— Você realmente não tem um pingo de vergonha na cara, tem? — Perguntei para Flora a caminho do carro, ela prendeu o riso.
— Claro que não, Quint, pelo amor. — Ela disse se empertigando. — E outra, foi completamente inapropriado da parte dela dar em cima de você no meio do expediente.
— Foi mesmo ou você está com ciúmes? — Perguntei para ela, que me encarou escandalizada.
— Eu com ciúmes? Por favor, Quint, eu tenho mais o que fazer. — Flora diz, tirando a chave do carro do bolso da calça.
Já era quase de noite, mas o festival não parecia ter hora para acabar. Eu e Flora concordamos que era melhor voltarmos enquanto ainda estava claro, já que estávamos basicamente no meio do nada e sem seguranças.
— Se você tem mais o que fazer, por que você fingiu ser minha esposa? — Perguntei e ela abriu a porta do passageiro pra mim sem que eu pedisse. Eu entrei e ela fechou a porta sem falar nada.
— Não sei se você esqueceu, meu amor, mas eu sou sua esposa. — Ela disse indicando o seu dedo vazio. — Vamos dizer que nós estamos em um período pré-separação que não estamos mais usando nossas alianças e nossos filhos inexistentes estão em uma crise existencial.
— Não sabia que você era do tipo fanfic. — Eu digo e Flora dá de ombros.
— Você sabe quantas fanfics sobre mim existem? São muitas, se quiser saber, e a maioria com homens.
— Com homens? Logo você a presidente das lésbicas? — Digo, cruzando os braços.
— Exato! E com o meu melhor amigo ainda por cima, o que é irônico porque ele pegava o meu irmão. — Ela murmura a última parte, mas isso não me impede de rir.
— Você é impossível, Flora Baird. — Eu digo e ela dá de ombros.
— É o charme, Quint. — Ela diz convencida.
Flora me deixa colocar uma música no carro e passamos o resto da viagem de trinta minutos em um clima confortável. Flora cantarola a música baixinho, apesar de estar com o foco na estrada por já estar anoitecendo.
— Já ouviu falar de um jogo chamado 21 perguntas? — Flora perguntou subitamente, abaixando o volume da música.
— É sério?
— Seríssimo, mon amour. — Flora diz e eu franzi o cenho.
— Esse não é um jogo de festa ou algo assim?
— Se você quiser saber, essa é uma ótima forma de nós nos conhecermos mais. — A loira diz dando de ombros, ainda faltavam uns vinte minutos até chegarmos na Casa Baird. — Você começa.
— Ai, tá. — Eu digo e então penso por um segundo. — Filme favorito?
— Meninas Malvadas, obviamente.
— Verdade, você roubou a personalidade da Regina George no ensino médio. — Isso faz Flora rir, seu sorriso fazendo com que seu rosto ficasse ainda mais bonito.
— Regina George é lésbica, marque minhas palavras.
— Ela foi atropelada por um ônibus.
— Lésbicaa. — Ela cantarolou e eu dei risada de novo, negando com a cabeça. — Tá, minha vez. — Ela parece pensar um pouco. — Pedra favorita?
— Ametistas. — Digo imediatamente. — Fez faculdade de que?
— Psicologia e Relações Internacionais, mas eu queria mesmo era fazer Moda. — Flora diz, dando de ombros.
— E por que não fez?
— Licença, Quint, é a minha vez de perguntar. — Ela disse e eu reviro os olhos. — Mas se você quiser mesmo saber, foram forças maiores.
— O que poderia ser uma força maior que uma princesa? — Eu perguntei e Flora estacionou o carro, ela abriu um sorriso pra mim, mas um sorriso genuíno. Ela não parecia ligar nem um pouco sobre a minha falta de interesse nesse aspecto da sua vida.
— Uma rainha, Quint. — Ela disse, mas em momento algum senti alguma nota de desdém em sua voz. — Essa é uma força maior que eu não consigo competir. Mas enfim, seu filme favorito?
— Agora estamos copiando perguntas?
— Só responde, Millie Quint. — Ela diz antes de fechar a sua porta e dar a volta no carro, abrindo a porta pra mim.
— Homem-Aranha do Tobey Maguire.
— Prefiro o do Andrew Garfield. — Flora diz imediatamente e eu reviro os olhos.
— Nada haver, o Peter do Tobey é muito superior.
— E o Homem-Aranha do Andrew é muito melhor. — Ela rebate na mesma hora. — E outra, não tem a Mary Jane.
— Touché. — Digo contrariada, finalmente anoiteceu e o vento frio é suficiente para que eu me abrace para tentar manter um pouco de calor. — Mas a Gwen morre.
— Olha, eu não entendi a necessidade por trás desse comentário, por causa dessa observação infeliz eu vou te abraçar agora porque você está com frio, mas saiba que ainda está muito cedo pra falar sobre a Gwen, obrigada. — Flora diz e então realmente me puxa para perto.
Seus braços me envolvem e por instinto eu a abraço de volta. Apesar do frio, Flora está surpreendentemente quente. Chega a ser aconchegante, talvez.
Flora me arrasta ainda em seus braços até dentro da casa, a lufada de ar quente que nos saúda assim que chegamos me faz soltar um suspiro aliviado ao soltá-la. Não tinha notado que estava prendendo a respiração.
— Altezas. — Eli, o mordomo e companheiro de fofocas de Flora, nos cumprimenta e pega nossos casacos.
— Eli, você não sabe o que aconteceu! — Flora diz automaticamente, eu sorrio com sua animação ao contar sobre a garçonete e as caras e bocas que Eli faz.
— Ela não fez isso!
— Ela fez! — Flora dizia, os olhos cor de mel demonstrando toda a sua indignação. E depois de mais dez minutos conversando, o que me deu tempo para ficar passando os pés descalços no tapete perto da lareira só porque a sensação é boa, Flora finalmente diz: — Mas eu nem quero falar sobre essa daí que eu me estresso, me lembre de nunca mais voltar naquela cafeteria.
— Como desejar, Alteza. — Eli diz, sorrindo de forma carinhosa para a loira.
— Ei, Quint, eu vou pegar o vinho, por que você não vai escolher o filme? — Flora pergunta, chamando a minha atenção de uma armadura no canto da sala.
É incrível a minha capacidade de simplesmente me desligar de uma conversa e simplesmente ir fazer outras coisas sem nem perceber. Se me perguntarem porque eu estou a um passo de enfiar o dedo no capacete dessa armadura eu realmente não vou saber o motivo.
Flora e Eli vão para a cozinha, que aparentemente leva para uma adega subterrânea ou algo assim, e eu subo as escadas. O quarto — que deveria ser meu, mas na realidade estou dividindo com Flora — está bem arrumado e consigo ver que minhas coisas já começaram a se espalhar mais pelo ambiente.
Minhas roupas estão penduradas no armário, meus livros estão em uma estante próxima a cama, meu notebook e meus papéis da pós estão em cima da mesa. Por mais diferente que fosse da minha casa nos Estados Unidos, tinha começado a ter um clima mais de "casa", agora eu me sentia menos deslocada na Casa Baird.