Uma Herdeira de Presente

8 - Casulo

Fiorella

Ceiça aparece bem cedo, trazendo um bolo de milho quentinho para o meu café da manhã.

Hoje não é dia dela, mesmo assim está aqui, preocupada, cuidando de mim, me mimando.

- Como está esse pé hoje?

- Melhor que ontem. Daqui a pouco vou fazer uns exercícios. E Aurora?

- Dormindo. - Diz desanimada, enquanto passa um café - As coisas estão bem ruins. Heitor não sabe lidar com ela e os dois estão sofrendo.

- Imagino. Queria poder ajudar, mas é um território que não me diz respeito além de todo o problema que tenho com o Heitor.

- Falamos sobre você hoje... - ela me conta - Ele te viu na saída do condomínio ontem, ficou na dúvida se era ou não, mas de algum modo ele pensou que a bailarina e você pudessem ser a mesma pessoa. Eu só confirmei.

- Não precisa se explicar. Um dia ia acontecer.

Ela assente triste.

- Ele me contou tudo. Não imaginava que Heitor pudesse ter errado de um modo tão imperdoável assim. Sinto muito...

- Não sinta, já passou.

- Me sinto envergonhada. Eu ajudei criar esse menino. E os pais dele sempre ensinaram sobre respeitar os outros.

- Tudo bem. Ele escolheu embarcar naquela ideia imbecil. Não é culpa de quem o criou. Chega uma hora na vida que a culpa das nossas burradas é inteiramente nossa, não tem nada a ver com os outros, por mais próximos que sejam.

- Você tem razão. Como você lidou com essa situação? Ficou bem logo?

Penso a respeito. Não fiquei bem logo, mas também não me permiti ficar mal. Eu fiquei ali na linha entre uma coisa e outra, remoendo, mas vivendo.

- Fiquei decepcionada, mas não deixei aquilo me arruinar. Eu estava realmente apaixonada por ele e fui a mais leal que pude. Não fui eu quem saiu perdendo.

- Não mesmo. E ele não faz ideia do que jogou fora. - ela pensa um pouco - Mas a vida deu o troco, pode ter certeza.

Ela se levanta.

- Vai almoçar em casa? Posso trazer seu almoço.

- Não, Ceiça. Vou almoçar com a minha mãe. E não precisa vir aqui quando for o seu dia de trabalhar lá. Eu consigo preparar meu café, meu almoço... Odeio cozinhar, mas me viro bem quando preciso. Vai ficar esgotada se dividindo entre as duas casas!

- Fico preocupada com você aqui, sozinha... Esse pé doendo, você pra lá e pra cá...

- A dor faz parte do processo lento da cura. E sem a Sabrina por perto, nem dói tanto assim.

Ela sorri.

- Você é muito forte e corajosa.

- Somos! - dou-lhe um beijo - Não se preocupe comigo. Minha mãe vem me buscar. Vamos almoçar na escola de dança hoje. Quero ver as crianças, pegar a roupa que prometi pra Aurora... Queria levá-la para ver de perto tudo aquilo, mas... Tenho razões imensas para não fazer isso.

- Eu entendo. - diz, triste - Eu não devia te contar, mas eu vou. Heitor está pensando em desistir. Eu disse para ele repensar, dar mais um tempo, mas aí pensei no que me disse ontem, sobre não forçar e me perdi. Já não sei mais como ajudar.

Sinto o impacto dessa notícia como um soco no estômago. Mal conheço a menina, mas sei que não desistiria dela se eu tivesse algum direito de ficar com sua guarda.