Borges
Deitado na rede de balanço, eu sinto o vento gelado da noite e o silêncio aqui na varanda da minha casa. Trago o baseado até a minha boca, puxando a fumaça, observando a chama laranja iluminar a escuridão. Ouço apenas o som da rede se balançando, me deixando mais calmo pra pensar um pouco.
Eu tô sozinho aqui em cima, deixei as duas lá em baixo, porque tem horas que não dá pra sustentar certas coisas. Tive que trazer a minha mãe pra minha casa, porque quando cheguei ela tava chorando pra caralho e o motivo eu sei bem, mas não conversei com ela, não tô com cabeça pra resolver essa situação agora.
As duas chorando lá em baixo e eu subi, tomei um banho e tô fumando enquanto penso. Sopro o restinho da fumaça pra cima, passando minha mão pelo meu peito sem camisa.
Há dias na vida que eu só penso em sumir, porque a carga é forte, parada de outro mundo e eu não sou de ferro pra sustentar tudo. Mas agora é foda querer fazer isso, a pior parte de ter um elo, é justamente isso, o elo. Porque querendo ou não, eu agora tenho uma responsabilidade e ela tá no meio disso tudo, mas só sabe o que eu deixo transparecer.
Saio da rede, passando a mão no meu cavanhaque e vou caminhando pelo meu quarto, saindo pela porta de frente pra escada na parte central e daqui eu ouço a conversa das duas. Mas saio pra jogar o baseado no lixo, sinto o cheiro de comida e vou descendo pra sala.
Rosa: Vai parar de fugir do assunto e falar logo a verdade? Ela é cruel, mas pelo menos é real - ouço a voz calma, assim que desço as escadas, olhando ela na cozinha - Eu sou a sua mãe, eu sinto as coisas e você me esconde tudo, mas o final eu já sei como vai ser - eu solto um suspiro longo, ouvindo o choro dela e a pretinha coça os olhos, virando o rosto pro lado.
Eu: Se a senhora sabe não precisa eu falar mais nada, é assim que funciona e eu sou só mais um, não tenho controle de tudo - falo calmo, mas por dentro eu tô angustiado, não gosto de ver a minha mãe assim - Mas o que a senhora foi fazer na pista? - caminho pro sofá, sentindo o chão gelado em contato com a sola dos meus pés descalços.
Rosa: Eu fui comprar um presente pra minha nora - eu escuto, ajeitando o medalhão no meu pescoço, tirei as correntes, só deixei ele - Até comprei, mas na saída veio um homem falar comigo, me deixou o recado que eu tô correndo perigo só por ser a sua mãe - eu olho pra ela, tendo a visão das costas da minha mulher, sentada no banco de frente pro balcão da cozinha - Falou que é fácil chegar em você e é mesmo porque ele me achou né? - ela abre os braços e eu encaro os seus olhos vermelhos, as lágrimas descendo de forma silenciosa e ela continua - Mas o pior foi falar que você não passa desse ano, uma mãe ouvir isso é muito forte, Victor - ela coloca a mão no peito e eu abaixo a cabeça, apoiando meus cotovelos nos joelhos.
Bianca: Toma água, dona Rosa - ouço sua voz baixa e continuo na mesma posição, encarando o chão.
Rosa: Foi o irmão do seu pai que mandou o recado e eu sei como funciona essas coisas, me envolvi com o seu pai sem saber quem ele era, mas quando fui sair dessa eu já tava grávida - passo a língua pelos lábios, engolindo a saliva densa - Conheci muitos que morreram nessa vida e você seria diferente?
Ela tá nervosa apenas por isso, mas nem sabe que amanhã eu tenho uma invasão pra sustentar e nem vai saber. Eu tô cansado de ouvir falar em morte, de pensar em morte, papo reto. O que ela passou hoje é consequência dessa minha vida, por isso boto segurança pra cuidar dela, mas se eu quiser perfeição, quem tem que fazer sou eu.
Eu: A verdade que a senhora quer é essa, não tem outra coisa, meu destino eu não sei, mas que o meu tempo é curto isso é óbvio - olho no direção delas, fixando meu olhar na chama do fogo, queimando a panela - Não tô afirmando que eu vou morrer cedo, mas em relação as outras pessoas, eu vou - falo sério, passando a mão no meu pescoço arrepiado.