Capítulo 1

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        Era uma tarde de terça-feira quando a chuva começou a cair. Eu admirava a paisagem da cidade de Busan, que chorava com cada gota derramada vinda do céu. Minha cabeça doía, como de costume, por ter tantas obrigações e tarefas para resolver ao mesmo tempo e com muita precisão. Minha agenda, pelo visto, estava cheia e meu celular não parava de tocar. Retirei o aparelho móvel do bolso e logo vi o remetente, Senhor Cha. Ele deveria estar mesmo com muita urgência, pois não parava de ligar desde que eu chegara. Tinha certeza de que minha demora atrasaria um terço dos compromissos que tínhamos esta manhã, por isso tratei logo de atender sua ligação.


– Senhor Cha, algum problema? – Arqueei a sobrancelha enquanto colocava uma das mãos livres no bolso.


– Senhor Tae-Moo, desculpe ligar tão cedo, mas houve uma pequena mudança de última hora na programação da reunião de hoje.


– Sabe que não gosto de mudanças de última hora – falei firmemente.


– Eu sei, mas, infelizmente, a senhorita Young-Seo não poderá comparecer. Sendo assim, ela enviou uma substituta para que não houvesse mudanças e conflitos em nossa agenda.


– Empresa totalmente despreparada. Quem ela acha que é para desmarcar de última hora e enviar uma representante para discutir algo tão sério?


– Entendo perfeitamente, mas tudo indica que foi algo importante e urgente – o Senhor Cha me parecia um tanto apreensivo ao telefone.


– Mas essa reunião também é de grande importância – bufei. – Onde você está?Assim que fiz a pergunta, percebi que a porta atrás de mim bateu, revelando o Senhor Cha um pouco atrapalhado. As pontas dos seus cabelos pingavam um pouco da possível água da chuva, seus sapatos estavam encharcados e seu sobretudo tinha alguns resquícios de água.


– Estou bem aqui, senhor – ele desligou o telefone assim que me viu.


– Ótimo. Desmarque a reunião e diga que não estamos mais interessados em comprar o projeto – falei, sentando-me em minha cadeira enquanto abria algumas pastas no computador de forma aleatória. Estava inquieto demais.


– Mas, senhor, ela enviou a representante e informou que a mesma tem total autonomia de decisão neste projeto. Parece ser uma sócia.


– Sócia? – Perguntei, tentando me lembrar do contrato e da cláusula que mencionava uma possível parceira de negócios.


– Sim, e ela já nos aguarda na sala de reunião. Devo desmarcar? – Podia perceber que, ao contrário de mim, o Sr. Cha tinha compaixão por absolutamente qualquer pessoa, conhecida ou não. Isso era um ponto positivo para o equilíbrio nos negócios, mas, ao mesmo tempo, quando exagerado, poderia atrapalhar mais do que o imaginado. Demorei um tempo para assimilar se seria uma boa ideia discutir tudo isso com uma sócia de quem eu jamais teria conhecimento, se não fosse exatamente por hoje.


– Certo, iremos comparecer. Mas quero que saiba que a empresa perdeu mais de cinquenta pontos com nossa corporação por tamanha irresponsabilidade. Eles saíram totalmente do combinado.

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          Ergui meu corpo, pegando o telefone e a carteira, e os coloquei no bolso, seguindo para o corredor à minha frente. O Sr. Cha veio logo atrás, ainda se recompondo, e pelo visto buscava seu laptop dentro da maleta para possíveis anotações. As pessoas ao meu redor estavam sempre correndo, nunca paradas. Parecia até que tinham receio de que eu as visse sem alguma utilidade na empresa. Telefones tocavam o tempo todo, e o trâmite era exaustivo só de olhar. Entramos no primeiro elevador desocupado e descemos alguns andares a caminho da sala de apresentações.


– Como se chama a representante? – Perguntei, colocando uma das mãos no bolso e encarando o Sr. Cha, que me acompanhava agora lado a lado.


– Alice, senhor – ele falou de forma breve, fazendo-me questionar de onde ela seria. Não era coreana?


– Americana? – Perguntei, parando no corredor antes de adentrar na sala.


– Ao que tudo indica, sim. América do Sul. A sociedade entre ambas as partes é bastante distinta, mas a empresa consegue se manter com as diferenças culturais e visões totalmente diferentes – ele mencionava tudo de maneira calma, que, se eu não o conhecesse há anos, concordaria com tudo que dissesse apenas pelo tom de positividade em suas expressões.


– Que país? – Perguntei, ainda interessado.


– Acredito que Brasil, senhor – o Sr. Cha continuou me encarando, esperando alguma resposta ou questionamento.


– Isso será interessante – respondi assim que abri a porta da grande sala iluminada.


          Parei imediatamente assim que vi a mulher à minha frente. Seus traços e feições amendoadas chamavam bastante a atenção. Seus olhos eram claros como o céu, e seus cabelos ardiam como fogo. Sua boca estava bastante marcada com um batom vermelho que poderia chamar a atenção de qualquer pessoa naquela sala. Os cachos nas pontas do cabelo ruivo lhe davam um certo charme. Mas não eram apenas seus lábios que chamavam a atenção, e sim suas sardas destacadas nas maçãs do rosto. 


          Ela parecia tímida, mas ao mesmo tempo provocante e cativante. Seria possível? Pude notar que, mesmo de salto, Alice me parecia bem pequena, ao menos era essa a impressão. Seu vestido, com uma pequena abertura lateral nas pernas, revelava um pouco da cor de sua coxa, e seus ombros estavam totalmente à mostra. Sinceramente, era um estilo não tão bem visto na Coreia, mas cativou meus olhos.

– Senhor Tae-Moo? – Ela falou, fazendo uma simples reverência, como é nosso costume, e logo ergueu os olhos com um pequeno sorriso de canto. Sua voz era quase aveludada, com uma entonação baixa e tímida. Era agradável de ouvir.


– Alice, seja bem-vinda – falei, estendendo a mão, lembrando-me de que os ocidentais possuem uma outra maneira de cumprimento diferente da Coreia. O contato físico era muito natural.


– Obrigada. Gostaria de me desculpar pela ausência da senhorita Young-Seo. Infelizmente, ela teve de resolver alguns imprevistos pessoais, então estarei a substituindo hoje.


Encarei o Senhor Cha em busca de sua compaixão, a qual lhe faltou exatamente no momento em que eu mais precisava. Eu podia sentir que minha pele começava a arder, e rapidamente abri um dos botões do meu paletó.


– Entendemos perfeitamente. Podemos começar? – Apenas esbocei um meio sorriso de empatia, oferecendo a cadeira à minha frente para que ela pudesse sentar-se.


          Alice estendeu um sorriso de canto e logo agradeceu, sentando-se assim que o Sr. Cha deu meia-volta e sentou-se ao meu lado, no lado oposto da mesa. Aproveitei para abrir os demais botões que faltavam no paletó e me sentei em uma posição confortável. O Senhor Cha, como de costume, abriu seu laptop e ajeitou os óculos, que estavam escorregando em seu rosto. Não só ele havia percebido o calor na sala, como também o perfume floral de Alice, que invadiu todo o ambiente.


– Pelo que vimos no contrato, sua empresa quer um lucro acima de cinquenta por cento, visto que será utilizada a nossa matéria-prima – o Sr. Cha iniciou a reunião como de costume, indo direto ao ponto, sabendo que não poderíamos perder um segundo sequer.


– Está correto. Acreditamos que é mais do que justo – ela arqueou a sobrancelha, me encarando.


– Eu discordo. Nosso maquinário é o único que atende todas as exigências governamentais. Não encontraria uma empresa que produza com nossos padrões, velocidade e qualidade – interferi, ajeitando a pequena franja que insistia em cair em meu rosto.


– Parece-me tão evoluída que tivemos de encontrar outro departamento de pesquisa e desenvolvimento na América Latina para lhes instruir na fabricação – ela sorriu com certo deboche. Estava mesmo menosprezando nossa corporação?


– O que disse? – Perguntei, endireitando-me na cadeira, incrédulo.


– Isso mesmo. Não acho justo sua empresa levar mais de cinquenta por cento dos idealizadores e desenvolvedores do projeto. Vocês têm a faca e o queijo na mão, basta apenas cortar. Infelizmente, não temos tantos contribuintes para nos ajudar, por isso estamos recorrendo à sua corporação.


          Ela estava começando a me irritar, o que me levou a dar uma pequena risada e a encarar o Sr. Cha. Ninguém nunca havia falado comigo daquela forma, e principalmente uma mulher. Geralmente, a maioria não conseguia manter um diálogo comigo por mais de três minutos sem se irritar.


– Está ouvindo isso, Sr. Cha? O que o senhor acha? – Perguntei com tom de ironia, e logo o interrompi antes mesmo que ele começasse a falar. – Não iremos fechar por menos de sessenta por cento – Agora eu falava em tom ameaçador, que pelo visto não a intimidou nem um pouco. Ela deu um longo suspiro de reprovação, levantou-se, pegou sua bolsa e me encarou com desdém.


– É uma pena. Faríamos um ótimo negócio, senhor Tae-Moo. Mas, infelizmente, sua corporação não atende.

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