Eu estava descalço.
Podia sentir o gelado da lama a cada passo, era bom.
O vento fresco soprava pelos meus cabelos soltos, dei um risinho.— Fez cócegas. – digo alisando a ponta do meu nariz. — Mingau... o seu lanchinho! – digo balançando o pote de ração, enquanto procurava pelo meu gato travesso. — Se você não aparecer, vou comer tudo. É sério! – digo me afastando cada vez mais da fazenda do meu pai.
Meus passos eram calmos sobre um bosque escuro, mas não existia medo… eu me sentia em casa.
Um barulho me chamou atenção, uma sombra me fez perceber que eu não estava sozinho. Mas do outro lado um miado me distraiu.— Mingau, seu gato bobinho! – eu repreendo, pegando o gato gorducho e o abraço. Ele olha pra mim e mia. — Tá bom, você não é bobinho. – digo sorrindo, enquanto ele come esfomeado a ração.
— Que gatinho fofo. – uma voz grossa diz.
Rapidamente olho para entre as árvores. Vejo dois homens grandes – gigantes – se aproximando de mim.
Me encolho um pouco.— Qual gatinho exatamente está falando? – o outro diz, ambos riem, enquanto ele abaixa na minha frente. — Que bonequinho... – ele diz alisando minha bochecha.
— O senhor perdeu seu gato também? – pergunto confuso, ele sorri.
— Na verdade, o gato do tio está muito machucado agora. – ele diz, enquanto o outro homem ri.
— Tadinho... o que aconteceu com ele? – pergunto preocupado, não quero que nenhum gato sofra.
— Quer ajudar os tios? Você parece saber cuidar melhor. – o homem agachado continua falando.
— Eu posso? – digo com um largo sorriso, Mingau iria gostar de um amigo.
— Claro. Aquele gatinho vai adorar você. – o outro homem acaricia minha cabeça.
Olho para Mingau. Ele parece com muita fome, então vou deixar ele aqui comendo e trazer seu novo amigo.
— Você fica aqui, Mingau. Vou trazer um amigo pra você brincar. – digo apontando para o gato que só se importa em comer, então olho para os homens gigantes que sorriem. — Onde o gatinho mora?
— O tio vai te levar lá. – o tio agachado diz se levantando e oferecendo sua mão para eu segurar, eu aceito. Não quero me perder.
O outro tio segura minha outra mão, enquanto caminhamos floresta dentro.
— Será que ele vai gostar de mim? – ergo meu rostinho para perguntar.
***
Caleb abriu seus olhos com um sobressalto.
O cheiro de sabonete o despertou naquela manhã, seus pequenos olhos negros foram a primeira coisa que ele viu.
Fazem apenas dois dias desde o último encontro dos dois, e desta vez Tae invadiu sua casa. Estava em seu quarto!Caleb não tinha mais muitas forças, não queria mais ser quebrado.
Sim, ele era um homem grande. Mas algo dentro dele morreu, ele não sabe bem o que era. Só acredita que não pode ser mais concertado.— Eu sou um brinquedo pra você? – Caleb perguntou vendo Tae apoiado em um braço e o outro em sua cintura. — Por quê você fica fazendo isso e depois some? – o silêncio de Tae começou a irritar Caleb. — Esqueceu o português, idiota? – Caleb disse rispidamente, foi motivo para Tae rir.
— Você é bem mal humorado quando acorda. – Tae disse tirando os cabelos do rosto de Caleb. — Tive que esperar três horas até seus pais saírem, nem um bom dia amor?
Os olhos de Caleb esquentaram, mas ele se segura para não chorar.
Caleb se levantou da cama e foi para o banheiro, ele sequer tem forças para gritar no momento.
Desejou que Tae fosse embora quando ele saísse do banheiro, mas seu demônio estava o esperando de braços cruzados com um rosto perfeito demais para ser tão errado. Seus olhos vermelhos de choro não faziam diferença alguma.— Eu fui fácil demais? – Caleb diz em voz baixa, após beber um copo de água. — Achei que queria ser meu amigo.
— Eu já disse, se você tivesse parado de fingir que não me conhece, eu não teria feito isso.
— Eu não sou gay! Você está tratando um homem como se fosse uma boneca inflável.
— Pfft! – Tae solta uma risada nasal, se segurando para não rir muito alto.
Caleb olhou para Tae com um carranca.
— Desculpa, lindo. É que foi um pouco engraçado.
— Me estuprar é engraçado pra você?!!! – pela primeira vez Caleb conseguiu dizer essa palavra em voz alta, foi mais amarga do que imaginou. — Você... você.. não faz ideia da humilhação que foi isso. Você... nunca vai saber como isso doeu... – Caleb desaba em lágrimas e vira de costas, se dobrando sobre o balcão da cozinha.
Tae engoliu em seco ao ouvir essas palavras.
Andou até ele e tomou uma forte respiração. Abraçou Caleb por trás que lutou em vão para se soltar.— Não encosta em mim! Eu tenho nojo de você, Tae-Ho! Eu realmente odeio você!!! – Caleb gritava por cima do choro, enquanto Tae o abraçava com força. — Eu confiei em você. Eu queria ser seu amigo... naquela noite eu queria só um beijo... queria entender por quê eu tenho esses pensamentos nojentos dentro de mim!
— Homossexualidade não é nojento, Caleb. – Tae diz rapidamente.
— O que você fez comigo é nojento. Querer que eu me torne gay é repulsivo! – Caleb dizia tudo o que guardou há semanas. — Você veio aqui de novo por isso, certo? Você quer me tratar como se eu fosse uma prostituta, né?!
Caleb gritava enquanto usou sua força para empurrar Tae para longe dele.
Tae encarou aqueles olhos azuis cobertos de lágrimas e não conseguiu dizer nada.
Por segundos que pareciam ser horas, se encararam em silêncio.
Caleb notou que Tae lutava contra si mesmo.
Se aproximou lentamente de Caleb, enquanto ele dava passos para trás até bater na geladeira. Tae contornou os braços sobre sua cintura. Caleb deu um empurrão, mas de nada adiantou.
Tae puxou a cabeça de Caleb até seu peito, e ali, o deixou chorar miseravelmente.— Se... se... você não fosse covarde... se você esperasse só mais um pouco... não precisava ser assim... – Caleb dizia soluçando. — Não precisava... ter me matado assim...
O abraço de Tae ficava cada vez mais forte.
Tae admite para si mesmo que não era para ser assim. Quando encontrasse seu menininho depois de anos, ele planejava o levar para tomar um sorvete, conversar um pouco sobre o passado, o levar para morar com ele e fazer amor. Iriam se amar por todo a noite, sem gritos ou choro.
Mas desde quando se reencontrou com Caleb e ele não fez nenhuma reação que se lembra dele, isso irritou demais Tae. Era como se Caleb tivesse jogado no esgoto a conexão que tiveram na infância.
Caleb olhou com o rosto coberto de lágrimas para Tae.