Capítulo Quatorze

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"É muito raro conhecer mais do que a ponta do iceberg de alguém, porém estava disposta a mergulhar bem fundo."

Foi cena de novela, juro que nunca imaginei viver uma loucura dessas; Maraisa me puxou em seus braços e nos beijamos com fervor, chocando nossos corpos contra a parede, atravessando os cômodos de sua casa como duas selvagens. A saudade que eu sentia de seus lábios prometeu não ir embora tão cedo, só isso foi capaz de me deixar assustada, pois não me lembro de ter desejado alguém com tanta intensidade.

Seguimos pela sala batendo nas paredes, caímos no sofá desajeitadamente, continuamos nos beijando por lá até que Maraisa nos levantou – isso tudo sem desencostar nossos lábios – e por fim, entramos no que achei ser seu quarto, não que eu tenha aberto os meus olhos para conferir. Só descobri quando fui jogada em cima de uma cama macia com o corpo maravilhoso daquela mulher sem ousar se desgrudar ao meu.

Abracei-a com as pernas e os braços sentindo-a por inteiro, foi maravilhoso, não tem como descrever o que senti quando me vi absolutamente enlaçada a ela. Desconheço qualquer palavra apropriada para definir como o meu corpo reagia.

Mesmo estando com um pouco de falta de ar, não queria findar aquele beijo que tinha iniciado ainda na porta da frente. Maraisa começou a me tocar com a desenvoltura já conhecida por mim, era o seu velho modo safado de tocar o corpo de uma mulher, misturando cuidado, dedicação e doses de desejo. Confesso que não existiu um centímetro de mim que não quisesse receber aquele toque cafajeste com toda a intensidade possível.

De repente, Maraisa decidiu parar tudo. Alguém deve ter clicado no pause diante da cena erótica, porque não é possível, foi muito repentino. Desvencilhou-se dos meus braços e se deitou ao meu lado, só então abri os meus olhos, sentindo-me confusa e perdida. Encarei-a e ela me pareceu tão confusa e perdida quanto eu.

Soltei uma interrogação em forma de suspiro.

– Desculpa, Marília, sei que se importa com isso. É que... – Minha careta se intensificou. – Aquela parada, sabe... das vinte e quatro horas.

Fiquei a observando sem entender bulhufas, até que o meu cérebro retornou ao funcionamento normal. Compreender o que ela estava tentando me dizer foi um baque terrível para mim. Preferia mil vezes a ignorância e cheguei a fazer uma careta grotesca, pronta para ir embora, só depois que um resquício de maturidade me fez ficar tranquila.

Maraisa tinha transado com alguém em menos de vinte e quatro horas e teve a decência de me avisar. Era muito deprimente imaginá-la com uma de suas vadias, mas eu via diante de mim uma mudança, uma pequena e significativa mudança. Ela podia muito bem ter omitido aquela informação e eu jamais saberia, pois realmente não tinha ouvido nada além de sua respiração na noite anterior.

– Maraisa... – Murmurei. A safada permaneceu com o rosto meio confuso, não dava para ter a mínima noção do que estava pensando e achei melhor não saber mesmo. – Isso foi legal. Sério.

Ela sorriu. Sorri de volta.

– Tem certeza? Eu... não acredito nisso. Quero muito... – Calei a sua boca com o meu dedo indicador, depois, dei-lhe um selinho demorado. Ela não reagiu, apenas recebeu a minha carícia.

O meu corpo foi tomado por um impulso louco, fazendo-me praticamente subir nela. Terminei com as pernas ao redor da sua cintura, inclinada sobre o seu corpo divino, separei nossos lábios, mas a observei de muito perto e ela sorriu de leve.

– Obrigada por ter me avisado. Foi muito gentil. – Desci uma mão mais ousada até o volume firme que estava marcando o seu short, ela suspirou e balançou a cabeça, provavelmente sem acreditar em si mesma.

          

Decidi não ficar atiçando. Depois de mais um selinho molhado, sentei-me na cama na direção oposta à nossa parede compartilhada, dei uma bela olhada em seu quarto, era exatamente do tamanho do meu, mas creio que seja a única coisa em comum.

– Então... este é o seu quarto.

Levantei-me devagar e fui andando na direção de uma estante, era enorme. Na verdade, tomava uma parede inteira, estava abarrotada de livros e foi então que percebi que o seu quarto tinha um cheiro característico de papel envelhecido mesclado com seu cheiro gostoso, de um modo geral, não achei ruim.

– Sim. Agora, você pode tentar me conhecer. – Ouvi a sua risada gostosa. Meus nervos sentiram todo o poder que ela tinha sobre mim.

Guiei as minhas mãos por alguns exemplares, havia de tudo um pouco: enciclopédias, romances, suspenses de Stephen King, um acervo imenso da Agatha João Gustavotie, livros de poesia e claro, muita coisa da Clarice Lispector. Havia os mesmos títulos dela em várias edições distintas, fiquei encantada com a variedade.

– Você é uma metida. – Defini.

Maraisa gargalhou e foi impossível não a acompanhar, virei-me na sua direção a fim de observar o quarto como um todo, passei alguns segundos admirando o seu corpo deitado lindamente na cama bagunçada, mas logo procurei me restabelecer.

Havia uma cômoda grande ao lado da cama, provavelmente local onde colocava suas roupas, visto que não encontrei nada parecido com um guarda-roupa. Prateleiras exibiam carros antigos em miniaturas e alguns bonecos de super-heróis, cocei a cabeça.

– E infantil. Acho que ainda está na puberdade. – Apontei para os bonecos. Maraisa gargalhou novamente.

O que acabei de falar foi comprovado ainda mais quando reparei na TV e no videogame com o joystick bem posicionado no rack branco – mesma cor da cômoda e da estante –, sinal de que o utilizava com frequência. A safada do 119 era uma adolescente.

– Quantos anos você tem, afinal? Doze? – Ri, desta vez apontando para o videogame, Maraisa continuou gargalhando.

– Vinte, vizinha. – Bufei.

– Agora, sim, vou me sentir uma velha. – Sentei-me na beirada da cama de costas para ela. – Tenho vinte e oito.

Suas mãos massagearam a minha coluna antes mesmo de eu terminar a frase, fechei os olhos e nem precisei me controlar muito para ter a minha pele arrepiada por completo.

– Ei, Marília... não confunda velhice com maturidade, você é uma mulher madura, mas não há nada velho em você.

Virei-me depressa e a puxei para mim, seu rosto veio de encontro ao meu e então lhe dei um beijo rápido.

– Ok... você é metida a intelectual, infantil, bagunceira, paciente... são, porque só uma pessoa paciente para conseguir colecionar tantos bonequinhos. – Ela gargalhou, seu rosto estava tão perto do meu que absorvi cada sopro de seu hálito quente. – Deixa eu ver o que mais... sua janela não tem cortinas, então é alguém que gosta de acordar cedo, já que o sol bate bem deste lado... eu me rendo, não sei conhecer ninguém pelo quarto!

Gargalhamos juntas.

– Até que está indo bem... vamos lá, continue.

Suspirei e fechei os olhos.

– Você é muito sensível, Maraisa, os livros, as frases, as flores, até mesmo o fato de cozinhar mostra o quanto é sentimentalista. Cuida do nosso jardim muito bem, uma pessoa que curte coisas tão modestas só pode ser alguém humilde, de bem com a vida, mas muito solitária. – Maraisa se afastou um pouco para me observar melhor e o seu rosto foi tomado pela seriedade. – Você cozinha sozinha... cuida das plantas como se elas fossem suas companheiras, o videogame não me deixa negar, só há um controle ali, não há um segundo player, suas companhias não te acompanham no que você gosta de fazer.

A VIZINHA DO 119 | MALILAWhere stories live. Discover now