Não quem sou, mas o que sou

40 0 0
                                    

Não sei por quanto tempo ali permaneci. Na verdade, tempo me parecia mais uma figura de linguagem, nunca de cronologia, tudo era estático e progressivo ao mesmo tempo, passaram-se anos, passaram-se segundos, eu ainda me encontrava ali, no morno calor de suas mãos que antes estavam geladas. Gentilmente ela me puxou contra seu peito, mas desta vez senti que o fez sem receio. Suas mãos enlaçaram o contorno de minha cabeça, e novamente me encontrava entre eles, seu par perfeitamente. Senti-os pressionando contra minhas bochechas, certamente, não eram pequenos. Escutava também seu coração. Batia tão forte que tornou-se o único ruído a ocupar o vazio do quarto. Todo medo que habitava minha alma se desfez e deram-me lugar a paz mais sublime.

– Eles pararam. O que eram aqueles gemidos horríveis? – Perguntei.
– Eram suas angústias e aflições. A sua casa é assombrada, esqueceu? – Agora suas mãos acariciavam meu couro cabeludo delicadamente. – Seu cabelo é realmente curto como os de um rapaz. – Tentou mudar de assunto.

– Ah. Você...  – Ergui-me entre seu abraço para encontrar seus olhos. – Deixe-me te olhar. Deite. Eu quero te ver.
Com um gesto lento e cuidadoso, debrucei-me sobre seu corpo. Sem relutância alguma, colocou-se abaixo de mim e esparramou-se sob os lençóis, deixando-me nervosa, era a primeira vez que contemplava outra mulher tão de perto. Elevei minha mão a sua face, e domada por tamanho fascínio da criatura a minha frente perguntei se podia tocar-lhe o rosto. Ela acenou que sim com sua cabeça, e logo as pontas dos meus dedos deslizando sob a finíssima camada de sua pele. Tão lisa, ora essa, onde estavam suas acnes e espinhas? Era tão jovem quanto eu. Seu rosto tão triangular, lembrava-me uma pera, firme, o queixo empinado, o maxilar quadrado, eu amo o formato do seu maxilar. Quase como um pincel com tinta aquarela, eu deslizava meu dedo, sob a pintura de cada detalhe pintado da obra que era sua aparência. Da sua têmpora até a extensão das sobrancelhas, elas eram tão bem quadriculares, talvez o útero de sua mãe fosse formado em matemática, veja como a assimetria é perfeita. Os seus cílios eram tão longos que chegavam a tocar o teto de suas pálpebras. Tanto a sua sobrancelha como seus cílios, eram como chocolate ao leite, que decondensava sob o tom moreno da pele. Aqui todos os pelos do meu corpos eriçaram. A minha pele formigava, seus olhos deiletavam-se com minha admiração, encarava-me com um convencimento fático de que me tinha em seu poder. Ah, seu olhar, senti as pernas fraquejarem e gaguejei baixinho sem percebe-lô o seu nome:
– Hazel... – Foi a primeira vez que pronunciei seu nome. Foi só então quando percebi a doce coicidência que tornei a repeti-lo para saborear em meus lábios a cor do teu nome. – Ha ze el...
– O que? – Ela parecia ternamente constrangida ao ouvir quase sussurrando-o.
– É uma cor de olhos.
– Hãn?
– O seu nome... Os seus olhos tem a cor do seu nome ... – Aproximei minha testa para tocar-lhe a sua, não queria mais encara-la, me sentia frustrada por ceder aos seus encantos, me comportava agora como uma gata no cio. Fechei os olhos com força tentando afastar de minha mente pensamentos do mais puro e denso  desejo – É a cor mais linda do mundo.

Seu nariz tocou minha bochecha, estávamos tão próximas, senti a ponta do mesmo roçar num leve movimento, ela o usava para me afagar um carinho. Ele era enorme, de todos os aspectos nela, o maior, era quase adunco, sua ponte retangular estacionava sob as bordas do lábio, me lembrava sempre uma cigana do leste asiático. Era de fisionomia emblemática como uma. Parecia que agora me desejava por igual, senti a pontinha do mesmo passeando da minha bochecha aos lábios, estremeci quando a imaginei fazendo o mesmo em minha virilha, não sabia como era a sensação, mas aparentemente estava desesperada para descobrir visto que senti a calcinha antes úmida, tornar agora aquosa. Involuntariamente a mexer a cintura contra a sua. Brotou um sorriso maldoso em seus lábios em resposta ao meu movimento, e retrucou com confiança:
– Eu acho que você está excitada.
– Seu nariz... Ah... – Fiz uma pausa.
– O que tem ele?
– Acho que... Hãn...
– Que? – Ela pressionou a ponta, brincando com minha bochecha.
– Acho ele é um coçador de clitóris, não sei se existe, mas se existir... Tenho quase certeza que se parece com um. Hahaha.
– Vá se foder! – Ela acertou-me um pequeno soco. Constrangida, mas ainda assim ria junto comigo. Tentou recobrir a boca novamente com as mãos para tapar o seu sorriso, movimento que desta vez impedi segurando seus pulsos com firmeza.
– Pare. Por que faz isso? – Pareceu confusa, mas devo ter realmente esboçado raiva e insatisfação dado ao que ela relaxou seus braços e obedeceu-me. – Eu odeio quando faz isso, por favor, apenas pare.
– Por que? Por que se preocupa com isso? Não entendo.
– Você esconde seus risos tapando-os com as mãos ou virando o rosto para o lado oposto, sempre faz isso quando está consciente de sua presença com as outras pessoas, como se ele fosse sinônimo de vergonha, algo feio que jamais deveria ser visto.
– Sabe que não gosto dele, de tudo em mim, talvez seja a parte que tenho certa dific... – A interrompi roubando-lhe um pequeno selinho.
– Fique quieta. Não há nada de errado com seu ele. Eu o amo tanto, que se eu tivesse a oportunidade de me casar contigo, precisaríamos de dois casamentos.
– Dois?
– Sim, uma para nós duas e outro para mim e o seu sorriso.

Seus braços tornearam meu pescoço me puxando para o abraço mais gentil que receberá, senti seus seios apertaram contra os meus onde uma pequena dor de aperto se instalou, mas a ignorei por completo, concentrava agora pequenas pulsações sob a camada mais sensível, em algum lugar próximo ao meu mamilo, um latejar que já me era familiar, suaves batidinhas, quase imperceptíveis, tocavam-me  Como as bandaladas de uma caixinha de música. Era seu coração, pulsando. Ela me sorria agora, pela segunda vez notei o canino esquerdo era o único dente torto, ainda que por míseros milímetros, eu o notei, me senti extremamente satisfeita. Uma “imperfeição”. Ela era realmente humana.
– Eu poderia morrer agora de tão feliz. – Lhe segredei baixinho.
– Por que faz isso? Sabe que não posso devolver o seu afeto.
– Está tudo bem. Não é uma troca. Lhe dou o que nunca me foi solicitado, porque na minha concepção de amor, ele vem daquilo que é voluntário, e se não o for, eu não o quero. Ainda que eu não receba, você tem aquilo que eu quero. – Peguei uma pequena mecha de seus cabelos chocolate entre meus dedos, como era bela... Contemplar a sua pele morena, onde os holofotes da lua, as estrelas e o abajur, despejavam em abundância toda sua luz, dando-lhe o aspecto de ser um ídolo. – Não a amei porque quem era. Por quem você é, sou meramente apaixonada, refém do desejo carnal que está encarcerado em meu corpo, cujo somente você possuí a chave desta sela.

Eu tinha toda a sua atenção voltada pra mim, encarava-me, talvez maravilhada por minhas palavras, ou norteada por elas, talvez um pouco dos dois, encontrei ali, brecha para semear o carinho que havia dito nunca receber de outrem. Sou a ladra das primeiras vezes, e era o momento perfeito do latrocínio, iria matar sua espera e roubar sua desesperança de encontrar no mundo alguém como ela. Sou como ela. Dei-me liberdade para continuar, firmei o tom de voz no mais suscinto viés de convencimento enquanto uma mão deslizava afagos pelos cabelos e a outra tateava num vai e vem desesperado toda a sua cintura.









– Se acaso te perguntassem, ou outro perguntasse a você, “Quem é Ada?” Querendo assim saber quem sou, o que diriam? Ora, a resposta é previsível. Sou aquela moça jovem, de beleza exótica, mas não tão atraente. Organizada nas minhas expressões e boas nas palavras, mas desastrada no andar e pior ainda nos nuances da sedução. Sou a moça cujo o rosto é repleto de acnes repulsivas, o cabelo raspado num topete como de um rapaz, a homossexual expulsa de casa, a melancólica que ninguém quer por perto para não se contagiar com sua suposta tristeza. Sou sempre a suicida depressiva, assim como você é a bela e jovial descolada. Todas essas coisas são temporárias, toda tristeza e angústia, assim como o fulgor e a beleza da juventude cuja a sede é insaciável por sexo e validação, são e sempre serão um estado de espírito e transgressão, e todas hão de passar pelo que são e nunca pelo o que é. Assim como não sou mais a de um segundo atrás, ou menos ainda, você jamais seria a Hazel de uma década atrás, e nunca permanecerá tão bela e jovem, de pele lisa e cabelos não grisalhos como agora em comparação daqui a 60 anos... Todas estas coisas hão de passar, mas o que não transgride, torna-se permanentemente simbólico. Tenho plena certeza que daqui aos mesmos 60 anos, ainda irá ofertar o que eu procurei e irei procurar pelo restante da minha vida.
– O que?
– Um amor que dure mais do que qualquer outra relação que possamos ter nessa vida, que dure mais do que até mesmo aquela que tivemos com nossos genitores, pois eles hão de partir primeiro do que nós. Um amor baseado na comunhão, na fidelidade, no carinho e respeito. Essas coisas são permanentes, simbólicas e atemporais, não são passíveis de tempo, senão somente de lealdade. Te amar para até o fim dessa vida, te amar para além do corpo e do desejo do mesmo, de forma incondicional. Para um “até depois do fim”.

Ela não me respondeu, mas estava insuportavelmente quente. Sentia minhas costas suando, e minha pele parecia derreter como cera de uma vela acesa sob seu toque  Passávamos boa parte do ócio desses momentos entre troca de olhares e sorrisos abafados por risinhos sem causa. Fez-se desse instante a minha morada, já não tive espaço para a tristeza e angústia, porque sua presença preenchia o vazio meu coração. Simbolizava tudo aquilo que mais almejei neste mundo. Meu ventre implorava por ser penetrado, queria-a tanto ser amada por ela quanto domada, desejava ser sua, em todas as sentidos existentes. Queria que sua pele se mesclasse com a minha, que transassemos. Que nôs tornassemos uma, não duas, mas uma só unidade.

You've reached the end of published parts.

⏰ Last updated: Aug 17, 2023 ⏰

Add this story to your Library to get notified about new parts!

You Don't Know How Lovely You AreWhere stories live. Discover now