Capítulo 14

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Acordei cedo, com olheiras ao redor dos meus olhos...Suspiro ao me levantar da cama, e vejo raios de luz atravessando minha janela. Me espreguiço, e vou até o banheiro, onde há uma pequena banheira, simples, mas bonita. Tomo banho demoradamente, e quando saio do banheiro percebo que não terei a Cerridew ou Nuala me ajudando, tento não suspirar de frustração, e vou até o guarda-roupa, onde deixei minhas coisas. Visto algo mais prático...Uma saia e blusa, com mangas bufantes de estampa floral, que foi criação minha, e tranço meus cabelos em frente a penteadeira, onde há um espelho cumprido entalhado de madeira.

Saio para o corredor, e como não vejo ninguém, vou andando pelos corredores silenciosos. Reparo em alguns móveis gastos que estão dispostos aleatoriamente entre os corredores, e vejo alguns quadros ali e aqui nas paredes de pedra...Mas nada tão impactante como da minha irmã. Estranho Lucien nunca ter pedido um a ela, e ela nunca ter pintado um pra ele...Feyre gostava de presentear a todos com suas pinturas... Será que ainda existia uma separação entre os dois? – Penso enquanto vou andando lentamente, mas sem ver nada ao meu redor – E será que uma das razões era por minha causa?... Eu nunca tinha parado pra pensar nessa possibilidade. Eu estava tão focada em minha própria dor, que mal havia percebido o quanto eles poderiam ser prejudicados também.

Paro ao avistar um quadro diferente dos outros, encima de uma pequena mesa de madeira, perto de um vaso de cristal sem flores.

Olho para os lados pra ver se não tem ninguém a vista, e pego o pequeno quadro emoldurado.

No retrato, que não era uma pintura, e sim uma... – franzo o cenho pois nunca havia visto algo assim – uma imagem bem vívida, em preto e branco, estavam Jurian, Lucien e Vassa, em um meio abraço, cada um com o braço no ombro do outro. Como se fossem um time. E eles sorriam.

Eles pareciam tão felizes juntos...como uma família. Engulo um nó da garganta que me surgiu de repente, e coloco com cuidado o quadro na mesinha.

Eu não sei porque resolvi vim aqui...Estava na cara que eu atrapalhava. Devia ir embora...eu sabia das consequências de ficar... – paro de me autoflagelar ao passar por um cômodo aberto, e depois dou meia volta.

- Um piano?

Entro na sala, que parecia ter alguns instrumentos velhos, menos o piano de mogno, que estava brilhando, bem no centro da sala.

Na casa da minha irmã, também tinha um. Feyre tentara uma vez tocar, e mesmo Nestha a ensinando, ela fora horrível. Rhys conseguiu logo da segunda vez. O que se gabou de Feyre pelo restante daquele verão. Ainda se gaba... – dou um meio sorriso estranhamente já sentindo falta deles – e toco nas teclas.

Vejo se não tem ninguém passando, e como não ouço nada, me sento no bando estofado, e começo a tocar...uma melodia que ouvi a muito tempo atrás.

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- Uma dama deve saber tocar, pintar, conhecer idiomas, e andar de forma graciosa. – diz mamãe em minha volta. – Agora toque novamente.

- Sim mamãe – digo com minhas pequenas mãos tocando, mas errando sempre o mesmo acorde pela vigésima vez. – Não consigo.

- Parece que não consegue mesmo.

Eu engulo minhas lágrimas.

- Não chore. Não aceito lamentações. – ela diz impaciente, e se abaixa pra mim – Quem sabe você pode tentar outra coisa. Piano não é pra você querida – ela dá um meio sorriso.

- Mas eu gosto de tocar mamãe.

- Nem tudo que gostamos podemos conseguir. Quando não se é boa o suficiente, é melhor desistir. Estamos é perdendo tempo com tudo isso – Ela se levanta – Mas pelo menos, você tem uma beleza igual a minha, isso pode te servir pra alguma coisa.

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Então mamãe sai da sala, me deixando desolada.

Talvez ela tivesse razão – olho para o piano com tristeza. – Talvez eu não era boa o bastante.

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Paro de tocar no mesmo acorde quem sempre errava. Engulo em seco, com as lembranças tão vividas que eu poderia sentir até o cheiro do perfume de mamãe.

Ouço algumas palmas, e me viro bruscamente.

- Desculpe – diz Lucien, adentro o aposento com a bengala – Não queria te assustar.

- Não, tudo bem – digo sem graça por ontem. Sem graça por estar bisbilhotando tudo, e sem graça por ele ter ouvido eu tocar. Eu me levanto – Não sabia que tinha um piano aqui.

- Eu mesmo providenciei isso.

- Você toca? – Franzo o cenho.

- Surpresa?

- Talvez... – dou um meio sorriso relutante.

- Minha mãe me ensinou quando eu era pequeno, desde então...nunca parei.

- Ah... você foi muito privilegiado então.

- Ter uma mãe ausente não diria que é muito privilégio – diz ele se aproximando de mim e do piano, tocando algumas notas em pé.

- Melhor do que ter uma mãe cruel – quando percebi que falei, era tarde demais.

Ele se vira pra mim alarmado.

- Sua mãe te maltratava?

- Bom... – Suspiro. Era tarde demais pra voltar atrás no que havia dito – não diria que maltratava de forma direta – digo me sentindo um tanto estranha por ter que falar dela – Ela só amava Nestha. Eu tinha um pouquinho de sua atenção, e Feyre nenhuma. – Eu engulo em seco – Minha mãe era um tanto...egocêntrica demais.

- Sinto muito – ele diz com verdade na voz.

- Isso já faz muito tempo – dou de ombros, tentando me sentir menos desconfortável com o assunto.

Lucien parece pensar antes de dizer:

- Ausência também é uma forma de machucar. Assim como mentira.

Estremeço, mas logo digo:

- Sua mãe... – falo com cuidado – não havia te contado... – Lucien para de tocar as teclas – sobre seu p... sobre Helion?

Lucien ainda está fitando o piano.

- Não. Mas não sei porque isso me surpreendeu. Pra alguém indiferente ao seu filho, um detalhe como esse deve ser irrelevante.

Eu tenho vontade de tocar em seu braço, mas sinto que Lucien não iria gostar desse gesto, e arrisco ao dizer:

- Pelo menos Helion é melhor que Beron.

Lucien me lança um olhar que não sei identificar.

- Qualquer um é melhor que Beron.

Não tenho coragem de falar sobre aquele dia, por isso prossigo:

- Você não gosta do Helion? Ele parece ser...legal.

- Ele tem caráter. Não disse que não gosto dele. Só que... – ele dá de ombros – é tudo muito estranho. E apesar deu ter convivido mais com ele nesses últimos tempos, – Lucien não entra em detalhes – Saber que ele é meu pai biológico – ele dá um sorriso sem humor – é inacreditável.

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