8. Mali che vengono al bene

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Melbourne, Austrália – 2022

Para alguém que havia estado nervoso com uma simples notícia postada no Instagram de Carlos poucos dias atrás, Charles até que se encontrava estranhamente tranquilo. Havia acordado bem naquela sexta-feira de treinos livres, sentia-se um pouco ansioso sim, porém também estava com um sentimento de leveza. Pode-se dizer que a única coisa que vinha o incomodando era o jet lag, que ele já sabia que viria, sempre que viajava para a Austrália ou Japão ou qualquer outro país muito distante de Mônaco ele era pego pelo jet lag. Parecia que muitos quilos tinham sido removidos de suas costas, e ele não sabia dizer exatamente o motivo.

Na verdade, podia dizer que desde sua conversa com Lorenzo, sentia-se assim, leve. Era estranho, quem havia desabafado e contado um segredo havia sido seu irmão, mas era Charles quem se sentia tranquilo. Durante o restante do domingo e a segunda-feira antes de entrar no avião, Leclerc pensou bastante sobre o que Lorenzo havia lhe dito, sobre a forma como ele descobriu que era gay e como isso o impactou, sobre a homofobia e o medo que tinha de se assumir para os próprios irmãos. Aquilo havia pego num local muito específico de Charles, um local que nem ele mesmo sabia da existência exatamente, nem sabia definir muito bem o que era.

Muitas coisas se passaram por sua cabeça, questionamentos sobre sua própria vida e o que estava fazendo com ela, sobre se estava sendo justo ou não consigo mesmo, sobre se não estava fazendo o mesmo que Lorenzo fez no passado, tentando ser algo que não era. Eram dúvidas que surgiram há pouco tempo, mas será que elas sempre não estiveram ali, porém de forma que o garoto nunca soube verbalizar e agora sabia? Quem sabe toda sua angústia, seu perfeccionismo para com suas próprias ações, o pouco gosto que ele tinha por si mesmo, não eram reflexo disso, desse não se deixar ser? E agora, talvez apenas ao se dar o direito de se questionar, parecia que era até mais fácil caminhar, tanto que andava pelo paddock até meio saltitante, segurando um copo de café enquanto caminhava pelo pit lane, voltando para a garagem da Ferrari.

Ele passou em frente à garagem da AlphaTauri, nem notando a presença de Pierre, que primeiramente apenas lhe seguiu com o olhar, estranhando o garoto de roupa vermelha parecendo tão feliz. O francês não pôde perder a oportunidade de importunar o melhor amigo, desencostando da parede e indo até ele, se aproximando então devagar e chegando por suas costas, encaixando os joelhos por trás dos dele e quase fazendo Charles cair e derrubar metade do seu café. O monegasco deu um grito assustado, ao mesmo tempo que o francês gargalhou.

─ Porra, Pierre! ─ Charles exclamou, vendo o loiro ainda rindo atrás de si. ─ Se foder, cara, quer me matar do coração?!

─ Desculpa, mate. ─ Gasly disse, pondo a mão no ombro do mais novo e limpando uma lágrima que se formou no canto de seu olho pela gargalhada. ─ Você estava tão alheio e alegre que eu não pude perder a oportunidade! ─ Pierre passou o braço pelo ombro de Charles, então caminhando do lado dele. Leclerc levou o copo de café à boca, tomando um gole, e depois piscou um par de vezes, lambendo o bigodinho de café que havia se formado em seu lábio.

─ Alegre? ─ indagou. Havia pensado agora de pouco que se sentia leve, porém não sabia dizer se estava alegre ou não. Na verdade, sentia-se bem confuso.

─ Sim, alegre! ─ respondeu, sorrindo para o piloto ferrarista. ─ Você estava andando quase saltitando pelo paddock, já tem algum tempo que eu não te vejo assim! ─ Charles voltou a piscar, sentindo agora o coração acelerar no peito e seu rosto esquentar.

Alegre... É, talvez ele realmente estivesse alegre, só não sabia dizer exatamente o motivo. Refletiu e acabou se sentindo um pouco mal por estar assim, já que havia brigado com sua namorada, com quem não falava desde então, mas sinceramente, a briga com Charlotte era a coisa que menos vinha lhe preocupando ultimamente.

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─ Está acontecendo algo na sua vida que você não quer me contar, não é? ─ Pierre questionou, encarando com uma expressão de dúvida. Gasly sabia bem que algo acontecia com Charles, desde o Bahrein ele sabia, mas até agora ele se recusava a dizer. Não que fosse invadir o espaço dele e forçá-lo a falar, nunca foi esse tipo de pessoa e jamais seria, no entanto, seu lado fofoqueiro ficava muito curioso para saber. Viu o garoto desviar os olhos verdes dos seus azuis, olhando para o chão enquanto mordia uma pelinha da boca.

─ O que se passava pela sua cabeça quando você descobriu que era bi, Pierre? ─ Charles lançou a pergunta, sem medo de ser interpretado de forma errada. O francês até parou de caminhar, ficando paralisado e olhando para Charles com um ponto de interrogação enorme em cima da cabeça. Leclerc tentou não rir da expressão dele, porém não teve como, o mais velho parecia ter visto um bicho papão. ─ Vamos, não me olhe com essa cara, é só uma pergunta!

─ Sim, eu sei que é só uma pergunta, mas o que me pega é o porquê você quer saber isso! ─ ele afirmou. Charles apenas revirou os olhos, ainda rindo, e tomou mais um gole de café. ─ Primeiro você vai ter que me contar o que é que está acontecendo nessa sua cabecinha! ─ ele focou seu olhar no de Pierre, encarando aqueles olhos azuis que o fitavam com a expressão de mais genuína dúvida. Deu uma risadinha, antes de beber todo resto do copo de café e levar a mão ao rosto do francês, dando-lhe uns tapinhas na bochecha.

─ Talvez eu ainda não esteja pronto para falar sobre isso, Pie. Mas eu prometo que vou contar, quando eu mesmo conseguir elaborar melhor isso! ─ foi o que respondeu, simplesmente. Sentiu o celular vibrar dentro do bolso do macacão que estava pendurado em sua cintura, e o pegou, vendo uma mensagem de Xavi, que o chamava para a garagem. ─ Eu preciso ir agora, mas não esqueça da minha pergunta, hein?

─ Eu te respondo quando você responder a minha! ─ Charles apenas deu risada. Deu um apertão na bochecha de Gasly e seguiu seu caminho para a garagem da Ferrari, deixando para trás um francês de braços cruzados e aquela mesma expressão de dúvida.

Sim, Pierre sabia o que era que estava acontecendo, ele vinha percebendo há algum tempo nas interações entre Charles e Carlos que algo ali não estava "normal". Mas tudo bem, iria esperar que ele conseguisse falar. Sinceramente Pierre achou que estivesse ficando louco quando suspeitou de algo entre eles dois, mas aparentemente, não estava tão maluco assim.

Encerradas as sessões de treinos livres daquele dia, Carlos foi para o banheiro de sua sala privativa tomar um banho, estando a relaxar debaixo do chuveiro há bom tempo. Sentia a água quentinha tocar o topo de sua cabeça e escorrer pelo restante de seu corpo, mantendo os olhos fechados e a respiração ritmada, quase que numa meditação. Era como se o banho levasse embora todo seu estresse, todos os sentimentos ruins que havia sentido naquela semana. Apesar de aquele dia ter sido proveitoso, com Charles e ele fazendo bons tempos nos treinos livres, a semana de Carlos foi bem caótica, desde que anunciou seu término com Isa e tivera que responder uma série de perguntas sem sentido sobre sua vida pessoal que na verdade nem deveriam existir.

Além disso, sentia que a relação entre Charles e ele, que já vinha esquisita desde o Bahrein, tinha ficado um pouco mais estranha, pelo menos foi a sensação que teve ao reencontrá-lo na última quarta-feira, que os dois voltaram a se ver depois da semana de pausa entre as race weeks. Não era como se tivessem deixado de se dar bem, mas o sentimento de que havia um elefante branco na sala parecia maior ainda entre eles, pelo menos para Carlos. Notou que Charles parecia um pouco mais tranquilo comparando com as semanas anteriores, e isso era muito bom, Sainz odiava vê-lo se autodepreciando ou sofrendo por antecipação, como vinha acontecendo.

Charles não perguntou nada sobre seu término com Isa, apenas lhe deu um abraço e disse que sentia muito, mas não se aprofundou no assunto. Talvez fosse Carlos que estivesse agindo de forma esquisita, voltando a fugir dos sentimentos que cresciam em seu peito cada dia mais, e fugir deles também significava fugir de Charles. O espanhol só sabia que não era uma situação que o deixava feliz, porém o deixava confortável, e acreditava que Charles sentia o mesmo, portanto não mexeria naquilo que estava quieto.

Desideri NascostiOnde histórias criam vida. Descubra agora