Ela lembrou-se de que Alfonso a vira e, apesar da inimizade, discutira com ela sobre novos tratamentos e drogas experimentais até as lágrimas cessarem. Não lhe ocorrera, na ocasião, ser estranho o seu pior inimigo oferecer-lhe apoio.— Eles eram tão pequenos para conhecer aquele tipo de dor e desesperança...
— Um dia as pesquisas encontrarão a cura para o câncer — Alfonso prometeu.
— Espero que sim. — Ela buscou-lhe os olhos. — Sente-se melhor?
Ele sorriu e meneou a cabeça.
— Bem melhor.
— Você comeu?
Ele fez que não.
— Não tive fome. Mas acho que podia comer um pouco. E você?
— Tomei uma sopa de batatas e brócolis deliciosa.
— Acho que vou provar. Quer alguma coisa?
— Não, obrigada. Você viu Mosquito? — perguntou, sentindo falta da gatinha.
— Está na cozinha, fazendo um lanchinho. — Tomou-lhe a mão e levou-a aos lábios. — Já percebeu como cuidamos um do outro?
Ela corou.
— Eu teria feito o mesmo por...
— Por qualquer pessoa? É, eu sei. Mas é diferente. — Alfonso curvou-se e tocou a boca de Anahí com os lábios. — Quer ouvir Baroja, depois que eu comer?
Ela sorriu.
— Quero.
— Volto num minuto. — Ele levantou-se e a fitou. Nunca tivera tamanho companheirismo na vida. Perdera um paciente no início do casamento e sua tristeza irritara Diana. Estava se preparando para um jantar e recriminou-o por se envolver tanto com os pacientes. Nunca compreendera a dor de ser incapaz de conter o Anjo da Morte.
— Como se sente agora? Ele sorriu.
— Bem. Volto já.
E voltou. Leu o primeiro Capítulo de Paradox Rey, parando para que ela traduzisse. Ela compreendia quase tudo e ele a ajudava, ensinando-lhe alguns verbos.
— Gosto especialmente daquela parte em que uma feminista jura que Shakespeare era uma mulher. — Soltou uma gargalhada. Ele riu junto.
— É um trabalho maravilhoso, não acha? Ele era brilhante, apesar de suas idiossincrasias.
— É maravilhoso ouvir você lendo em espanhol. Podia ouvi-lo a noite inteira, mas você precisa descansar.
Ele fechou o livro.
— Você também. Ainda dói? — Ela fez uma careta.
— Os pontos incomodam. Começaram a coçar.
— Usei grampos, não pontos.
— Coça do mesmo jeito. — Ele riu.
— Isso significa que estão cicatrizando. Quer algum remédio para dormir?
— Um analgésico seria perfeito — admitiu. — Não vou ficar viciada?
— Por acaso sou negligente? — ele recriminou-a. Colocou dois comprimidos em sua mão e estendeu-lhe o copo de suco.
— Desculpe. Sei que é um ótimo profissional. — Descansou o copo.
— Durma bem.
— Quando posso sair?
— Talvez na próxima semana, num dia ensolarado. Falaremos disso depois.
— Quero ver o mundo lá fora.
— Farei o possível para tirar você daqui, mas não posso deixá-la pegar uma gripe. Você tem que se agasalhar. Tem um casaco no seu apartamento?
Ela fez uma careta.
— Um blazer.
Ele nada disse. Logo a seguir, saiu.
Uma semana depois, num dia ensolarado, ele ajudou-a a vestir um casaco de veludo cor de safira com um gorro combinando. Ela quis protestar, mas ele jurou tê-los comprado muito barato numa liquidação. Poderia reembolsá-lo, se estava tão determinada a ser independente. Felizmente, ela não podia ir à butique checar o preço.
Ela cedeu e apoiou-se em seu braço. O porteiro observou o andar lento com um sorriso aberto. Todos sabiam que Alfonso cuidava da prima da ex-mulher. Era bom vê-la animada depois de tão grave cirurgia. Gostavam dele e da enfermeira, que comentava sobre a jovem e simpática. Alfonso ajudou-a a passar pela porta giratória. Anahí quase foi derrubada por um executivo que entrava e a fitou irritado.
— Ela acaba de sair de uma cirurgia de peito aberto — disse Alfonso em tom ameaçador. — Devia ter mais consideração com os outros.
O homem olhou Anahí e corou ao ver o esforço que fazia para caminhar.
— Sinto muito — murmurou e entrou apressado.
— O típico executivo — resmungou Alfonso. — Só pensa em dinheiro. Tomara que a pressão arterial dele suba e ele entupa o organismo com frituras.
— Caramba, você está de péssimo humor — recriminou-o, ofegante.
Ele a segurou, os olhos ainda faiscantes de raiva.
— Ele podia tê-la machucado — disse, zangado.
Ela apreciou a atitude protetora, pois estava fraca, frágil e vulnerável. Lágrimas brotaram em seus olhos.
— Pare com isso — disse Alfonso baixinho, enxugando-as com a mão enluvada. — Podia, mas não a derrubou.
— Não é por isso. Foi por ter me emocionado com o modo como se preocupa comigo. — Ele cerrou as mandíbulas.
— Eu deveria tê-lo esmurrado. — Ela respirou fundo.
— Estou bem, desde que tenha você para me apoiar. — Pendurou-se em seu braço, sorrindo radiante. — Ai, Poncho, é tão bom sair!
O rosto era tão lindo que ele sentiu o coração disparar. Na verdade, perdeu o ar.
— Algum problema? — perguntou ela. Ele fez que não.
— Nada — garantiu. — Estava pensando em como você é linda.
Ela corou.
— O casaco e o chapéu são muito bonitos.
— A mulher a usá-los é linda — retrucou. — E não apenas por fora. Pensava também numa menininha com esses grandes olhos azuis e esse sorriso meigo.
Ela sentiu o chão faltar, mas o braço a segurou.
— É cedo demais para isso — ele disse, preocupado. — Não deveria ter deixado você andar tanto.
— Estou bem. Não foi a caminhada. Achei ter ouvido você dizer... — Ela riu convencida. — Deixa pra lá. Devo estar um pouco desorientada.
— Eu disse que gostaria de ter uma filha com você — ele confirmou. — Sei que é cedo demais para falar nisso. Mas conversamos sobre anéis e achei que bebês seriam a seqüência natural.
— Anéis. Você falava de... Alianças? — exclamou. Ele a olhou zangado.
— O que imaginou?
— Um presente de Natal. Talvez um anel de aniversário.
— Imagino que não confie plenamente em mim, portanto não tem interesse em conversar sobre casamento — comentou com uma impaciência que não conseguiu esconder.
Ela abanou a cabeça. Devia ter perdido o juízo. Os olhos grandes olhavam sem piscar o rosto bonito.
O olhar dele desceu do rosto para o corpo esbelto no casaco comprido.
— A vida de um cirurgião é agitada — disse Alfonso, segurando Anahí diante de si com carinho enquanto os pedestres passavam por eles. — Mas tenho algum tempo só para mim, como pode ver, e ganho mais do que o suficiente para sustentar você e a família.
As bochechas dela coraram.
— Você diz isso movido por um sentimento de culpa, de piedade...
Ele sorriu.
— Duas emoções que não têm o poder de me induzir a um pedido de casamento, Anahí. Nós combinamos tanto, não percebeu? Você não está feliz comigo?
Ela preocupou-se. As mãos pressionaram o casaco de caxemira. Não havia como negar.
— É muito cedo. Quero estar totalmente curada antes de... — Ela ergueu o rosto. — Posso ter um filho?
O rosto dele ficou vermelho.
— Não agora — ela explicou. — Quero dizer, posso ter filhos com uma válvula artificial?
— Claro. — Alfonso riu agitado. — Meu Deus, que susto me deu! — Recuperou o fôlego. — Perdoe-me. Imediatamente pensei em como você engravidaria em seu estado, é que seria totalmente impossível no momento. — Ela corou e desviou o olhar, compreendendo muito bem o que ele queria dizer. — Mas podia ter respondido — sugeriu ele.
Ela aproximou-se.
— Adoro crianças.
— Eu sei. Eu também.
— E suponho que seria melhor se fossem frutos de um casamento, que não nascessem fora dele. Mas meus tios...
— Ficariam contentíssimos — ele garantiu. — Eles também adoram crianças. Alimentavam o sonho de um dia terem netos. — Alfonso inspirou. — O que jamais teriam, se dependesse de Diana. Ela detestava crianças.
Ela ergueu os olhos para o rosto sério. Difícil imaginar Alfonso como um pai enérgico. Ele ocupava melhor a posição de guardião, gostava de cuidar das pessoas. Isso era ótimo, mas não era amor. Não poderia casar-se sem amor, principalmente não em sua religião, que não aceitava o divórcio como opção para resolver as diferenças entre os casais, por maiores que fossem.