o portão.
Zeus entrou na frente, correndo que nem louco. Ashley entrou de seguida, vestida de negro, com os óculos que meu pai dera a ela, no rosto, e os cabelos loiros esvoaçando, dirigindo uma moto vermelha.
Por último, entrou Jared, na sua moto negra, com a besta presa atrás, e parou do lado da garota. Ele olhou na minha direção e acenou com a cabeça.
Imitei o gesto e depois vi Murphy levantando.
- Valeu, ficou ótimo.
Passei a mão na sua cabeça. - Vou sentir a falta do seu cabelo.
Ele sacudiu a minha mão. - Que nada!
Nos dirigimos até Jared e Ashley e parámos junto deles. Ash colocou os óculos na cabeça.
- Não vai gostar.
Franzi o cenho. - Hã?
Jared respirou fundo. - Suas suspeitas estão certas. Tem mais alguma coisa na cidade.
Fiquei olhando ele. - Sério?
Jared assentiu. - Tem coisas que sumiram, e outras que mudaram de lugar. Então, não foi um animal.
- É humano. - Disse Murphy.
Jared assentiu.
Eu suspeitava de que algo estava acontecendo na cidade, e para ter certeza, colocámos vários objetos espalhados por vários lugares, os quais não chamariam a atenção de nenhum animal, mas de um humano sim. E também nos certificamos de que nenhum animal poderia movê-los.
Olhei o chão. O que raio estava acontecendo ali?
Olhei o grupo e depois os muros e o portão e me afastei, indo na direção do pequeno grupo de pessoas, militares e policiais que sobraram e alguns civis, que ficavam responsáveis pela segurança. Parei junto de quem liderava o grupo.
Ele me olhou, atento.
- Fecha os portões. Divide seus homens, quero vigias em todos os muros.
Ele franziu o cenho. - Caine?
Suspirei. - Não sabemos o que é.
Ele assentiu, entendendo, e começou a dar as ordens.
Coloquei as mãos na cintura e regressei para junto dos meus amigos.
- Vamos ter recolher obrigatório? - Perguntou Murphy.
Ash riu e eu olhei ele. - Não. Mas não sabemos o que é. - Sorri e toquei no ombro da Ash. - Mas vamos ficar bem.
Ela assentiu e se afastou, chamando Zeus, e eu vi um garoto, mais ou menos da idade dela, olhando ela.
Toquei no braço de Jared e indiquei o garoto.
Jared girou aqueles olhos azuis para ele, encarando, parecendo feroz, e quando o menino percebeu, se mexeu nervosamente e se afastou.
Eu e Murphy rimos e Jared pegou a besta, entrando na prisão.
- Vou falar com o Bill. - Disse Murphy, ainda rindo.
Assenti e segui na direção de Jared, entrando e subindo na sua cela.
Jared estava colocando a besta no chão, e me olhou de canto assim que eu parei junto da porta.
- Vai assustar o menino. - Falei.
Ele deu de ombros. - Ótimo.
Sorri. - Deixa ela ter um namorado. Você não teve, também?
- Pfff, namorado? Não.
Entrei na cela e sentei na cama dele, ganhando um olhar dele que mostrava claramente que ele não sabia o que eu estava fazendo.
- É a Ash, ela não é irresponsável. Você se certificou disso.
Ele assentiu. - É a mesma merda que no mundo de antes. E eu sei que ela não é irresponsável, só... - Suspirou e sentou do meu lado. - É a Ash.
Sorri. - Tem certeza de que achou ela lá fora? Porque parece mesmo pai dela.
Ele me olhou. - Ela me lembra da minha irmã. Eu me preocupo.
Ergui as mãos. - Claro que sim.
Ficámos em silêncio, olhando a parede,
Nessa noite, procurei Jared por todo o lado, até que vi ele na torre. Sorri e fui até lá, subindo.
- Problemas? - Perguntou.
Neguei. - Toma. - Entreguei a ele uma caixa. - Loraine que fez.
Jared franziu o cenho e viu uma fatia de bolo. Me olhou e eu sorri.
- Agradece a ela e ao Murphy, foi a ideia dele, de produzir energia, que fez com que esse bolo tenha saído.
Jared sentou no chão, partindo um pedaço e me entregando.
Peguei e sentei do seu lado, olhando a noite.
Comemos em silêncio e depois escutei sua voz funda.
- Acha mesmo que pode ser uma ameaça? - Me olhou.
Respirei fundo. - Não sabemos o que é, então, sim. - Olhei ele. - Acho, sim.
Ele assentiu, olhando em frente. - Confio em você.
Sorri e depois indiquei a torre.
- Vai se mudar para cá?
Ele riu. - Não. Fico nas celas.
Franzi o cenho e ele me olhou, prendendo o meu olhar no seu.
Esqueci de como se respirava, mas quando lembrei, assenti, me mexendo.
- Tá. - Respondi.
Ele continuou me olhando feito estátua, sem se mexer, apenas ali.
Mordi o lábio e vi seus olhos acompanharem o movimento. Sorri e ele me olhou nos olhos.
Dei de ombros. - O que foi?
Ele negou, sem falar nada.
Assenti, olhando ele, sem saber se ele estava bem ou não. Jared era sempre uma incógnita, eu nunca sabia o que esperar dele. Nunca.
E foi o que aconteceu.
Jared fechou o espaço entre nós e senti seus lábios nos meus. Sua mão segurou o meu rosto, junto do pescoço.
Beijei ele de volta, com minha cabeça andando em círculos, perdida. Enterrei os dedos no seu cabelo, e foi quando ele se afastou.
- Eu... - Ele olhou o chão, e depois fechou os olhos. - Desculpa.
Levantou, pegou a besta e saiu dali, descendo a torre.
Fiquei ali, sentada no chão, sozinha e olhando a noite, sem entender nada.
Ele me beijou e foi embora. O que acontecera ali?
Depois sorri, sem acreditar.
Jared me beijou.