Parte 5 -April

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Acordei tarde naquela terça, mesmo sabendo que ainda falta um mês para as aulas começarem de novo eu gosto de acordar cedo porque me ajuda a não perder o costume, isso é loucura, eu sei, e também eu amo ajudar meu pai com a pescaria dele, e ele gosta de pescar de madrugada, talvez eu tenha puxado a loucura dele.

Mas aquela manhã me pegou de surpresa, ainda não sei como consegui dormir até as duas da tarde, desci as escadas para saber se meu pai já havia chegado e ele não estava lá então fui preparar algo para almoçar, peguei os ovos e comecei a quebrá-los. Olhei para o lado, as cortinas brancas voando pelas portas francesas abertas combinavam perfeitamente com a vista das ondas se quebrando na costa e com o céu azul com algumas nuvens completando a paisagem.

Tudo aquilo era perfeito, mas eu sentia que faltava alguma coisa. Comecei a mexer os ovos para fazer minha omelete, me concentrei na tigela para não sujar o balcão, como eu sempre faço. Estava quase pronto quando eu senti mãos na minha cintura que levemente me abraçaram, senti um beijo na minha cabeça e sorri, aquele cheiro eu reconhecia, virei e concretizei minhas expectativas, aquilo cheirava a Chad, meu lindo e loiro vizinho que há dois anos se tornou meu namorado. O amor da minha vida.

-Oi amor.

-Oi querido, não te vi entrando.

-É porque era pra ser uma surpresa.

-Uma surpresa? -com certeza eu estava surpreendida.

-Aqui -ele me entregou uma sacola com um laço grande em cima, tinha um cartão escrito "Eu te amo, querida, Feliz Aniversário, beijos -C" -abre.

Eu não sabia o que dizer, acho que "nossa, eu esqueci nosso aniversário" não pegaria bem, então eu não disse nada.

-Não acredito! -abri a sacola e lá estavam Stars Dance e When the Sun Goes Down, álbuns da Selena Gomez, minha cantora favorita. -Não precisava, amor -eu o abracei com menos animação que eu esperava, estava um pouco fraca, talvez porque eu tinha acabado de acordar.

-É claro que precisava, você sempre fala o quanto gosta dela e eu achei que você gostaria ainda mais se tivesse ela cantando a toda hora, completa e exclusivamente para você. -com sua última palavra ele tocou o osso debaixo do meu pescoço com o indicador, como se toda a minha pessoa se resumisse a minha clavícula. Derreti com seu sorriso bobo até lembrar que não tinha comprado nada pra ele.

-Amor, me desculpa, eu não comprei nada pra... -foi ai que minha vida piorou, senti uma forte dor no fêmur da minha perna direita e apertei-a como se fosse aliviar a dor, ele não entendeu aquilo.

-O que foi? Você está bem?

-Não, isso acontece sempre, eu estou bem. -quando eu conto a mesma mentira várias vezes até eu passo a acreditar nela.

-Você tem certeza?

-Tenho sim -a dor tinha melhorarado um pouco, mas ainda doía muito. Eu tentava aguentar ao máximo sem reclamar porque não gosto de preocupar as pessoas. "Eu estou bem" isso se repetiu na minha cabeça.

-Você quer alguma coisa? Água, comida?

-Não, não... -eu senti uma inevitável vontade de me sentar e tentei me apoiar no balcão. De repente não havia apenas um Chad ali, eu estava um pouco tonta, mas isso acontecia sempre também.

-Ape, você está ficando pálida. Tem certeza que está bem? -eu tentei segurar no ombro dele para me apoiar, mas eu não sabia em qual dos quatro confiar. Ele me pegou no colo e me deitou no sofá. Vi o celular em sua mão em uma tentativa desesperada de chamar uma ambulância, eu tentava me convencer de que estava bem, talvez meu organismo também se convencesse.

Meus olhos já não viam mais nada, senti mãos me segurando e me colocando em uma maca super desconfortável e me empurrando para dentro da ambulância. Consegui ouvir Chad dizendo "vai ficar tudo bem, fique calma, tudo vai se resolver, eu prometo"

Acordei já no hospital, vi um soro injetado em mim, meu batimento cardíaco estava razoável, vi meu pai e Chad deitados no ombro um do outro cochilando, não pude evitar uma risada. Vi um carrinho de refeições do meu lado, eu estava com muita fome, não tinha comido o dia inteiro, mas eu não conseguia alcançá-lo então logo desisti. Olhei para o relógio em cima da porta "6:00h", pensei que até lá várias amostras minhas já teriam sido coletadas e analisadas. Minha cabeça doía muito e eu me sentia fraca, provavelmente pela falta de comida.
Me assustei quando uma enfermeira abriu a porta brutalmente, meu pai e Chad também se assustaram, se levantaram de uma vez tentando arrumar suas roupas que nem estavam tão bagunçadas assim.

-Me desculpe, mas... o responsável, por favor. -ela disse convidando meu pai para fora. Chad logo se sentou do meu lado e ficou acariciando meu cabelo. Parecia que as palavras "vai ficar tudo bem" não paravam de sair de sua boca, eu suspeitei que ele soubesse mais que eu, mas achei que se ele soubesse me contaria.

Pude ver pela janelinha da porta que meu pai ouvia sem esperança às palavras do médico, até que uma palavra o fez desabar, vi suas mãos em seus olhos tentando conter as lágrimas. Nunca tinha visto meu pai chorar, eu fiquei muito preocupada com ele mesmo a doente sendo eu. Continuei vigiando a janelinha, a enfermeira tentava acalmar meu pai enquanto o médico dizia suas palavras finais que pareceram animar um pouco meu pai.

-Querida -meu pai entrou e vi que ele estava mesmo muito preocupado,Chad ajudou a me sentar e a me manter sentada -os médicos têm os resultados dos seus exames.

O médico deu alguns passos para entrar no quarto e parou ao encostar na cama, ele me olhava com preocupação, não igual a do meu pai mas ele certamente não estava muito feliz com a minha situação.

-Lamento informá-la, senhorita... -ele tentou procurar meu nome na minha ficha.

-April -eu respondi às pressas.

-Senhorita April -ele se corrigiu -nós fizemos e refizemos análises das suas amostras de sangue e pelos resultados...

-Não precisa introduzir -eu o interrumpi -pode falar de uma vez só, eu aguento.

-A senhorita tem leucemia.

Não consegui acreditar, por um momento pensei que eu morreria naquele segundo mas depois meu lado racional entrou em ação e a ficha caiu. Eu teria que passar por uma série de tratamentos caros e doloridos, sofrer mental e físicamente e ainda teria que encontrar um jeito de deixar as pessoas saberem sem que elas tenham pena de mim. Esse trabalho seria difícil mas eu iria aguentar, eu só teria que pensar repetitivamente que estava tudo bem.

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