Capítulo 1

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O início das minhas férias já estava bem complicado antes de aquela carta chegar, mas quando minha mãe me mandou verificar a caixa do correio e eu encarei a primeira carta que alcancei, logo percebi, as pequenas desventuras que tinham acontecido eram apenas o começo. O endereço de origem da carta era bem claro, escrito com uma letra demasiado ilegível, mas sem dúvidas eu não tinha me confundido ao ler aquela palavra. A carta viera de Bolton.

O fato de eu achar que aquela carta não trazia notícias que me agradassem era simples... Nada que viesse daquele lugar me agradava. A primeira coisa que devem saber é que meu pai é de Bolton Nasceu e viveu lá até seus vinte anos, quando decidiu vir à Londres arriscar a sorte e procurar um emprego Foi aqui que ele conheceu a minha mãe e eles começaram a namorar, se casaram e me tiveram. Meu pai tem três irmãos, e eles ainda continuam morando em Bolton. E o único motivo pra eu temer essa cidade tem nome e sobrenome e é da família: Danny Jones Antes de vocês acharem que ele é um dos meus tios e eu tenho horror a tios, não, não é isso Ele é filho de um deles e faz jus às suas origens até demais... Quer dizer, ele não precisa ser caipira daquele jeito. Conheço muita gente que mora na fazenda e não é caipira. Ok, não conheço ninguém que mora com vacas e galinhas e é socialmente normal.

Esse meu horror pelo garoto não é de agora. Ah, não é mesmo. Começou quando eu nasci, na verdade. Tudo bem, não exatamente quando eu nasci, mas quando eu o conheci pela primeira vez. Eu tinha três anos e ele o mesmo. Eu era a primeira filha do meu pai e a família Jones queria conhecer a garotinha. E por coincidência tio Steve também tinha um filho de três anos e todo mundo estava louco pra juntar as duas crianças e fazer uma família feliz. Bom, a coisa de juntar as famílias deu certo. Mas a parte do feliz é que não rolou. Quando alguém é retardado e maléfico, nasce assim. E sempre vai ser assim. Era o caso de Danny. Eu não sei o que ele viu em mim, mas no primeiro momento que me olhou já voou pra cima de mim e agarrou os meus cabelos, puxando com força. Alguém pode me explicar o que eu tinha feito de errado pro garoto me atacar? Não tinha explicação, ele simplesmente teve vontade de iniciar a perseguição e foi com tudo. Ninguém o culpou, ele só tinha três anos. Mas tudo mudou a partir do momento que nós crescemos e ele continuou me perseguindo.

A última vez que vi Danny tínhamos quinze anos. Me forçavam anualmente a ir visitar
meus avós e o resto da família Jones. Mas no meu décimo quinto aniversário decidi que nunca mais voltaria a pôr o pé naquele lugar. Meu cabelo sempre foi comprido, quase chegava na minha cintura. E eu sempre deixei ele assim, longo e liso natural.
Chegava a ser meu tesouro particular, todo mundo elogiava. Eu tinha clareado as pontas e ele estava mais lindo do que nunca. Eu estava tendo todo o cuidado do mundo naquela fazenda pro meu cabelo não sujar ou não prender em nada, e era o
meu aniversário, eu precisava ficar bonita. Acordei um dia depois, já com quinze anos, e a primeira coisa que eu faço todos os dias de manhã é pentear os cabelos.
Então me levantei e me arrastei com sono até o banheiro. Encarei meu reflexo e peguei a escova. Quando encarei pela segunda vez, deixei cair a escova e me afastei assustada da imagem na minha frente. Eu não tinha mais cabelo. Ele estava curto.
PELOS OMBROS. Eu nunca permitiria que alguém cortasse o meu cabelo. Mas é claro
que estando na fazenda da família Jones em Bolton não basta apenas permitir ou não alguma coisa. Você tem que se defender. Dei o maior berro que pude e abri a porta do quarto furiosa, e caminhei descontrolada, chutando tudo que vi pela frente,
até o quarto de Danny. Ele estava dormindo. Subi em cima de sua cama e comecei a
estapear a cara dele com tudo. O garoto acordou assustado e logo depois me olhou
e começou a rir. Eu sibilei um "O QUE VOCÊ FEZ COMIGO?" e ele respondeu
simplesmente "aparei o pêlo". Claro, um ignorante daqueles estava acostumado a
aparar pêlos, então cortar cabelo de gente pra ele dava no mesmo que aparar crista
de cavalo, Mamãe fez de tudo pra tentar me acalmar, e quando voltamos a Londres ela me levou no cabeleireiro pra fazer um corte moderno. E não ficou ruim, combinava comigo. Pra falar a verdade eu tenho o cabelo assim até hoje. Nunca mais deixei ele crescer, talvez fiquei com trauma ou apenas gostei do novo visual, todo repicado. Mas a raiva foi tão grande daquele abominável menino da roça que eu me rejeitei a voltar lá. -Mell, pode andar logo com essas cartas? - ouvi minha mãe resmungar de dentro da casa e parei de encarar a carta na minha mão, voltando pra dentro. Fechei a porta a trás de mim sem tirar os olhos da carta. Minha mãe me olhou, apreensiva. - O que houve? É do governo? Vão nos despejar?

Fazenda JonesOnde histórias criam vida. Descubra agora