O conflito, eu, e o desespero
Chego em casa, atordoada e exausta. E com um simples e desanimador gesto, retiro a minha preciosa capa vermelha de camurça, a qual a minha avó tinha me dado de presente antes de morrer, e a pendurei no cabideiro perto do sofá da sala de estar.
Solto um suspiro de frustração. Não consigo evitar. Estou em casa, mas o sentimento de segurança está bem longe do meu alcance. Mas, durante alguns segundos em casa, é que percebo haver vozes vindo da cozinha. E quando a situação não podia piorar, piora ainda mais.
Fui em direção à cozinha bem rapidinho e da forma mais silenciosamente em quanto pude. E quando cheguei quase no batente da porta, adentrei em um cômodo próximo.
As vozes agora eram identificáveis e compreensíveis. Era algo muito errado o que eu fazia, mas tive a impressão de que, se não escutasse a conversa escondida, não saberia o que estava sendo discutido se caso enfrentasse diretamente aquelas pessoas.
— Ela não tem a menor ideia do que pode acontecer se caso desistir. Dafne sofrerá tanto se Anastásia parar de lutar contra a doença. Não posso deixar que ela se entregue assim.
— Senhora, não há outra opção. Todos os medicamentos que pude usar, utilizei. Se ela não se preparar para a despedida, então poderá partir sem antes dizer adeus à senhora e a sua outra filha.
— Como posso deixar a minha filha partir assim, sem lutar? Como direi para Dafne que sua irmã está para deixar esta Terra e que não existe nada mais a ser feito? Tem que haver outra opção. Precisa haver uma alternativa melhor que deixar simplesmente minha filha morrer!
— Lamento, senhora. Mas não há outra opção do que deixar a sua filha ir.
Após ouvir aquilo, não tive escolha ao abandonar o meu esconderijo discretamente. Não podia acreditar no que ouvi da conversa da minha mãe com o Dr. George Green, o famoso e o mais dedicado médico da vila.
A minha irmã está de partida. A minha irmã está morrendo. E durante o tempo em que a Anastácia dava seus últimos suspiros, minha mãe estava na cozinha em pratos enquanto o médico dava o diagnóstico.
Não podia acreditar. A minha mãe está sofrendo. Eu estou sofrendo. E só o fato da luminosidade estonteante da Anastácia não poder estar mais conosco, era de partir o coração.
Adentrei o quarto da minha irmã o mais silenciosamente possível. E, enquanto eu a via desfalecer na cama, não deixei de pensar no fato de que poderia ser qualquer um no lugar dela. Podia ser, inclusive, até eu. Mas tinha que ser a estonteante e alegre Anastácia. Ela não merecia aquilo. A minha família não merecia aquilo, sobretudo depois daquela estúpida guerra ter tirado a vida do meu pai e ter nos submetido a superar ao sofrimento e à perda.
A minha mãe não irá aguentar mais uma morte na família. E eu não podia, simplesmente, deixar a minha irmã morrer daquela maneira, não sem lutar. Ela mal mal usufruiu da vida. Havia sonhos e conquistas esperando por ela. Realmente eu não poderia deixar que toda aquela paixão de viver escorresse entre os dedos da minha irmã.
Foi então que fiz a coisa mais estúpida que poderia ter feito, mas, necessária.
Com muito esforço, acordei à minha irmã e a vesti com o primeiro suéter e casaco de lã em que encontrei. Sustentando a maior parte do seu peso, a levei até a sala de estar. Coloquei ela no sofá para poder vestir novamente a minha capa.
Após me preparar para sair, sustentei o peso dela novamente e enfrentamos o ar congelante do lado de fora. Nem sabia o que estava fazendo, apenas levava a minha irmã para o mago. Talvez ele soubesse como resolver aquela situação sem o tal do sacrifício. Mas, se não tiver outra opção, eu irei me sacrificar. Pois era inaceitável que a Anastásia morresse. E era mais racional eu deixar de viver do que ela. Porque sou a irmã sem graça e petulante, enquanto a Anastácia é como a flor da primavera, a irmã delicada e estonteante. E, além disso, sou a mais velha, por isso eu tinha uma grande responsabilidade nas minhas mãos: protegê-la e cuidá-la.
Sendo assim, a única das irmãs que tinha de morrer era eu e não a Anastácia.
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Crônicas do Bosque Congelado
FantasyEm uma situação onde a vida de alguém importante pendesse por um fio, você ousaria fazer um pacto com um bosque encantado? Foi exatamente essa escolha que Dafne fez para salvar a irmã de uma doença que assolava a Inglaterra do século XX. ...