Murro em ponta de faca

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Antes que Damon continue seu caminho, Kai agarra seu braço e encara-o nos olhos. Eles ficam algum tempo desse jeito, como se conversassem por telepatia, e então Damon puxa o próprio braço hostilmente do agarre do outro.

Agacho com as costas para a parede e enfio o rosto entre as mãos. Quero chorar de raiva, raiva de mim mesmo por ter gostado disso. Não acredito que me permiti cair nas garras de Damon Torrance. Minha calcinha molhada agora me dando repulsa ao me recordar o quanto aquelas palavras nojentas me excitaram.

Não é como se eu fosse puritana, longe disso, no entanto não sou do tipo que gosta de ser tratada como um pedaço de carne. Eu ainda me pergunto como ele conseguiu foder minha cabeça a ponto de me fazer gozar tão rápido.

Meus dedos cavam a marca da mordida na minha mandíbula, a marca que ele deixou para que eu não esqueça o que aconteceu tão cedo. A dor agora amena intensifica minha raiva e preciso gritar entre minhas mãos, de modo que o som fique abafado o suficiente para não criar alarde — Se é que alguém daria atenção por aqui.

Pego meu celular no bolso da frente, é uma e meia da madrugada e não poderia desejar mais a minha cama agora. A droga do sinal sequer me dá uma ponta de esperança, por isso aperto o celular com a força que me resta, e que nem mesmo vai ocasionar em uma tela rachada. Sou tão fraca, tão inútil e impotente.

— Você está bem? — Ergo meu olhar e vejo Kai agachado à minha frente, a feição um pouco menos fria envergonhando-me mais — Ele te machucou?

— Quero ir pra casa, Kai. — É o que consigo responder, estou embaraçada demais e não quero ter que lidar com mais nada.

— Ele te machucou? — Ele repete a pergunta com o tom sério.

— Não.  — Respondo no mesmo tom, depois me esforço em ficar em pé, meus nervos repuxando por conta da tensão anterior — Se não vai resolver o problema, não pergunte sobre ele. — Cruzo meus braços em uma tentativa idiota de tampar as máscaras atadas em mim, só então percebo que minha voz saiu falha, completando minha humilhação.

Ando poucos passos até que ele me alcance e me obrigue a parar quando se põe à minha frente. Suas mãos vem em direção ao meu ventre, dou um passo para trás por instinto, porém ele é mais rápido e alcança minha calça. Fecho os olhos por um segundo, mas logo me dou conta que seu objetivo era abotoar e fechar os jeans que eu sequer havia lembrado estar aberto. Kai tira suas mãos do tecido tão logo quanto o tocou.

— Eu não posso te levar embora, mas isso não vai acontecer de novo.— Ele diz com seu timbre imponente.

— Não é o fim do mundo, eu posso lidar com isso.

— Eu sei que pode. — A mão dele alcança meu braço, ele acaricia a pele onde seus dedos tocam e me leva com gentileza pelo caminho — Isso não quer dizer que ele pode tocar o que não pertence a ele.

Minha mente vagueia, é difícil compreender Kai Mori. Uma hora ele age como se fosse me manter em seu cativeiro particular e na outra como se eu não passasse de um objeto de mostruário que todos podem testar.

— Eu tenho que fazer xixi.

— Sei disso, também vai te evitar infecções. — Ele atesta, poucos passos depois sou puxada entre uma passagem no meio dos arbustos.

O cavaleiro me guia por cerca de cinco metros além do galpão, um caminho sinuoso entre as árvores robustas e altas, que deixam pouco do céu visível, apenas a luz da lua é teimosa o suficiente para brigar por sua passagem através de poucas copas.

Kai estaca em seus passos e encosta em uma das árvores, ele me entrega um lenço descartável e dá sinal para que eu continue e escolha o lugar. Acendo a lanterna do celular, vendo que ele permanece onde ficou de costas para mim e braços cruzados. Caminho por mais dois metros até que eu ouço ele limpar a garganta como um alerta para que eu não me afaste demais.

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Foda-se, eu só não quero que ele me escute mijando, porra, é humilhante.

Varro com os olhos o que consigo enxergar pelo escuro ao meu redor, procurando por qualquer outro problema me espiando. Mesmo paranóica, faço um buraco rápido com o salto do coturno e desço minhas calças e calcinha até os joelhos para ficar de cócoras. Como eu queria ter o privilégio do pênis agora...

Demora um pouco para que eu consiga me liberar, continuo ansiosa sobre alguém poder estar à espreita, mas também estou com a bexiga cheia agora. O buraco  que fiz na terra impede que o líquido escorra por todo o lugar, inclusive meu solado da bota, no entanto o jato sai forte o suficiente para ecoar aquele barulho que eu pretendia evitar.

Após me secar com o lenço, jogo-o no buraco improviso, arrasto folhas secas com o pé para cobrir meu rastro e visto de volta minhas roupas. Ilumino o lugar que vou passando, não há sinais de que outros usam esse ponto para alguma coisa.

— O que te faz andar com lenços por aí? — Questiono para evitar a ideia de ele ter me ouvido esse tempo todo.

— Não ando com isso por aí, fui buscar pra você no carro. Foi só por isso que ele te alcançou antes de mim.

— Por que você tem isso no carro? — Continuo com as perguntas idiotas para ignorar a outra perturbação.

— Porque sou higiênico. — Ele me lança um olhar como se fosse óbvia a resposta.

Deveria ser, mas higienizar o próprio pinto é algo tão incomum que a falta disso é o principal motivo de amputações por aí. No entanto não vou discutir sobre meu puta estudo para o seminário na aula de pautas sociais na faculdade, vai soar inteligente demais para uma pessoa que se deixou levar no jogo da pessoa mais repulsiva desse ambiente.

Quero seguir o caminho sozinha, mas Kai não permite que eu dê três passos antes que pegue meu pulso e tome a frente. Continuo sem saber se isso é uma medida protetiva ou mais uma de suas maneiras de mostrar domínio.

As palavras de Damon continuam martelando minha mente, não posso evitar ficar desconfiada sobre Kai, afinal, todos eles estão juntos nessa. Não posso me permitir confiar em nenhum.

— Eu tenho que estar em casa até o amanhecer. —  Estabeleço — Se não forem me matar, pelo menos não me prejudiquem mais.

— Você vai saber quando puder voltar.

— Estou falando sério, Kai, eu tenho horários a cumprir.

— Você vai saber quando a barra estiver limpa para voltar. — Ele repete sem expressão.

Suspiro audivelmente para evitar um possível ataque de raiva, o que é em vão, já que a primeira coisa que vejo ao ser arrastada de volta até o sofá é a cara de Damon Torrance com uma garota loira dançando em seu colo. Como se nada tivesse acontecido há quinze minutos atrás.

Perco qualquer controle da situação, minha mente esquenta e de repente minha visão fica imprecisa. Não sei bem o que me guia, é como se outra pessoa comandasse meu corpo sem o mínimo senso de sobrevivência. Tudo à minha volta acontece em câmera lenta, e posso assistir o decorrer de minhas ações através de meus próprios olhos sem eu sequer poder apertar um botão de desligar.

Quando me dou conta, a garota loira está jogada no sofá após minhas mãos a puxarem pelo rabo de cavalo para dar o espaço necessário. A dor latejante percorre dos nós dos meus dedos à extensão de todo o punho, parte da pele lesionada e sangrando depois do murro certeiro no nariz do desgraçado em minha frente. A dor estendendo por todo o meu braço me faz sentir o prazer da vingança por um prazo curto demais, curto porque me dou conta quase instantaneamente de onde isso vai terminar.

Lilith's nightOnde histórias criam vida. Descubra agora